Este texto bonito e ao mesmo tempo emocionante foi
escrito pela amiga Helenice Trindade de Oliveira e serve como uma homenagem
merecida, a quem um dia foi vitima da prepotência. Maria Izabel Hornos, a
"Guapa" é uma das santas canonizadas pelo povo, em São Gabriel.
"A Guapa e Eliane
Do lobisomem ao pavor de ser enterrada viva. Dos mortos
vivos e dos vivos perversos. Passei parte da minha infância espreitando estas
lendas, e morando na casa onde foi assassinada em 1924 a "Guapa".
Prostituta uruguaia famosa pela generosidade, beleza e prendas sexuais que
encantavam o latifúndio rural da cidade. O mesmo que a assassinou.
Povoei minhas noites naquela casa, com pensamentos que
reproduziam a cena do crime. Confesso que sem temor algum do fantasma. Caso
tivesse ela vontade de papear comigo nas noites longas e tediosas, o papo
rolaria solto. Uma quadra abaixo desta casa, fundos da Santa Casa, existia a
nossa “Faixa de Gaza”, amorosa e sexual. A “rua do Chapéu". As crianças
filhas das prostitutas ou gerentes dos cabarés, algumas eram sobreviventes do
analfabetismo.
Minhas colegas na escola pública. Meu limite territorial
acabava na esquina da Santa Casa. Um dia avancei “perigosamente” em direção a
casa de "Elaine", magrinha, cabelos lisos. Espevitada. A filha da
puta da casa da esquina. Uma mãe. Uma casa de poucos móveis. Paredes escuras.
Uma “bilheteria” na sala. Meu olhar e meu entendimento nunca foram suficientes
para entender porque Elaine não permaneceu na minha vida, se tinha mãe e casa
como eu.
Da mesma forma que nunca entendi porque a cidade rezava
nas madrugadas, em procissão até o túmulo da "Guapa", que naquela
época já tinha sua clientela para milagres assegurada. Rezavam para a puta
oficial da cidade, clandestinos, nos becos, na escuridão e depois corriam para
o seu túmulo em agradecimento. Um deposito de batons, sandálias, flores de
plástico e correntinhas.
Então tá. Barganha celestial como tantas oficiais com
anjinhos. Não sei se ela é nome de rua. Deveria ser. Sobreviveu ao latifúndio
que deteriora. Sobreviveu ao seu executor e mandante. Sobrevive naquela capela
no cemitério, meu caminho obrigatório para acessar o tumulo do meu pai.
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