Este causo, "Porto dos Assombros", narrado por José Fontoura, inscrito pelo Pólo Cultural de Bagé, conquistou o 1. lugar no "Concurso de Causos do I Encontro Gaúcho de Literatura Oral", realizado de 8 a 10 de fevereiro de 1982, em São Gabriel. O causo foi recolhido pelo tradicionalista José Itajaú Oleques Teixeira, administrador do "Sítio Bombacha Larga, em Guará (DF).
Sou pedritense. Moro onde nasce o rio Santa Maria. Nesse rio
tem uma zona determinada; lugar que, na revolução de 93, mataram uma camarilha
de velho. Naquela revolução, era balaço pra cá, faconaço pra lá, ficando essa
velhama estendida. Em homenagem aqueles velhos que pelearam por lá fizeram uma
catacumba, na beira do mato. Lá, tinha um porto que dava muito peixe. Também,
muita gente se aproveitava dos pescadores. Alguém ia pra se fazer de fantasma e
saquear algum pescador. Diziam que aparecia muito fantasma, muito lobisomem.
Um
dia, convidei uma camarilha de amigos pra dar uma chegada no "Porto dos
Assombros". Uns, queriam, outros, não. Eu, também, fazia que queria e não
queria, porque a cousa era feia... Aí, os índios disseram: "Tchê, nós saímos
logo, meio borrachos, mais engraxados que telefone de açougueiro, do baile do
Capixi (porque o Capixi tava dando um baile...)". O velho Capixi era um desses
velhos antigos, que domou muito naquela época e ficou meio alcatruzado.
Pobre
do Capixi... Dava horror de ver! Era boa criatura. Nunca conseguiu um pila pra
botar uma chapa: na frente da boca um dente só; um negro velho, feio! Cabeça
mais pelada que sovaco de sapo. Ele tinha umas mulatas, umas filhas; bonitas
como ovo de pelincho! Os vestidos eram mais floreados que roupa de cigana.
Bueno! Aí, combinamos: "No baile do Capixi, tem um concurso de valsa. Depois,
nós meio se emborrachamos e vamos "pra picada dos Assombros".
Fomos pro baile, só
assistir o concurso. Botamos a mala na garupa, tudo ajeitado: lampião, aquela
lambança toda. Chegamos no baile. De repente, ali pelas 10 horas, entaipou a
lambança: o gaiteiro, tchê, só tocava pra cima, de tanta gente! Pelos lados,
não dava; já se pechava todo mundo... Quando o negro queria rir, tinha que ser
de bico, porque pros lados se pechava. Assim, ó de gente! E fomos. Só olhar o
concurso de valsa, pra seguir viagem depois.
No concurso tinha um negro,
Calandro, de Dom Pedrito; famoso. O prêmio era bom. Parece que o Capixi dava
uma novilha ao primeiro colocado. De repente, aquela negrada grudou na valsa.
Mas, vou te dizer uma cousa: a indiada tirava os quartos como boneca de
mexeriqueira. A noite inteira, tchê! E grudados na valsa! O Calandro não era
trouxa. Escolheu uma mulata velha, dessas delgadas como pulga de tapera, e se
atracou com ela. Oiga-le-tê, maula! Mas a cousa saltava fogo! Atracou-se com a
mulata... a dançar.
Aquela valsa durou uma hora e pico, mais ou menos. E nós,
sempre olhando; com os cavalos prontinhos pra pescaria. De repente o Calandro
largou... terminou a valsa, largou a mulata: morta. Caiu morta... Ah! Houve um
princípio de bochincho nessa altura. Morreu, a mulata. Naquela corrida toda,
gritei. "Vamos pra pescaria, que isso vai dar nó!". Aí vem o doutor!
Já
saiu um lá, de auto, buscar o doutor. Este constatou que a mulata dançou 15 minutos, viva, e uma hora e 45 morta. O Calandro a puxou morta! Essa
negra dançava mesmo, né? Esse resto, ela dançou morta. Não perdeu o embalo
nunca, seu! Ganhou o concurso e o bochincho estourou. E nós, ó... Bueno. Nos mandamos
pra pescaria. Esse negócio de bochincho não é comigo: "Vamos pra pescaria que
é a nossa finalidade".
Compramos uns pastéis do Capixi (que vendia pastel) e
fomos embora. Já na pescaria, o primeiro pastel, que fui comer meio com fome,
na bocada, o barbicacho me voou da cabeça. Dava horror, esses pastéis! Quando
chegamos na costa do mato, nós já tava com as gadelhas lá em cima.
Desencilhamos os cavalos e atamos à soga a cavalhada. O dono do petiço era
bochinchão que dava horror! Companheiro de lá, também. Entramos picada adentro.
Uma noite escura, preta como corvo e luto. Fomos entrando.
Nos primeiros
passos, nos atropela um lobisomem... E era negro que se atirava na reboleira,
se atirava pra sanga... Aquele reboliço. O mato parecia que vinha abaixo. E ali
ficamos. O tal de lobisomem sossegou. Bueno, a gente se refrescou. Começamos a
cochichar uns com os outros e tal: "Tchê, vamos ver esse lobisomem. Não tá bem
isso aí". Um companheiro, muito mais corajoso do que eu, saiu a procura. Viu que
era uma vaca, pesteada de tristeza, que tava dentro do mato. E, uma vaca
pesteada de tristeza não tem a quem não atropele! Primeiro susto! Mas, se
constatou que era vaca; não tem problema.
Agarramos as malas, de novo, e
tocamos pras barrancas do arroio. Chegando no arroio, pegamos a comida que nós
levava: só pastel. Daqui há pouco, um dava uma bocada e era chapéu que voava...
Pastel do Capixi era só “rrrram”! Sentamos na barranca. Atiramos as linhas
n’água. Atiramos longe, não! Olhamos longe, como avestruz em campo pequeno. De
repente, um grito, meio à esquerda? “Mas, o que foi que te aconteceu?”. Bah! A
gadelha se foi lá em cima! De novo! Em riba do laço, aquele grito! Na hora que
eu tava comendo o pastel... E, voou o chapéu! Paramos o ouvido. Desastre!
Começamos a nos olhar. Nós não tinha revólver, não tinha nada, só uns facões.
Resultado do assunto: lá pelas tantas, fomos ver o que era. Chegamos numas
reboleiras de unha-de-gato. Era um pedaço de disco da "Jardinheira" que tinha
quebrado. Alguém botou fora e, com as enchentes, se enredou nas unhas-de-gato.
Tava ventoso e quando a unha-de-gato passava ali o pedaço de disco tocava: “Mas
o que foi que te aconteceu?”. Outro assombro! Aí, nos tranqüilizamos de novo.
Voltamos pras barrancas do arroio. No que sentamos, o do petiço começou um
bochincho com um companheiro. Mas, te falo de bochincho! Saltava tampinha de
joelho, ponta de orelha, pé com bota...
E eu, meio borracho, não tava dando
importância pra aquela briga. O do petiço se incomoda e queria ir embora. "Vou encilhá meu petiço e vou me embora"! Nem tirei a saber porque eles brigaram.
E ele encilhou o petiço. Não demorou 15 minutos o mato parecia que vinha
abaixo! E vinha pro nosso lado.... Era o petiço do desgraçado, correndo direto
a nós. Agarrou picada adentro e veio que nem uma lista! Só vi quando ele voou
pra cima de nós e caiu pro meio do arroio. O desgraçado, borracho, encilhou um
capincho que tava dormindo, deixando o petiço. Outro susto!
O capincho se
prendeu a velhaquear e saiu correndo direto à água. Terceiro susto! Decidi:
“Até vou mudar de porto. Não fico por aqui. Não aguento mais!”. Saí e fui
passeando bem aonde tinham pealado a velhama de 93, nas catacumbas. Mas, aí,
fui me arrepiando... Nem me dei conta daquilo. Quando dobrei uma catacumba, um
me calçou com um revólver. Mas, um monstro! Não sei bem o que era. "A vida ou a
carteira"! gritou. "Mas que vida nova?! Eu já tô morto há 30 anos, chê!!", respondi, na tampa, pra aquela coisa feia!
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