segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Carnaval de São Gabriel: do entrudo aos desfiles de rua

Nos meus tempos de juventude (há, como era bom) eu fui um apaixonado carnavalesco. Na minha terra natal, Dom Pedrito, não perdia um baile de Carnaval no Clube Comercial. Depois, em Pelotas, cheguei a ser presidente de duas entidades carnavalescas, a “Escola de Samba Ramiro Barcelos” e o “Bloco Tesouras da Tiradentes”. Em Rio Grande presidi  a “Escola de Samba Quem é do Mar Não Enjoa”.

E também participei do “Bloco das Almôndegas”, em Pelotas, criado pelos irmãos Kleiton e Kledir e o primo Vitor Ramil, que tinham formado um conjunto musical com o mesmo nome. Desfilei pela Ramiro Barcelos, fantasiado de índio.

Depois a idade veio chegando e me limitei apenas a participar de transmissões carnavalescas pelo rádio, em Pelotas, Rio Grande e São Gabriel. E hoje vejo pela TV os desfiles carnavalescos na Sapucaí. Mas continuo gostando de Carnaval, o que é o mais importante.

Vasculhando meus “arquivos implacáveis” encontrei muita coisa sobre o Carnaval de São Gabriel. E nada melhor do que compartilhar isso com os leitores de “O Fato”. É história, é memória que deve ser preservada e contada.

No Carnaval de São Gabriel em 1914, segundo o jornal “Diário da Tarde”, que era publicado na cidade, as entidades mais populares eram o “Grupo te arregaça e vem”, “Bloco a Ignácia tá braba e vem armada de chinelo” e a “Barata”. O botequim mais temido era o “Pau Bate”, que fazia jus ao nome. Volta e meia alguma briga por lá terminava em morte.

Pena que até naqueles tempos antigos, ditos calmos, de vez em quando aconteciam casos lamentáveis, como aquele verificado na noite de 3 de março de 1924. Maria Izabel Hornos, a “Guapa”, uma prostituta uruguaia, dona de bordel, estava se enfeitando diante do espelho para ir a um baile de Carnaval, quando foi alvejada por alguns tiros nas costas, desferidos da rua através da janela, por um cabo dos Provisórios do Exército.

Segundo comentários da época, foi a mando de uma rica estanceira gabrielense, cujo marido teria um romance com a castelhana. O culpado ficou impune, pois o crime teria sido “encomendado”.

Nos anos 30 proliferavam os blocos carnavalescos, tais como “Furacão”, “Canellas Pretas”, “Zig-Zag”, “Amarrados” e “Filhos da Lua”.

Segundo os jornais da época, o “Canellas Pretas” reunia a população negra da cidade. O presidente era Alcides P. Eleutherio. É possível que um time de futebol existente naquele tempo e o bloco carnavalesco tivessem alguma ligação.

A cidade regorgitava de gente durante o período carnavalesco. Havia o clube “Mão Negra”, constituído por elementos da elite social de São Gabriel, que costumava desfilar em magnífico carro alegórico.

O velho bloco “Furacão” tinha o baliza Argemiro, que era um dos mais antigos foliões e impecável na organização para os folguedos.

Mal o Carnaval começava e já pela manhã, na praça principal, apareciam os primeiros avulsos, indivíduos introvertidos que somente no bulício das ruas e em anônimas fantasias, achavam-se com coragem de enfrentar o público.

Eles pulavam, gritavam, jogavam lança perfume, confete e limão de cheiro e depois se perdiam na multidão, ávida por festas populares. E de repente apareciam blocos de rapazes fantasiados de árabes, índios e toureiros que desfilavam com improvisadas orquestras, enquanto o “Tio Anísio”, o veterano do Paraguai, jogava flechas na sua fantasia de guerreiro indígena.

“Rafael e seus Rapazes” costumavam criar um clima de horror entre os populares, com máscaras de morte, carrascos e fantasmas. Entre todos sobressaia a figura magérrima do Rafael, solene e trágico no seu papel de esqueleto humano. Era um dos pontos culminantes do Carnaval de outrora.

A praça principal ficava coberta por serpentinas e confetes, lembranças das “batalhas” travadas desde o cair da tarde até quase o alvorecer, sem diminuir a intensidade. Chegada a noite havia o “Corso”, alinhando filas quase intermináveis de automóveis de todos os tipos, dando voltas e meias voltas na quadra principal da Praça da Matriz, sob intenso “bombardeio” de confetes, serpentinas, lança perfumes, limões de cheiro e bisnagas de água.

Havia os blocos “Zás-Trás”, “Boêmias do Amor”, “Dos Prontos”, “Dos Tenentes”, “Mão Negra”, “Piratas”, “Marinheiros” e outros. Também às “tendinhas” que vendiam artigos de Carnaval. Entre elas estavam à do “Seu Monteiro”, do “Saporite”, do “Monteavaro”, que era atendida pelo Machado e a do “Nascimento”, entre outras.

Em fevereiro de 1933 foram organizados mais novos quatro blocos carnavalescos em São Gabriel: “Bohêmios”, “Abo”, “Tagarelas” e “Filhotes”.

Em 1933 os foliões gabrielenses costumavam reviver a prática do chamado “Entrudo”, que era uma tradição local de anos atrás, acontecida na principal rua da cidade e consistia na maior atração preparativa para o Carnaval.

Para animar o "Entrudo" tomavam parte na brincadeira os Blocos Carnavalescos da época: “Dos Solteiros”, “Dos Amarrados”, “Marinheiros”, “Marca Olho”, “Dos Coronéis”, “Rainha das Neves” e  “Mãos Abertas”.

O “Entrudo”, para quem não sabe, consistia em jogar água nos transeuntes, que estivessem ou não integrados na folia. É claro que nem todo o mundo aceitava a brincadeira e era comum a encrenca, com ameaças de tiros e brigas.

Cada um dos blocos mantinha um ou dois caminhões carregado de tonéis com água, o combustível necessário para a brincadeira. A água era jogada com o auxilio de baldes, jarros, bacias ou latas. Hoje o “Entrudo” não existe mais, virou coisa do passado.

O Carnaval de rua de 1952 foi um dos melhores realizados na cidade, segundo noticiou a imprensa local. Os conjuntos “Legal com Duas”, “Filhos da Lua”, “Estrela D’Alva”, “Aribisto” e “Te pego lá fora”, garantiram a animação do público que saiu as ruas em grande número.

O Carnaval de São Gabriel teve personagens que ficaram para a história. É o caso de Rosário Ruchiga e seu famoso “Jazz Ruchiga”, que animava de festas religiosas até grandes folguedos carnavalescos. Onde estava à tristeza, esta batia em retirada, afugentada pelo seu humor alegre e seus gracejos de fazer rir até as pedras.

O “Jazz Ruchiga” animou muitos Carnavais da cidade, especialmente bailes no Comercial, Caixeiral e Guarani. Rosário faleceu a 12 de janeiro de 1995, aos 89 anos, vítima de hemorragia intestinal.

Quem não se lembra do “Carnaval nos Bairros”, programa da Rádio São Gabriel animado pelo grande radialista Dagoberto Focaccia, que movimentou os festejos momescos durante muitos anos. Ele levava aos locais mais remotos da cidade, os cantores e conjuntos musicais que alegravam o povo.

Zenon Figueiró Martins, por bastante tempo foi gerente da Rádio São Gabriel e sempre deu importância ao Carnaval de rua da cidade. Foi ele o responsável pelas primeiras transmissões carnavalescas pelas ondas da pioneira Rádio São Gabriel.

Quem também merece ser lembrado é o “eterno” e saudoso Eraldo, que trabalhava no Centro de Saúde. Muitas histórias são contadas até hoje a respeito dele, principalmente algumas ocorridas em bailes de Carnaval no salão de festas da Cohab, que o Bereci Macedo prefere que se chame de “Bairro Menino Jesus”.

Mais recentemente tivemos a figura única do Carlinhos Rangel, incentivador do “Bloco da Geni” e criador de frases picantes envolvendo principalmente políticos da cidade. Morreu depois de ter caído na rua e batido com a cabeça no chão, durante o desfile de Carnaval de 2014.

Não podemos esquecer dos saudosos Walter Góis, o  “Jamanta” e Nilo da Rosa, criadores do tradicional “Bloco Carnavalesco Bambas da Orgia”. Do “Joãozinho da Ponte”, Domingos Rivas, Gabriel Alves Pereira e tantos outros que a memória já gasta pelos 74 anos, não lembra.

Em dezembro do ano passado a comunidade gabrielense foi pega de surpresa com a notícia do falecimento do sargento da reserva da Brigada Militar e um dos fundadores do bloco “Kizueira”, João José Dutra dos Santos, vitimado por um choque elétrico.

Um destaque especial para o amigo “Marcel da Cohab”. É um carnavalesco da mais pura cepa, compositor, cantor e incentivador da “folia momesca”. O Zé Lucca, que presidiu a Associação das Entidades Carnavalescas e foi importante na história da “Vai Mesmo”.

Com toda a certeza o Carnaval de rua de São Gabriel é um dos melhores do interior do Rio Grande do Sul. Não tenho certeza total, mas acho que atualmente participam dos desfiles de rua os Blocos Carnavalescos “Diretoria”, “Cohabêbados”, “Kizueira”, “Acadêmicos de Santa Cruz”, “Leão de Ouro”, “Milionários do Samba”, “Bambas da Orgia”, “Unidos da Vila Mariana”, “União da Ilha do Independência” e “Geni”, o mais popular da cidade.

E tem também ás Escolas de Samba: “Academia de Arte e Cultura JUPOB”,” Amor de Carnaval”, “Filhos da Lua”, “Academia de Arte Cultura de Samba Imperatriz Dona Maria”, “Império da Zona Norte” e “Filhos de Olodum”. Se faltou algum ou alguma, peço mil desculpas.

Também são muito concorridos os bailes carnavalescos nas três principais entidades sociais da cidade, Clube Comercial, Clube Caixeiral e Brasil Tênis Clube. (Texto: Nilo Dias. Fonte: Arquivo pessoal, jornal “O Imparcial”, jornal “Diário da Tarde” e livro “Crônicas duma cidade do Sul”, de Aristóteles Vaz de Carvalho e Silva)

Walter Góis, o popular "Jamanta", foi um carnavalesco e desportista de destaque. Pena que já tenha falecido.(Foto: Arquivo pessoal de Nilo Dias)

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