Em abril de 2006, o fotógrafo Emerson Souza, o motorista
Cristiano Pacheco Maciel e eu deixamos Porto Alegre em direção ao pampa gaúcho
e argentino, numa viagem que se estenderia por 10 dias. Era a primeira etapa de
apurações da série de reportagens "O Novo Retrato do Pampa", que seria publicada
em julho daquele ano.
A etapa seguinte seria realizada pelo repórter Nilson
Mariano, meu colega de editoria de Geral e também integrante do projeto, em
parceria com o mesmo Emerson. Eles viajariam no mês seguinte pelo extremo sul
do Estado e pelo território uruguaio.
Cruzamos a ponte do Guaíba com o objetivo de mostrar as
modificações em curso na Fronteira Oeste e na pampa argentina. Buscávamos
revelar o impacto no Rio Grande profundo da revolução provocada pela pecuária
de ponta. Em meio a metamorfose, também entrevistaríamos domadores, peões de
estância, carreteiros, benzedeiras, cultuadores de santos populares — tipos
característicos do pampa, cascos de nossa história, homens e mulheres que
resistem à modernização.
E foi em busca deles que travei um diálogo improvável,
uma conversa que só a estrada oferece aos repórteres. Num final de tarde,
buscávamos um devoto de Sepé Tiaraju, um santo popular adorado pelo autêntico
pampiano.
Em Caiboaté, distrito de São Gabriel, onde uma cruz
gigantesca lembra o local em que o índio guarani tombou contra espanhóis e
portugueses, no século 18, encontrei o peão Eder Mazoni Silva da Silva, que
tocava a cavalo um rebanho de hereford, com o filho Lucas, quatro anos, montado
na garupa.
A foto era ótima: fim de tarde, cavalo, peão, gado,
criança. Restava apenas um detalhe: Silva seria devoto de Sepé? Após as tradicionais amenidades de um começo de conversa,
fui ao ponto:
— O senhor é devoto de Sepé Tiaraju? — Não — devolveu Silva, meio desconfiado.
— E o senhor conhece alguém seja devoto de Sepé aqui na
região — insisti. — Não! — continuou Silva, num tom mais alto e meio
desconfiado com forasteiro curioso. Já sem esperança, fiz a pergunta que deveria ter feito
desde o começo do diálogo: — O senhor conhece alguém que reze para Sepé aqui na
cruz?
Silva, então, abriu um sorriso e anunciou: — Eu mesmo rezo aqui! Surpreso, ponderei:
— Mas o senhor acabou de dizer que não era devoto de Sepé… Silva respondeu com uma pergunta desconcertante, mostrando que clareza, objetividade e, sobretudo, simplicidade, antes de balizar o texto de um repórter, devem nortear a condução de uma entrevista: — E eu vou saber o que é devoto? (Fonte: Carlos Etchichury - Jornal "Zero Hora", de Porto Alegre)
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