sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Causos: riqueza cultural gaúcha (Final)

O poeta e escritor gabrielense, Fernando Almeida Poeta, nos brinda com um conto (ele garante que a história é verídica), sobre um lobisomem que costumava aparecer em algumas plagas do município de São Gabriel. Que os nossos leitores se deliciem com a história.

Conheci um senhor chamado João Honório, morador de uma localidade denominada Rincão do Claro, no interior do município de São Gabriel. João Honório era um curandeiro que receitava remédio para todo aquele povo, pois ali não havia sistema de saúde, pelo fato de ficar muito distante da cidade. Na pratica funcionava muito bem, talvez mais valesse a fé do que o café. Em terra de cego quem tem um olho é rei.

Numa noite de sexta-feira, lua cheia, João Honório voltava do atendimento de um paciente, chegando à sua casa, ali pela meia-noite. Ao abrir a cancela do potreiro deparou-se com um bicho muito esquisito: orelhudo, pelagem longa e caminhava meio cambaleando, junto de seus dois cachorros.

Seguiram ao lado de seu cavalo, em direção ao rancho. João Honório não era um índio muito assustado, mas, naquela hora, arrepiou o pelo. Por sorte o bicho encarreirou em direção ao arvoredo, e João Honório aproveitou para desencilhar o cavalo no galpão e entrou pra dentro de sua moradia.

Era um lobisomem, uma mística de lobo com homem, mais pra lobo que pra homem. E o cachorro grande se tornara amigo dele, mas um pequeno, seu inimigo. Continuaram embaixo das laranjeiras até a madrugada. João Honório sem saber o que fazer ficava espiando o bicho pelas frestas do rancho. Até enquadrou na mira de sua arma, mas faltou coragem para atirar.

A cachorrada da redondeza fazendo alarido, e uivando como se presentissem que tinha algo estranho por aquelas bandas. Talvez o próprio vento inalasse um tipo de cheiro por aqueles pagos afora. No outro dia o comentário foi grande pela vizinhança. Alguns riam debochando do fato, a maioria fechava as casas cedo e poucos os que se arriscavam a sair à noite.

Mas o bolicho estava sempre cheio de fregueses até altas horas. E o comentário era um só, não se tratava de outro assunto. Pedro Carvoeira não estava gostando muito daquela situação, e até falou se encontrasse o bicho iria pegá-lo pela orelha e levar lá no bolicho para lhe oferecer um trago de canha. Na verdade ele não acreditava em assombração.

Pedro Carvoeira naquela mesma noite estava chegando à sua casa e o lobisomem o esperando, bem na porta do galpão onde dormia. Pedro Carvoeira usava dois 38 na cintura. De vereda deu-lhe dois tiros, mas nem cócegas fez no animal. Pedro conseguiu abrir a porta do galpão, mas o lobisomem entrou primeiro e ficou atrás da cama.

Os olhos eram duas bolas de fogo. Pedro pegou uma taquara comprida para cutucar o bicho, mas não conseguiu acerta-lo. Desistiu e foi dormir no quarto de seus pais.

Esse lobisomem virou atração naquela localidade. Andava pela estrada, visitava as casas de alguns moradores, perturbando à noite. Adão Ligeiro e Caburé estavam indo estrada afora numa noite de luar. Ao cruzarem o Passo das Carretas, Caburé num olhar de relancina percebeu que vinha um cusquinho a trotezito pela estrada. Mas nada de mais, pois era normal transitar guaipeca à noite.

Mas ficou estranho quando o animalzinho, na medida que se aproximava, começava a mudar de tamanho, para maior, cada vez maior, e passou entre os dois. Era um enorme "guaipecão" e se mandou a lacria. “Dizem que mataram aquele lobisomem, mas eu nunca vi o couro."

Escrito a ponta de facão

Já este caso, “As Escrituras Sagradas”, de autor desconhecido, foi encontrado escrito a ponta de facão no balcão de um bolicho, hoje tapera, no “Passo do Elesbão”, Quinto Distrito de Cacequi, no tempo em que este fazia parte do município de São Gabriel:

Pois não sei se já les contei os causo das Escritura Sagrada. Se não les contei, les conto agora. A história essa é meio comprida, mas vale a pena contá por causa dos revertério.                   

De Adão e Eva acho que não é perciso contá os causo, porque todo mundo sabe que os dois foram corrido do Paraíso por tomá banho pelado numa sanga.

Naqueles tempo, esse mundaréu todo era um pasto só, sem dono, onde não tinha nem dele nem meu. O primeiro índio a botá cerca de arame farpado foi um tal de Abel. Mas nem chegou a estendê o primêro fio porque levou um ontaço nos peito do irmão dele, um tal de Caim, que tava meio desconforme com a divisão.                           

O Caim, entonces, ameaçado de processo feio, se bandeou pro Uruguai e deixou o filho dele, um tal de Noé, tomando conta da estância.   

A estância essa ficava nas barranca de uma corredêra e o Noé, uns ano despois, pegou uma enchente muito feia pela frente. Côsa munto séria... Caiu água uma barbaridade! Caiu tanta água que tinha até índio pescando jundiá em cima de cerro.

O Noé entonces botou as criação em cima de uma balsa e se largou nas correnteza, o índio velho. A enchente era tão braba que quando o Noé se deu conta a balsa tava atolada num banhado chamado “Delúvio”. Foi aí que um tal de Moisés varou aquela água toda com 20 junta de boi e tirou a balsa do atolêro.         
                        
Bueno, aí com aquele desporpósito, as família ficaram amiga.
A filha mais velha do Noé se casou-se com o filho mais novo do Moisés e os dois foram morá numa estância muito linda, chamada estância da “Babilônica”.

Bueno, tavam as família ali, tomando mate no galpão, quando se chegou um correntino chamado Golias, com mais uns 30 castelhano do lado dele, abriram a cordeona e quiseram obrigá as prenda a dançá uma milonga.

Foi quando os velho, que eram de muito respeito, se queimaram e deu-se o entrevêro. Peleia braba, seu.

O correntino Golias, na voz de vamos, já se foi e degolou de um talho só o Noé e o velho Moisés. E já tava largando planchaço em cima do mulherio quando um piazito carretêro, de seus 10 ano e pico, chamado Davi, largou um bodocaço no meio da testa do infeliz que não teve nem graça. Foi me acudam e tou morto.

Aí a indiada toda se animou e degolaram os castelhano. Dois que tinham desrespeitado as prenda foram degolado com o lado cego do facão. Foi uma sangüêra danada. Tanto que até hoje aquele capão é chamado de Mar Vermelho.

Mas entonces foi nomeado delegado um tal de major Salomão. Homem de cabelo nas venta, o major Salomão.

Nem les conto! Um dia o índio tava sesteando quando duas velha se bateram em cima dum guri de seus seis ano que tava vendendo pastel.

O major Salomão, muito chegado ao piazito, passou a mão no facão e de um talho só cortou as velha em dois. Esse é o muito falado causo do “Perjuízo de Salomão” que contam por aí.

Mas, por essas estimativas, o major Salomão, o que tinha de brabo tinha de mulherengo. Eta índio bueno, seu. Onde boleava a perna, já deixava filho feito. E como vivia boleando a perna, teve filho que Deus nos livre. E tudo com a cara dele, que era pra não havê discordânça.

Só que quando Deus Nosso Senhor quer, até égua véia nega estribo. Logo a filha das predileção do major Salomão, a tal de Maria Madalena, fugiu da estância e foi sê china de bolicho. Uma vergonhêra pra família!

Mas ela puxou à mãe, que era uma paraguaia meio gaudéria que nunca tomô jeito na vida. O pobre do major Salomão se matou-se de sentimento, com uma pistola “Eclesiaste” de dois cano.

Mas, vejam como é a vida. Pois essa mesma Maria Madalena se casou-se três anos despois com um tal de coronel Ponciano Pilatos. Foi ele que tirou ela da vida. Eu conheço uns três causo do mesmo feitio e nem um deles deu certo.    
            
Como dizia muito bem o finado meu pai, mulher quando toma mate em muita bomba, nunca mais se acostuma com uma só.

Mas nesses contraproducente, até que houve uma contrapartida.
O coronel Ponciano Pilatos e a Maria Madalena tiveram 12 filho, os tal de “aposto”, que são muito conhecido pelas caridade que fizeram. Foi até na casa deles que Jesus Cristo churrasqueou com a cunhada de Maria Madalena, que despois foi santa muito afamada. A tal de “Santa Ceia”.

Pois era uns tempo muito mal definido. Andava uma seca braba pelos campo. São José e a Virge Maria tinham perdido todo o gado e só tavam com uma mula branca no potrêro, chamada “Samaritana”. Um rico animal, criado em casa, que só faltava falá. Pois tiveram que se desfazê do pobre.

E como as desgraça quando vem, já vem de braço dado, foi bem aí que estouraram as revolução. Os maragato, chefiado por um tal de coronel “Jordão”, acamparam na entrada da Vila. Só não entraram porque tava lá um destacamento comandado pelo tenente “Lázo”, aquele mesmo que por duas vez foi dado por morto.

Mas aí um cabo dos provisório, um tal de cabo “Judas”, se passou-se pros maragato e já se veio uns tal de “Romano”, que tavam numas várzea, e ocuparam a Vila.

“Nosso Senhor” foi preso pra ser degolado por um preto muito forte e muito feio chamado “Calvário.” Pois vejam como é a vida. Esse mesmo preto “Calvário”, degolador muito mal afamado, era filho da velha “Palestina”, que tinha sido cozinhêra da “Virge Maria”.

Degolador é como cobra, desde pequeno já nasce ingrato. Mas entonces botaram “Nosso Senhor” na cadeia, junto com dois abigeatário, um tal de “João Batista” e o primo dele, “Heródio dos Reis”. Os dois tinham peleado por causo de uma baiana chamada “Salomé” e no entrevero balearam dois padre, monsenhor “Caifás” e o cônego “Atanásio”.

Mas aí veio uma força da Brigada, comandada pelo coronel “Jesus Além”, que era meio parente do homem por parte de mãe e com ele veio mais três corpo de provisório e se pegaram com os maragato. Foi a peleia mais feia que se tem conhecimento. Foi 40 dia e 40 noite de bala e bala.

Morreu três santo na luta: “São Lucas”, “São João” e “São Marco”. “São Mateus” ficou três mês morre não morre, mas teve umas atenuante a favor e salvou-se, o índio...

“Nosso Senhor” pegou três balaço, um em cada mão e um que varou os pé de lado a lado.

Ainda levou mais um pontaço do mais velho dos “Romano”, o “César Romano”, na altura das costela. Ferimento muito feio que “Nosso Senhor” curou tomando vinagre na sexta-feira da paxão...

Mas aí, “Nosso Senhor” se desiludiu-se dos home, subiu na Cruz, disse adeus pros amigo e se mandou-se de volta pro Céu.

Mas deixou os 10 mandamento, que são cinco e que se pode muito bem acolher em dois: 1º - Não se mata home pelas costa, 2º - Nem se cobiça mulher dos ôtro pela frente.

As aventuras de Hugo Borges Leite

Umas histórias que foram contadas pelo Ernande Vargas, do Caiboaté, ao amigo Napoleão Langendorf Leite, funcionário da Corsan, hoje trabalhando em Rosário do Sul.

Lá no interior de São Gabriel, tinha o seu Dário dono de uma casa comercial que vendia de tudo, mas não fiava de jeito nenhum.

Um certo dia chegou lá o senhor Hugo Borges Leite e disse ao seu Dário, que estava com uma certa dificuldade e queria cinco pila emprestado. O seu Dário tirou o dinheiro da gaveta e disse: "Não tem problema te empresto o dinheiro".

Ele pegou o dinheiro na mão e disse, "agora me bota um trago". O seu Dário deu uma retrucada, e ele disse: "não estou lhe pedindo fiado, pedi foi o dinheiro emprestado". Hugo Borges Leite, nasceu em 01-04-1923 e faleceu em 05-11-1982.

Como o pessoal gostou bastante da primeira historinha, o amigo Napoleão Langendof Leite mandou mais uma aventura de seu pai.

Salgando a carne

A exemplo da outra, esse fato é real e aconteceu quando o seu Hugo Borges Leite era jovem e solteiro. Ele estava num baile lá pelas bandas de Vista Alegre, daqueles de antigamente onde sempre tinha churrasco gordo. De repente deu um tremendo entrevero com ele, na sala da casa.

Uma turma mal encarada resolveu mandá-lo embora. Era empurrão pra cá e empurrão pra lá. Nesse vai e vem ele foi parar perto de onde o churrasco estava sendo assado. O assador era o avô do Napoleão, o seu Ataliba da Costa Leite, ou seja, o pai do seu Hugo. Como eram muitos os desafetos, e seria suicídio enfrentar toda aquela gente, o seu Hugo resolveu ir embora.

Mas antes chegou junto de seu pai e disse no ouvido: "Vou dar uma salgada nessa carne". Mijou em cima de todo a churrasco e se mandou a cavalo para casa. Como não havia outra solução o meu avô deu mais uma passada no fogo para não deixar cheiro e mandou para o povo se alimentar. Pelo que se sabe, ninguém reclamou. Pelo contrário, teve gente que repetiu e engraxou os bigodes. E não sobrou nada do churrasco.

Levando fora

Mais uma historinha do seu Hugo. Quando jovem ele gostava muito daqueles bailes de campanha, temperados com churrasco. E o assador era sempre o pai dele.

Certa ocasião aconteceu um baile em Vista Alegre. E lá estava presente uma prima do seu Hugo, muito bonita, mas eles não se "bicavam" de jeito nenhum. Como o que ele mais gostava era de confusão, logo a convidou para dançar. Lógico que ela não aceitou, e já veio a gozação dos amigos:

“Levou um carão Hugo”. E ele bem tranquilo disse que foi apenas a "potranca zaina que negou o estribo". Deixou terminar a “marca”, dançou a próxima com outra moça e voltou a convidar a prima para dançar. Novamente ela não aceitou.

Aí ele foi nos amigos e disse que a "potranca zaina" negara o estribo novamente. Em seguida foi lá nos fundos e comeu uns pedaços de churrasco e engraxou bem as mãos com graxa e carvão juntos.

E outra vez convidou a prima para dançar. Novamente ela não aceitou. Hugo voltou na frente dos amigos e repetiu: “Negou o estribo mais uma vez, mas garanto para vocês que eu monto”.

Voltou no churrasco, comeu um mais um pedaço e voltou a sujar as mãos o mais que pode. Retornando ao salão, convidou ela mais uma vez para dançar. Já cheia com a insistência do primo, e também para se livrar dele, imaginou que se dançasse uma vez seria o suficiente para se ver livre.

E dançou só uma mesmo, pois foi a última música da noite. Seu Hugo limpou bem as mãos engraxadas e encarvoadas no vestido branco e lindo da prima. Ela foi para o quarto e não apareceu mais na sala.

Desmanchando comicio

Seu Hugo quando jovem fazia parte do Partido Libertador (PL). Certa ocasião havia um comício lá no seu Benedetti, do engarrafamento, no Passo da Lagoa. Ele era do antigo PTB. Como seu Hugo já tinha tomado umas que outras, mesmo sendo amigo dos Benedetti, resolveu desmanchar o comício.

Tinha um monte de gente gritando “viva o PTB”, “já ganhou”, “já ganhou”. Seu Hugo, que sempre lidou bem com cavalos, resolveu entrar comício a dentro, jogando sua montaria contra o povo e gritando “Viva o Partido Libertador”, mostrando seu lenço vermelho no pescoço.

Não deu outra, confusão formada, gente correndo para todos os lados, até que os donos da festa cívica botaram o seu Hugo rua afora. E o comício pode recomeçar na boa, com inflamados discursos contra a presença do intrépido “Libertador”.

Carta de recomendação

Agora, sim, para encerrar. De vez em quando seu Hugo dava algumas agitadas, por isso chegou ao ponto de ser preso pela autoridade da Campanha, por 14 vezes num ano só. A autoridade era, nada mais, nada menos, que o seu Euclides Bica.

Seu Hugo andava meio complicado e necessitava mudar de querência por uns tempos. Mas para isso precisava de uma carta de recomendação. Encontrou o seu Euclides que ia lá para as bandas do "Pau Fincado" e pediu para ele a tal carta.

A resposta foi bem seca: "Hugo, só posso te dar carta de má conduta". Depois de ouvir isso, ele nem retrucou, ia para o lado contrário, ou seja para o lado da casa do seu Euclides. Saiu a "trotezito" no más. Ao chegar na casa  do seu Euclides, disse para a filha dele:

"Rola" o teu pai disse para ti preencher para mim, uma carta daquelas de bons antecedentes que tem aí assinada, que eu te pago dois pilas. Ela de imediato, disse: "Está bem Hugo, vou fazer para ti". Dentro de minutos estava pronta, e Hugo pagou e foi embora.

Daí mais ou menos uma semana, quando o seu Euclides voltou, ele já tinha pego o trem e se mandado para os lados da Argentina. (Pesquisa: Nilo Dias - Matéria publicada no jornal "O Fato", de São Gabriel-RS)

Fernando Almeida Poeta, sendo entrevistado por Evaristo de Oliveira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário