Nos meus tempos de juventude (há, como era bom) eu fui um
apaixonado carnavalesco. Na minha terra natal, Dom Pedrito, não perdia um baile
de Carnaval no Clube Comercial. Depois, em Pelotas, cheguei a ser presidente de
duas entidades carnavalescas, a “Escola de Samba Ramiro Barcelos” e o “Bloco
Tesouras da Tiradentes”. Em Rio Grande presidi
a “Escola de Samba Quem é do Mar Não Enjoa”.
E também participei do “Bloco das Almôndegas”, em Pelotas,
criado pelos irmãos Kleiton e Kledir e o primo Vitor Ramil, que tinham formado
um conjunto musical com o mesmo nome. Desfilei pela Ramiro Barcelos, fantasiado
de índio.
Depois a idade veio chegando e me limitei apenas a
participar de transmissões carnavalescas pelo rádio, em Pelotas, Rio Grande e
São Gabriel. E hoje vejo pela TV os desfiles carnavalescos na Sapucaí. Mas
continuo gostando de Carnaval, o que é o mais importante.
Vasculhando meus “arquivos implacáveis” encontrei muita
coisa sobre o Carnaval de São Gabriel. E nada melhor do que compartilhar isso
com os leitores de “O Fato”. É história, é memória que deve ser preservada e
contada.
No Carnaval de São Gabriel em 1914, segundo o jornal
“Diário da Tarde”, que era publicado na cidade, as entidades mais populares
eram o “Grupo te arregaça e vem”, “Bloco a Ignácia tá braba e vem armada de
chinelo” e a “Barata”. O botequim mais temido era o “Pau Bate”, que fazia jus
ao nome. Volta e meia alguma briga por lá terminava em morte.
Pena que até naqueles tempos antigos, ditos calmos, de
vez em quando aconteciam casos lamentáveis, como aquele verificado na noite de
3 de março de 1924. Maria Izabel Hornos, a “Guapa”, uma prostituta uruguaia,
dona de bordel, estava se enfeitando diante do espelho para ir a um baile de
Carnaval, quando foi alvejada por alguns tiros nas costas, desferidos da rua
através da janela, por um cabo dos Provisórios do Exército.
Segundo comentários da época, foi a mando de uma rica
estanceira gabrielense, cujo marido teria um romance com a castelhana. O
culpado ficou impune, pois o crime teria sido “encomendado”.
Nos anos 30 proliferavam os blocos carnavalescos, tais
como “Furacão”, “Canellas Pretas”, “Zig-Zag”, “Amarrados” e “Filhos da Lua”.
Segundo os jornais da época, o “Canellas Pretas” reunia a
população negra da cidade. O presidente era Alcides P. Eleutherio. É possível
que um time de futebol existente naquele tempo e o bloco carnavalesco tivessem
alguma ligação.
A cidade regorgitava de gente durante o período
carnavalesco. Havia o clube “Mão Negra”, constituído por elementos da elite
social de São Gabriel, que costumava desfilar em magnífico carro alegórico.
O velho bloco “Furacão” tinha o baliza Argemiro, que era
um dos mais antigos foliões e impecável na organização para os folguedos.
Mal o Carnaval começava e já pela manhã, na praça
principal, apareciam os primeiros avulsos, indivíduos introvertidos que somente
no bulício das ruas e em anônimas fantasias, achavam-se com coragem de
enfrentar o público.
Eles pulavam, gritavam, jogavam lança perfume, confete e
limão de cheiro e depois se perdiam na multidão, ávida por festas populares. E
de repente apareciam blocos de rapazes fantasiados de árabes, índios e
toureiros que desfilavam com improvisadas orquestras, enquanto o “Tio Anísio”,
o veterano do Paraguai, jogava flechas na sua fantasia de guerreiro indígena.
“Rafael e seus Rapazes” costumavam criar um clima de
horror entre os populares, com máscaras de morte, carrascos e fantasmas. Entre
todos sobressaia a figura magérrima do Rafael, solene e trágico no seu papel de
esqueleto humano. Era um dos pontos culminantes do Carnaval de outrora.
A praça principal ficava coberta por serpentinas e
confetes, lembranças das “batalhas” travadas desde o cair da tarde até quase o
alvorecer, sem diminuir a intensidade. Chegada a noite havia o “Corso”,
alinhando filas quase intermináveis de automóveis de todos os tipos, dando
voltas e meias voltas na quadra principal da Praça da Matriz, sob intenso
“bombardeio” de confetes, serpentinas, lança perfumes, limões de cheiro e
bisnagas de água.
Havia os blocos “Zás-Trás”, “Boêmias do Amor”, “Dos
Prontos”, “Dos Tenentes”, “Mão Negra”, “Piratas”, “Marinheiros” e outros.
Também às “tendinhas” que vendiam artigos de Carnaval. Entre elas estavam à do
“Seu Monteiro”, do “Saporite”, do “Monteavaro”, que era atendida pelo Machado e
a do “Nascimento”, entre outras.
Em fevereiro de 1933 foram organizados mais novos quatro
blocos carnavalescos em São Gabriel: “Bohêmios”, “Abo”, “Tagarelas” e
“Filhotes”.
Em 1933 os foliões gabrielenses costumavam reviver a
prática do chamado “Entrudo”, que era uma tradição local de anos atrás,
acontecida na principal rua da cidade e consistia na maior atração preparativa
para o Carnaval.
Para animar o "Entrudo" tomavam parte na
brincadeira os Blocos Carnavalescos da época: “Dos Solteiros”, “Dos Amarrados”,
“Marinheiros”, “Marca Olho”, “Dos Coronéis”, “Rainha das Neves” e “Mãos Abertas”.
O “Entrudo”, para quem não sabe, consistia em jogar água
nos transeuntes, que estivessem ou não integrados na folia. É claro que nem
todo o mundo aceitava a brincadeira e era comum a encrenca, com ameaças de
tiros e brigas.
Cada um dos blocos mantinha um ou dois caminhões
carregado de tonéis com água, o combustível necessário para a brincadeira. A
água era jogada com o auxilio de baldes, jarros, bacias ou latas. Hoje o
“Entrudo” não existe mais, virou coisa do passado.
O Carnaval de rua de 1952 foi um dos melhores realizados
na cidade, segundo noticiou a imprensa local. Os conjuntos “Legal com Duas”,
“Filhos da Lua”, “Estrela D’Alva”, “Aribisto” e “Te pego lá fora”, garantiram a
animação do público que saiu as ruas em grande número.
O Carnaval de São Gabriel teve personagens que ficaram
para a história. É o caso de Rosário Ruchiga e seu famoso “Jazz Ruchiga”, que
animava de festas religiosas até grandes folguedos carnavalescos. Onde estava à
tristeza, esta batia em retirada, afugentada pelo seu humor alegre e seus
gracejos de fazer rir até as pedras.
O “Jazz Ruchiga” animou muitos Carnavais da cidade,
especialmente bailes no Comercial, Caixeiral e Guarani. Rosário faleceu a 12 de
janeiro de 1995, aos 89 anos, vítima de hemorragia intestinal.
Quem não se lembra do “Carnaval nos Bairros”, programa da
Rádio São Gabriel animado pelo grande radialista Dagoberto Focaccia, que
movimentou os festejos momescos durante muitos anos. Ele levava aos locais mais
remotos da cidade, os cantores e conjuntos musicais que alegravam o povo.
Zenon Figueiró Martins, por bastante tempo foi gerente da
Rádio São Gabriel e sempre deu importância ao Carnaval de rua da cidade. Foi
ele o responsável pelas primeiras transmissões carnavalescas pelas ondas da pioneira
Rádio São Gabriel.
Quem também merece ser lembrado é o “eterno” e saudoso
Eraldo, que trabalhava no Centro de Saúde. Muitas histórias são contadas até
hoje a respeito dele, principalmente algumas ocorridas em bailes de Carnaval no
salão de festas da Cohab, que o Bereci Macedo prefere que se chame de “Bairro
Menino Jesus”.
Mais recentemente tivemos a figura única do Carlinhos
Rangel, incentivador do “Bloco da Geni” e criador de frases picantes envolvendo
principalmente políticos da cidade. Morreu depois de ter caído na rua e batido
com a cabeça no chão, durante o desfile de Carnaval de 2014.
Não podemos esquecer dos saudosos Walter Góis, o “Jamanta” e Nilo da Rosa, criadores do
tradicional “Bloco Carnavalesco Bambas da Orgia”. Do “Joãozinho da Ponte”,
Domingos Rivas, Gabriel Alves Pereira e tantos outros que a memória já gasta
pelos 74 anos, não lembra.
Em dezembro do ano passado a comunidade gabrielense foi
pega de surpresa com a notícia do falecimento do sargento da reserva da Brigada
Militar e um dos fundadores do bloco “Kizueira”, João José Dutra dos Santos,
vitimado por um choque elétrico.
Um destaque especial para o amigo “Marcel da Cohab”. É um
carnavalesco da mais pura cepa, compositor, cantor e incentivador da “folia
momesca”. O Zé Lucca, que presidiu a Associação das Entidades Carnavalescas e
foi importante na história da “Vai Mesmo”.
Com toda a certeza o Carnaval de rua de São Gabriel é um
dos melhores do interior do Rio Grande do Sul. Não tenho certeza total, mas
acho que atualmente participam dos desfiles de rua os Blocos Carnavalescos
“Diretoria”, “Cohabêbados”, “Kizueira”, “Acadêmicos de Santa Cruz”, “Leão de
Ouro”, “Milionários do Samba”, “Bambas da Orgia”, “Unidos da Vila Mariana”,
“União da Ilha do Independência” e “Geni”, o mais popular da cidade.
E tem também ás Escolas de Samba: “Academia de Arte e
Cultura JUPOB”,” Amor de Carnaval”, “Filhos da Lua”, “Academia de Arte Cultura
de Samba Imperatriz Dona Maria”, “Império da Zona Norte” e “Filhos de Olodum”.
Se faltou algum ou alguma, peço mil desculpas.
Também são muito concorridos os bailes carnavalescos nas
três principais entidades sociais da cidade, Clube Comercial, Clube Caixeiral e
Brasil Tênis Clube. (Texto: Nilo Dias. Fonte: Arquivo pessoal, jornal “O
Imparcial”, jornal “Diário da Tarde” e livro “Crônicas duma cidade do Sul”, de
Aristóteles Vaz de Carvalho e Silva)
Walter Góis, o popular "Jamanta", foi um
carnavalesco e desportista de destaque. Pena que já tenha falecido.(Foto:
Arquivo pessoal de Nilo Dias)
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