segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Um time chamado “Canellas Pretas”

O futebol de São Gabriel em seus primórdios não foi diferente da maioria das cidades gaúchas e brasileiras. O esporte era praticado por militares e pessoas da alta sociedade local. Não havia lugar nas principais equipes para negros. Por essa razão eles foram obrigados a criar seu próprio clube, que era pejorativamente chamado de “Canellas Pretas”. O verdadeiro nome do clube perdeu-se junto aos velhos exemplares de jornais da época, que cobriam o futebol.

Jornais de 1931 davam conta da existência de um bloco carnavalesco denominado “Canellas Pretas”, que reunia a população negra da cidade. O presidente era Alcides P. Eleutherio. É possível que o time de futebol e o bloco carnavalesco tivessem alguma ligação.

O lateral-esquerdo Orestes provavelmente tenha sido o primeiro jogador negro a atuar em um dos principais clubes da cidade, o Cruzeiro. Ele veio do “Canellas Pretas”, onde era o maior destaque.

O Guarany F.B.C. de Bagé, em 1920, já contava com jogadores negros em sua equipe. Erroneamente, o Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, que escalou negros apenas em 1923, é considerado como o primeiro clube a abrir espaços para não brancos.

Três cidades gaúchas tiveram ligas de futebol exclusivas para negros. Em Porto Alegre, a Liga Nacional de Futebol Portoalegrense, pejorativamente chamada de “Liga da Canella Preta”. Em Pelotas, a Liga José do Patrocínio e em Rio Grande, a Liga Rio Branco.

A separação social entre brancos e negros era coisa comum antigamente. Hoje isso não tem mais sentido. Em São Gabriel, ainda existe a Sociedade XV de Novembro. A Brasil fechou as portas na década de 1990. Em minha terra natal, Dom Pedrito, existe a Sociedade Riograndense, um clube originalmente só para negros. Em Pelotas, existem a sociedade “Fica aí pra ir dizendo” e o “Chove e Não Molha”. E por aí afora.

São Gabriel tem motivos de sobra para orgulhar-se de sua convivência com a população negra. O município libertou seus escravos muito antes da Lei Áurea, graças aos esforços da Loja Maçônica Rocha Negra Nº 1.

A Vila Maria, um dos mais simpáticos bairros de São Gabriel, foi construída pelos patrões das famílias negras. Nos primeiros tempos, lá só moravam negros. E não foram poucas as vezes que famílias ricas se socorreram de uma velha senhora negra, parteira famosa que até hoje é lembrada na comunidade. 

Há tempos atrás aconteceu um fato que deu muito o que falar em São Gabriel. Um capitão do 9º RCB resolveu fazer um pelotão só de negros, comandado por um tenente também negro. O capitão quase foi preso e, por ordens superiores, o pelotão foi imediatamente desfeito. (Fonte: "Livro "100 anos de futebol em São Gabriel", de autoria do operador do blog, jornalista Nilo Dias)

A Vila Maria, um dos mais simpáticos bairros da cidade, foi construída pelos patrões das famílias negras. (Foto: Prefeitura Municipal de São Gabriel)

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