quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Flamino José da Motta

*A crônica abaixo foi escrita pelo tradicionalista alegretense Cilço Araújo Campos, publicada no jornal “Gazeta de Alegrete”, em 23-06-1987 (“Coluna Opinião”).

O personagem principal da crônica, Flamino José da Motta, nasceu em Cachoeira do Sul (RS) ao redor de 1795 e faleceu em Alegrete (RS), em 01-08-1885, um sábado, com a idade aproximada de 90 anos. Era filho de Felizardo Francisco da Motta e Teresa Inácia de Jesus.

O autor, Cilço Campos era bisneto de Flamino, pois sua avó paterna, Tereza Pereira da Motta era filha de Flamino José da Motta e Antônia Nunes Pereira.

Cilço era filho de Ignácio da Motta Campos e Alda Araújo Campos e neto de Ignácio de Loyola Campos e Tereza Pereira da Motta (após o casamento, Tereza da Motta Campos).

Curiosamente, Cilço era duplamente descendente de Flamino, pois a sua avó paterna e sua bisavó materna eram irmãs (Tereza e Eugênia Maria Pereira da Motta, respectivamente) e filhas de Flamino J. da Motta.

Eugênia casou-se com Valentim Trindade, passando a assinar-se Eugênia Maria da Motta Trindade. Seu nome é uma homenagem à mãe do “Barão de Cambaí”, seu padrinho.

Arapuca

Cilço Araújo Campos

Para quem viaja pela BR-290, na direção do Verde Pampa, perto da cidade de São Gabriel, encontra um lugar de alta transcendência pitoresca. Trata-se do sítio onde outrora brilhou a estância do Cambaí, com seu majestoso sobrado, suas doze léguas de campo e suas 20 mil cabeças de gado.

Era seu proprietário, o Comendador Antônio Martins da Cruz Jobim, “Barão de Cambaí”. Homem de vasta fortuna, filantropo, gozava de grande prestígio na Corte Imperial onde um irmão seu, José Jobim, foi médico do Imperador e senador do Império.

Em 1885, o escritor e médico R. A. Lallemant, alemão em viagem pelo Brasil, deslumbrou-se com a beleza, a ordem e a riqueza da “Estância do Cambaí”.

Mas dos fatos acontecidos na enorme propriedade, o que mais a dignificou, sem dúvida, foi ter hospedado nada mais nada menos do que o Imperador do Brasil, D. Pedro II, em sua viagem para a Fronteira Oeste.

As estâncias do Barão não se localizavam apenas no município de São Gabriel. Tinha também em outros locais, inclusive uma sesmaria entre os rios Caverá e Ibirapuitã, em Alegrete, da qual foram herdeiros parciais alguns antepassados meus.

Vale a pena contar como isto se passou. Vejam, o Barão tinha problemas sérios em sua “Fazenda do Ibirapuitã”. Há muito se havia instalado uma perigosa rebeldia de escravos e de mais trabalhadores da herdade. Mais de um capataz havia tombado pelas armas dos amotinados.

Era, portanto, urgente encontrar um homem de coragem, que dobrasse, que disciplinasse, que restabelecesse a ordem em seu feudo. Foi quando num fim de tarde, na “Estância do Cambaí”, o destino milagrosamente apresentou a solução.

Quem me historiou o acontecido, foi meu pai, velho gaúcho, hábil contador de causos! Dizia ele que no final da triste “Guerra do Paraguai”, ao surgir a desmobilização das tropas, um gaúcho de Cachoeira do Sul, retornava para os pagos, quando ficou sem o cavalo por ter o mesmo se quebrado.

Após tê-lo sacrificado, para que não sofresse uma longa agonia, colocou os arreios às costas e seguiu a pé. Andou muito. Bateu numa rica estância, pouco antes do anoitecer. Pediu um cavalo para prosseguir a viagem.

Dado o adiantado da hora, foi convidado cordialmente para pernoitar, e no outro dia então, o capataz, devidamente autorizado pelo patrão daria providências num cavalo.

Assim foi feito. Madrugada alta, feita a recolhida, lhe mostraram um cavalo que seria sua montada para o resto do percurso. Animal belíssimo, gordo e alto, um pingaço digno de um monarca, porém, aporreado, velhaco, corcoveador, onde nenhum ginete havia conseguido permanecer montado por muito tempo.

Todavia, o nosso gaúcho, esperto decifrador de homens e intenções, acostumado a identificar o "rengo sentado e o cego dormindo", não caiu na brejeirada. Viu logo a arapuca, a armadilha onde devia cair prisioneiro do ridículo e da troça.

O surpreendente da história, dizia meu narrador, era a aparência enganadora do bravo animal. Se deixava encilhar como se fosse manso, domado, acostumado aos arreios. Mas tudo era falso.

Ao ser montado, mostrava uma rebeldia diabólica e com sua força descomunal, jogava impiedosamente seu ginete ao chão.

É bom dizer que o espetáculo contava sempre com a assistência disfarçada do pessoal da estância. Belas moças, senhoras, escravas, peões, todos, enfim, vinham ao mangueirão de pedras onde estava montado o circo. Inclusive contava com a presença divertida - sabem de quem? - do “Barão do Cambaí”, pois a estância era sua, em São Gabriel.

Só que desta vez, houve frustração total. O aparentemente desavisado montador não saiu do lombo da fera. Venceu com galhardia o embate. Malogro geral.

A gozação esperada foi rapidamente se transmudando num profundo sentimento de respeito e admiração: "Oigaletê, onde se encontra um gaúcho mais valente?"

Esta é a história, graciosamente original, do guerreiro Flamino José da Motta. Este era seu nome. O Barão o levou para capatazear a estância do Alegrete. É óbvio que soube resolver o problema.

O patrão, homem magnânimo, reconhecendo a dedicação e a lealdade de seu capataz, fez dos filhos de Flamino José da Motta, seus afilhados, herdeiros de parte da vasta estância. Minha avó paterna era uma das afilhadas.

O Barão perdeu seu único filho com cinco anos, em Porto Alegre, onde foi sepultado. Seu túmulo foi profanado por catadores de ouro e jóias.

Antigamente era costume de pessoas ricas serem enterradas com seus pertences valiosos. A esposa do Barão teria, ao se defrontar com o terrível quadro, perdido o juízo, vindo a falecer depois, em sua estância.

Os grandes herdeiros do Barão foram os sobrinhos. Um deles muito conhecido nosso: o intimorato político gaúcho, doutor Assis Brasil - mas esta é outra história. Fonte: http://assisbrasil.org/joao/filhos.htm)

A Estância do Sobrado

A Estância do Barão do Cambai também é conhecido como “Sobrado do Cambai”, e fica a 5 quilômetros da BR-290, no antigo distrito e hoje município de Santa Margarida do Sul.

Do referido “Sobrado” restam apenas ruínas de paredes de barro com vigas atadas com tentos. O sobrado foi mandado construir pelo comendador Antônio Martins da Cruz Jobim, que era irmão da Viscondessa de Sabóia e do Senador do Império, Dr. José Martins da Cruz Jobim, médico de renome na corte.

Durante o Segundo Reinado o Imperador do Brasil, Dom Pedro II, em excursão, no ano de 1846, visitando a então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, hospedou-se na “Estância do Sobrado”.

Por serviços prestados no Brasil, quando o nosso país participou da Guerra do Paraguai o comendador Antônio Martins da Cruz Jobim recebeu o título de “Barão do Cambai”.

Além de Dom Pedro II outras pessoas ilustres, quando andavam em inspeção, fizeram da “Estância Cambaí” um ponto de repouso, a exemplo do Governador da Província e do Bispo daquela época.

A estância do “Barão do Cambai” foi construída no centro de uma região ornada por matos e arbustos, aparecendo em um ponto alto de um campo, sendo um sobrado com duas escadas laterais e bonitas edificações anexas.

Com toda esta constituição majestosa tornou-se uma estância de rara beleza e também pela forma que é conhecida alcançou uma significação clássica. Atualmente tem como proprietários o senhor Homero Andrade Moraes e seus descendentes. (Fonte: http://www.santamargaridadosul.com/turismo.html)

Ruínas da velha Estância do Cambai, na hoje "Estância do Sobrado", no município de Santa Margarida do Sul. (Foto: Carlito Bicca, publicada no livro "Estâncias históricas e antigas de São Gabriel e Santa Margarida do Sul", de autoria de Myrta Luza Garcia Dias Rieth)

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