segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Juca Tigre

Entre os caudilhos maragatos de 1893, não se pode esquecer o coronel José Serafim de Castilhos, conhecido na paz e na guerra pelo apelido de "Juca Tigre". Era um gaúcho de São Gabriel, violento na ação, mas acessível aos sentimentos de generosidade.

"José Serafim de Castilhos, nasceu a 24 de maio de 1844, na cidade de São Gabriel, um dos mais tradicionais municípios da Campanha rio-grandense. Seus pais, porém, eram ainda mais fronteiriços, sendo de origem da cidade de Uruguaiana. Constantino e Francisca Xavier de Castilhos parecem ter vivido a maturidade da relação por volta dos meados do século, assim como viveram as consequências imediatas do ciclo Farroupilha.

Conforme artigo publicado de uma de suas filhas, a alcunha de "Juca Tigre" teria sido recebida por José Serafim de Castilhos ainda no colégio da cidade quando cursava as primeiras letras. Isso afasta qualquer analogia do apelido com os acontecimentos de que foi protagonista no desenrolar da Revolução Federalista.

Apesar da quase nula documentação a respeito da infância dos caudilhos maragatos, parece não haver dúvidas quanto ao aspecto invariável da vida de infância numa sociedade pastoril. A geração em que nasceu "Juca Tigre", cresceu no limbo da tradição oral dos fatos e "causos" da Guerra dos Farrapos e das lutas com os platinos.

Filho de proprietários rurais, com terras e gado na planicie gabrielense, a infância de "Juca Tigre" equivale a linhagem dos homens descendentes da elite pastoril rio-grandense. Recebia as primeiras letras em casa e ingressava em colégio na cidade para seguir estudos mais avançados, conforme o grau de riqueza da família.

O mundo do campo parece ter impressionado mais "Juca Tigre" do que a novidade das palavras, pois não seguiu estudos posteriores e manteve residência na cidade em que nasceu. Dali sairia apenas para os enfrentamentos políticos e militares nas campanhas da guerra de 1893.

Recolhendo o que ficou de sua forma física e de sua personalidade na tradição oral, era robusto, troncudo, de estatura acima da mediana, usava barba inteira, à moda da Monarquia. Dotado de energia invulgar, era violento na ação, mas acessível aos sentimentos de generosidade.

Ainda durante o regime monarquico, José Serafim de Castilhos ocupou o cargo de Delegado de Polícia em São Gabriel. A ocupação do cargo era decorrente de sua ligação com o Partido Liberal, de Silveira Martins, então no poder provincial e quase hegemônico na campanha rio-grandense na década de 1880.

O Delegado de Polícia era o poder de fato no município durante a Monarquia. E continou a sê-lo na República Velha, agora ao lado dos intendentes nomeados. 

Os acontecimentos de novembro de 1881 envolvendo o golpe de Deodoro, a reação florianista e sua consequente renuncia repercutiram em São Gabriel. O primeiro intendente do município, Francisco Gonçalves da Chagas foi deposto do cargo, sendo substituído por uma junta municipal, que tinha como chefe o coronel José Serafim de Castilhos.

Em junho de 1892, com o retorno do castilhismo ao poder estadual,  os seus prosélitos gabrielenses reintegraram na chefia municipal o antigo intendente, depondo "Juca Tigre" que exerceu até então aquela função.

Este fato fez com que o caudilho se retirasse para Bagé, onde Joca Tavares pensava em resistir e estabelecer um governo federalista. No prelúdio da guerra civíl, a região de Bagé tornou-se a "Meca do federalismo maragato" e a reação contra o castilhismo pareceu ser uma medição de forças para os gasparistas diante do fracasso do "governicho", período em que os dissidentes republicanos estiveram no poder, entre novembro de 1891 a junho de 1892.

Em março de 1892, no Congresso de Bagé quando da aglutinação de antigos líberais e conservadores em torno do Partido Federalista, sob o comando político de Silveira Martins, José Serafim de Castilhos foi signatário do programa e das deliberações que escolheram o general Joca Tavares para a candidatura de Presidente do Estado.

Entretanto o segundo semestre de 1892 afigurou-se como o mais radical da política rio-grandense desde os tempos coloniais. Perseguições políticas e arregimentação de forças civis e policiais passaram a acontecer em todas as localidades importantes do Estado.

"Juca Tigre" saiu a campo com 400 acaudilhados no início de 1893, armados e municiados por conta dele mesmo, deixando ordens na sua estância para "auxiliar todo aquele que fosse para as fileiras maragatas". Daí por diante fez praticamente toda a campanha revolucionária de 93-95, tornando-se o principal signatário dos principais manifestos do chamado Exército Libertador em marcha.

É dentro dessas circunstâncias que "Juca Tigre" deve ser visto como um microcosmo de seu estrato social e de seus limites ideológicos: a oligarquia pastoril e o liberalismo majoritariamente gasparista. "Juca Tigre" participou como um dos chefes do Exército Libertador até o Paraná, seguindo a liderança militar de Gumercindo Saraiva.

Quanto ao ingresso de "Juca Tigre" na insurreição com a finalidade de combater o castilhismo no poder no início de 1893:

"De 15 a 22 de fevereiro transpuseram a fronteira da República Oriental para o Rio Grande, mais ou menos numerosos. Na noite de 15 para 16 passaram o coronel Albuquerque Pina, José Serafim de Castilhos e outros chefes com um efetivo de 800 homens, pessimamente armados e foram acampar a quatro léguas de Santana".

Do combate no Mato Castelhano, próximo a Passo Fundo, em 16 de outubro de 1893, quando registrou-se a vitória em tom ufanista, discurso predileto dos românticos:

"JucaTigre", na vanguarda, brigou com Chachá Pereira. Uma hora depois recebeu-se comunicação de "Juca Tigre", avisandoque o inimigo tinha sido batido tendo abandonado tudo: carretas, munições, objetos de uso da família, jóias e que seguia em perseguição".

No inicio do mês seguinte a estratégia foi atravessar o rio Pelotas e levar a guerra a outra unidade da Federação. A passagem por Santa Catarina foi considerada triunfal e, ao mesmo tempo, inusitada aos habitante locais, no final de novembro de 1893:

"Chegaram sob o comando de José Serafim Castlhos, apelidado "Juca Tigre", perto de 300 gaúchos. Constituiam a vanguarda do general Gumercindo Saraiva. Durante a noite acamparam no cais do porto e houve então verdadeira migração do povo para ver os bravos filhos dos pampas, vestidos com bombachas e palas, em meio de mulheres e crianças, que mais parecia um acampamento de ciganos".

Embebidos de triunfalismo, as tropas federalistas rumaram ao Paraná, onde o Governo da União preparava a resistência. Em janeiro de 1894, começava o dramático combate pela praça da Lapa, no Paraná. As forças de "Juca Tigre" ajudaram a tomar a Lapa. A rendição foi uma epopéia de heroismo e morte.

O cerco da Lapa recebeu inúmeros relatos e é um dos episódios mais estudados do Paraná. Destaca-se a ação de "Juca Tigre":

"Dizia-se que "Juca Tigre" fizera a volta e de São Bento atacaria a coluna legal pela retaguarda, enquanto Piragibe e Fulião, pela frente, fariam ataque frontal. (...) Era projeto dos rebeldes fazer seguir "Juca Tigre" para a Lapa por São Bento".

Do combate homem a homem pela tomada da Lapa: "A defesa era tenaz (...) Nada detinha, todavia, a furia dos atacantes, que pareciam dispostos a vencer ou a morrer. Os castelhanos de Aparício Saraiva urravam de mistura com os gaúchos de "Juca Tigre" (...) Com o tiroteio, tudo formando uma troada infernal.

Depois de ocuparem Curitiba, os revoltosos tiveram a pretensão e a utopia de tomar São Paulo e desbancar o florianismo da República:

"Incorporado então os corpos de Cavalaria rio-grandense dos coronéis José Serafim de Castilhos e Torquato Severo (...) para, continuando sua marcha, invadir o Estado de São Paulo, em cujas fronteiras chegaram a se ouvir as descargas e o tropel das avançadas federalistas ao mando de Piragibe e "Juca Tigre". Mas a resistência florianista fez com que o exercito federalista retrocedesse para o Sul.

Quando tentavam passar o rio em caminho de Palmas, as forças de "Juca Tigre" foram batidas pelo inimigo. O que se seguiu foi o mais verossímil uma vez que os gaúchos de "Juca Tigre", perseguidos pelo inimigo, embrenharam-se em terrenos bem diferentes da planicie da campanha.

Avançando sempre para Oeste, "Juca Tigre" seguiu o curso do rio Iguassu numa retirada sem parada definitiva, a não ser a linha da fronteira com a Argentina. Lutando com inúmeras dificuldades, perdendo homens e armamentos, assim desapareceu a coluna do coronel "Juca Tigre", um desastre para o Exército de Gumercindo Saraiva.

O revés da coluna de "Juca Tigre" foi, juntamente com a morte de Gumercindo Saraiva no Corovi, em agosto de 1894, uma marca indelével do desmonte do aparato militar maragato frente aos dois sustentadores da República militar: o florianismo e o castilhismo.

"Juca Tigre" abandonou a guerra civil como um dos principáis lideres maragatos. Ele não deixou nada escrito sobre sua visão do conflito e de seu ostracismo político. Nesse clima "Juca Tigre" retornou ao local que havia nascido e saído para os conflitos de 93.

Reencontrou a mulher, Amabília Porto de Castilhos, que tinha ficado administrando os bens da família juntamente com os cinco filhos do casal. A partir de seu retorno não teve praticamente nada de eventos de conotação pública na política, de que ele tenha participado. A não ser o Congresso Federalista de 1896, em Porto Alegre, do qual participaram importantes caudilhos e chefes políticos ligados a Silveira Martins.

Nesse conclave, os maragatos resolveram adotar a defesa do Parlamentarismo na República, em oposição ao Presidencialismo que era uma bandeira histórica do castilhismo.

Protegido nas muralhas da vida privada, encontrava-se ainda a remanescência de uma atitude "guerreira"  de "Juca Tigre" nos contornos do telúrico cotidiano do lazer do homem de campanha.

Este caso foi contado pelo poeta gabrielense Valdomiro Rocha, filho de Camilo Souza, amigo e companheiro de "Juca Tigre". Quase no fim da vida, o coronel, ao assistir uma carreira de cancha reta no interior de São Gabriel, foi provocado por um castelhano que brigara no local:

"Instantes decorridos, o castelhano se achava na frente de ambos, atrevido, manejando a adaga suja de sangue:

"En esta tierra no hay hombre! Ni el famoso coronel "Tigre". El fué "tigre" em su tiempo, hoy non pasa duna oveja". Disse e caiu. Um tijolaço, jogado por garra poderosa, lhe acertou em cheio a face esquerda, pondo-o por terra. "Juca Tigre", enquanto fingia não tomar conhecimento do valentão, com o braço
 oculto atrás de Camilo Souza, descolou um tijolo da parede para usá-lo no momento oportuno".

"Juca Tigre" morreu em São Gabriel no dia 1 de abril de 1903, dentro de um ostracismo político. Mas passados muitos anos de sua morte, tem seu nome ligados aos caudilhos que lutaram por  conta e risco, na busca de seus ideais". (Fonte: Livro "Juca Tigre e o caudilhismo maragato - Poder, Tempo e Memória", de autoria do escritor Elio  Chaves Flores)

Caudilho "Juca Tigre" e seu grupo.

O médico Menezes Dória e o caudilho "Juca Tigre".

Capa do livro "Juca Tigre e o caudilhismo maragato", de autoria do historiador Élio Chaves Flores.

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