domingo, 11 de junho de 2017

Fronteira Agreste, um livro polêmico

Certa vez eu estava na Mercearia do Djalma Munhós, no alto da Sociedade XV de Novembro. E como sempre, encontrei por lá o saudoso amigo Ênio Lucca, pai dos também amigos Flávio, Zé e Pico. Ele sabia um pouco de tudo, era um intelectual. Se provocado, dissertava sobre qualquer tema, de futebol a política, passando por história e geografia.

Muitos foram os bons papos batidos lá na mercearia, também com a presença do tenente reformado do Exército, Alci Dutra e eventualmente do ex-vereador Roque Oscar Hermes. Pena que se tratava de gremistas.

Certa vez seu Ênio me falou que tinha em casa o livro “Fronteira Agreste”, que retratava situações vivenciadas no meio rural de São Gabriel envolvendo uma conhecida família. Apesar de ele ter me oferecido por empréstimo, o tempo acabou passando e não vi e nem li o livro.

Passado muitos anos, e já morando em Brasília, encontrei “Fronteira Agreste” na Internet e acabei comprando, como tenho feito com outras obras que me chamaram a atenção.

Casos de “São Gabriel na história”, de Aristóteles Vaz de Carvalho e Silva; “Aspectos Gerais de São Gabriel”, de Fortunato Pimentel; “A Batalha de Caiboaté”, de Ptolomeu Assis Brasil e a obra de Carlos Reverbel, que estou adquirindo aos poucos.

Já tenho: “O Gaúcho”, “Diário de Cecília Assis Brasil”, “Um capitão da Guarda Nacional” e “Pedras Altas”. Mas pretendo comprar todos os livros do autor, se for possível. Até em homenagem ao meu amigo doutor João Alfredo Reverbel Bento Pereira, primo do grande escritor.

E para conhecer melhor a obra de Ivan Pedro de Martins, também adquiri “Caminhos do Sul” e “Casas Acolheradas”, que são a continuidade de “Fronteira Agreste”, que entendo ser um livro que fala de paisagens, cenas e tipos de uma estância gaúcha da fronteira.

Tradicionalmente ligado ao chamado “Romance de 30” pelos seus estudiosos, contudo, Ivan Pedro não seguiu uma das principais lições daquele grupo de escritores: não trabalhou ele com heróis individuais ou mesmo anti-heróis, se considerarmos o Fabiano, de “Vidas Secas”, dentre outros.

Preferiu conjuntos humanos e sociais que traduzissem, exatamente pelo aspecto coletivizado, as modificações sociais em emergência.

Assim sendo, “Fronteira Agreste” analisa o espaço da estância, enquanto “Caminhos do Sul” busca o espaço do corredor. E, enfim, “Casas Acorelhadas”, fala da cidade e de seus variados espaços representativos, o boliche popular, o bar das elites, o clube social, etc.

Fronteira agreste, publicado em 1944, não deixa de prestar tributo à tradição de lutas da campanha, mas traz bem visíveis sinais de outro momento histórico, pois Ivan Pedro de Martins evoca neste romance os maiores conflitos entre facções rivais ocorridos em solo sul-riograndense:

A Revolução Federalista de 1893 e a revolução de 1923 que já refletia desdobramentos dos primeiros anos da República. No entrecruzar das vozes daqueles que relatam o que lhes ficara na memória, registram-se as gestas desse período histórico.

Sabemos pelo narrador que “as coxilhas estão cheias de histórias e de sangue. Ali perto, fica o Caverá, a serra, com os grotões, onde se metia Honório Lemes quando ia mal”.

OPINIÕES SOBRE IVAN PEDRO

O escritor Lauro Dieckmann, em seu blog “Memória do Escrevinhador”, escreveu o seguinte sobre Ivan Pedro de Martins:

“Na verdade ele era mineiro. Andou pela Campanha no fim da primeira metade do século passado. A exemplo de outro mineiro, Guilhermino César, encantou-se com o que viu”.

O autor e dramaturgo, Guilherme Figueiredo, que era irmão do ex-presidente general João Baptista Figueiredo disse que Ivan Pedro de Martins, com a esplendida obra ”Fronteira Agreste”, colocou pela primeira vez na ficção do campo sulino esta coisa terrível e verdadeira: a vida que é preciso corrigir, a realidade que se deve socorrer.

Olívio Dutra, respeitado político gaúcho escreveu: “Dentre as leituras que me causaram impacto pela reflexão que provocou junto com a fruição prazerosa de seu universo ficcional, lembro-me de uma, muito singular, porque trata do mundo e da cultura gaúcha. E foi um livro escrito por um mineiro. Trata-se de Fronteira agreste, de Ivan Pedro de Martins.

De repente, os personagens de Fronteira agreste eram parentes próximos do povo do qual eu fazia parte ali na periferia de São Luiz Gonzaga. Gente que, como meus pais, agregados num fundo-de-campo, aos poucos foram vindo para a cidade em busca de um ganho que não mais encontravam como peões nas fazendas. Seus relatos e causos passaram a ter um outro significado para mim.”

O trecho que segue é transcrito do livro “Caminhos do Sul”, edição da Livraria do Globo (1946), quando ainda era da família Bertaso, e descreve um temporal em pleno campo, coisa muito comum por estes pagos.

“O ar estava pesado. Tio Virgílio pensava que o melhor era por a carga no boliche e esperar que a tempestade passasse. A tormenta se aproximava. O sol era um tição vermelho no borralho das nuvens cinzentas.

Esfiapadas, as nuvens brancas saíam como lã de novelo das bandas do Sul e formavam uma cola de pomba no céu esbranquiçado. Os cachorros andavam de língua pendurada, sentados debaixo dos cinamomos, pois não aguentavam ficar deitados.

“Vai ser gorda”. Disse tio Virgílio. Os outros concordaram.

O dia morria sufocado de eletricidade e o céu parecia inverter a abóbada em nuvens cada vez mais negras e mais próximas da terra, espremendo o ar úmido que oprimia os homens. Já era quase noite quando o ar parou completamente, como se esvaziasse o mundo de ruídos e um vácuo tenebroso ocupasse tudo, apertando os ouvidos e fazendo latejar as fontes.

Os homens se olharam e Laudelino riu. O barulho da risada repercutiu pelas coxilhas silenciosas e um trovão profundo a terminou, acompanhando o chispaço que cruzou de uma nuvem a outra sobre o boliche.

“Aí vem ela”.

E se desencadeou uma sarabanda de raios e trovões, cortando o ar em todas as direções, unindo o céu e a terra em ziguezagues ofuscantes que carbonizavam árvores ou estatelavam vacas e ovelhas.

A chuva começou com um granizo grosso como ovo de quero-quero, branqueando o campo com as pedras brilhantes, que saltavam ao golpear o chão, depois se despencou em cataratas, imensos cordões de água, unidos e parelhos a ponto de mais semelhar o derramar gigante do mar que o esfiapar de nuvens prenhes de umidade.

Em poucos minutos estava o corredor transformado em regato barulhento e o pátio do boliche em lagoa que escorria pelos valos naturais em direção do “espantoso”. A noite que chegava se apressou em ficar negra e no escuro soava aquele chuá sem fim sobre as santa-fés do rancho do Laudelino.

Os trastes estavam dentro do galpão, os bois no potreiro e a carreta não era a primeira tormenta que aguentava. Ele estava sequinho no boliche”.

O CAMPEIRO TIO REMIGIO

A exemplo de Blau Nunes, de João Simões Lopes Neto, também Ivan Pedro encontra e centraliza sua atenção em um antigo campeiro, “Tio Remígio”.

Em “Casas Acolheradas”, “Tio Remígio” é o narrador e o modelo referencial tomado pelo escritor para desenvolver sua obra. “Tio Remígio”, ao contrário de Blau Nunes que é congelado na obra de Simões Lopes, tem retratada sua vida na velhice em “Fronteira Agreste”, embora sob certa sobrevivência tranquila, a sombra da estância.

Depois é que foi examinado em processos anteriores ou paralelos de afastamento do centro das atenções, dando lugar a novos tipos e personagens, como ocorre em “Caminhos do Sul”, situado temporalmente antes da narrativa de “Fronteira Agreste”.

A juventude de “Remígio”, levando-o a compartilhar dos corredores com outros personagens, até o conhecimento dos desdobramentos da decadência vivida pela gauchada em “Casas Acolheradas”.

Observe-se que a “Tio Remígio”, como principal personagem referencial de “Fronteira Agreste”, se sucedem ou somam Maneco, peão exemplar, Geraldo, um negro capão, seu Guedes, peão marginalizado que anuncia a consciência em formação da rebeldia do gaúcho a pé e Miguelina, desejada pelos irmãos, filhos do dono da estância.

Além de Valderedo, este sim, retrato do antigo gaúcho épico, mas que, por isso mesmo, acaba eliminado violentamente, à traição pelo ronda Armando, justamente após aceitar sua proletarização através do emprego em uma estância.

O episódio se completa no capítulo seguinte, quando “Remígio” cede o principal lugar às figuras múltiplas de Chico Fonseca, que lhe arrebata a mulata “Candoca”, ao carreteiro João Cardoso, ao platino Manuel Garcia, outra figura rebelde assassinada a mando do dono da estância e ao negro “Rosica”, ladrão de gado que se acostumou a tal prática para sobreviver.

E de tal forma, que, mesmo quando encontra abrigo e garantia de alimentação, não deixa de roubar, porque, como afirmava: “roubado é mió”.

O painel continua com a figura do velho Ambrósio, contrabandista heroico, ao mesmo tempo em que novos tipos já se anunciam, à maneira de “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo, nas figuras do italiano Giuseppe, ou dos mascates Salim e Jamil. Mais do que tipos exóticos, anunciadores de novas etnias e novas ocupações a se fazerem presentes no chão do Rio Grande.

Enfim, em “Casas Acolheradas”, onde “Tio Remígio” ressurge esporadicamente, aqui e ali, e onde nas observações das figuras que desenvolvem as ações principais, ganham espaço as personagens negativas de Pedro Vinhas, Vaz, coronel Pontes, Olguinha, Mariazinha, etc.

Aparecem os ativistas sindicais urbanos, como José, Américo, Raimundo e até mesmo um estancieiro moderno, como é o caso do Pituca Gomes, capaz de entender a importância da industrialização, enfrentando, assim, a partir da terra natal, os avanços das multinacionais simbolizados pelos frigoríficos. Ou as ideologias retrógradas, como o nazi-fascismo e o caipira integralismo.

Sei que Ivan Pedro foi um escritor polêmico, que adquiriu uma legião de inimigos. Não vou fazer nenhum tipo de comentário favorável a respeito do que ele escreveu, nem contra. Até porque acho que um livro sempre retrata o pensamento do autor.

ESTÂNCIA COM NOME FICTÍCIO

Em “Fronteira Agreste” todos os personagens tinham nomes supostos. O doutor Camilo Mércio era o Coronel Tavares. Murilo, filho do doutor Camilo era Tonico no livro. E a “Estância Santa Cecília”, era “Estância Santa Eulália”.

A “Estância Santa Cecília” é uma das mais antigas do nosso município, à margem do rio Santa Maria, junto ao Passo de São Borja, no distrito de Batovi, hoje pertencente a Família Veríssimo.

O nome foi uma homenagem a Cecília Menna Barreto, filha de João Propicio Menna Barreto, Barão de São Gabriel. Pertenceu ao doutor Camilo Mércio, médico humanitário e chefe revolucionário nos anos 1930.

Mais tarde foi vendida ao senhor Clarindo Verissimo da Fonseca. Hoje, metade da estância pertence a Carlos Alberto Verissimo da Fonseca. A outra metade, denominada “Santa Adriana”, pertence a Hebe, casada com Milton Viera da Costa.

A antiga sede da estância foi desativada, tendo sido construída outra próxima do local. As duas propriedades dedicam-se à pecuária e a agricultura, utilizando moderna tecnologia.

Sei também que em “Fronteira Agreste” Ivan Pedro abordou temas enigmáticos, que até hoje são comentados pelos mais antigos.

É inegável que ele, mesmo não sendo natural do Rio Grande do Sul, tinha um conhecimento enorme de nossas coisas. Vejam só a profundidade e beleza deste trecho do livro:

Santa Eulália dorme. O gado espalhado pelo campo não faz ruído. À meia-noite, dizem os gaúchos, as reses se levantam, mugem, deitam do outro lado e dormem esperando a manhã. Já os cavalos são diferentes; os garanhões pastoreiam suas manadas e, no retouço noturno, trocam coices, mordidas e relinchos surdos, ou gemidos, devido aos golpes.

As éguas não se entregam de primeira mão. As ovelhas são silenciosas e o rebanho se move no campo como uma espessa nuvem branca, arrastando-se no chão; só se ouvem balidos, se um estranho aparece.

A noite nas coxilhas e banhados é dum silêncio profundo, e o alerta estridente dos quero-queros ou o sinal de alarme, grave, dos ta-hans, se perde no vazio da noite como o barulho de pedra caindo num poço: sem ressonâncias.

Só o minuano assobia raivoso, levantando a geada que cai e levando-a pelos ares como uma bofetada de gelo que racha os beiços, dói nos olhos e amarela os brotos novos das plantas. Se não fosse o vento, os campos iriam amanhecer cobertos de uma geada de renguear cusco e o frio agora penetra por todos os lados como um castigo.

QUESTÕES SOCIAIS

“Fronteira Agreste” mexe com questões sociais envolvendo os peões campeiros, que tinham salário fixo, normalmente vivendo nos galpões das estâncias, mantendo certa independência frente ao patrão.

Os mesmos tinham mobilidade e facilmente mudavam de emprego, por divergências, querendo acompanhar a tropeada, “embora submetidos ao comando dos estancieiros que os recrutavam para as batalhas em conflitos civis ou guerras externas”.

A morada desses peões em galpões é retratada por Ivan Pedro Martins, quando coloca que o galpão do fogo não é tão silencioso. Ali dormem os peões, aproveitando o calor da roda. É um rancho de torrão com paredes de uns dois metros de altura, coberto de santa-fé em quincha de escada.

“O vento entra por todos os lados fazendo tinir os arames e latas encontrados no caminho. Aquilo é a casa dos peões, se se pode chamar de casa um rancho sem portas onde moram o fogo, a fumaça, o vento e a poeira.

No canto escuro, onde não há brechas, está no chão o aro de ferro de uma velha roda de carreta – é a roda do fogo; dentro dela uma fogueirinha de tocos pequenos é o fogo, e, pendurada em um arame retorcido que pende de um caibro, fica a chaleira de mate.

Não há mais fogo nem se vê a chaleira. No meio do galpão fica um poste que serve de escora à cumeeira e ao caibro onde se penduram a lata d’água e os arreios. Encostadas à parede fechada, atrás da roda do fogo, ficam as camas da peonada. São de dois tipos; ou quatros estacas de forquilha, sustentando tábuas de esquilar, ou os arreios no chão mesmo. A arrumação, em cima das tábuas ou no chão, é a mesma.

QUEM ERA IVAN PEDRO

Ivan Pedro de Martins foi presidente nacional da juventude da Aliança Nacional Libertadora, em 1935. Após a Insurreição Comunista de novembro, tornou-se clandestino, sendo abrigado em uma fazenda de um amigo de seu pai, no interior do Rio Grande do Sul, que mais tarde se tornou seu sogro.

Dali surgiu a inspiração de seu romance, apresentando a estrutura socialmente injusta de uma fazenda de pecuária extensiva na região Oeste do Rio Grande do Sul.

O livro acabou sendo julgado ofensivo à moral e aos bons costumes da época, pelo diretor do Departamento Estadual de Imprensa, o artista-plástico Ângelo Guido, que expediu ordens para que as edições de “Fronteira Agreste” fossem apreendidas e proibida sua venda.

Em meio à discussão travada nos jornais entre os partidários e os contrários à censura, a intelectual Lila Ripoll, poeta de Quarai, se posicionou contra a apreensão da obra do escritor e militante comunista Ivan Pedro de Martins, que no entender dela não passava de um romance social sobre a vida na campanha gaúcha.

Além de “Fronteira Agreste”, “Caminhos do Sul” e “Casas Acolheradas”, Ivan Pedro ainda escreveu “Do campo e da cidade”, “A flecha e o alvo – A Intentona de 1935”, “Um amor depois do outro”, “Trilogia da campanha – O Rio Grande do Sul invisível”, “O amanhã e hoje”, “Introdução a economia brasileira”, “Bahia” e “Interno “.

MISTÉRIOS DE UM CASAMENTO

O casamento de Ivan Pedro com a filha do doutor Camilo Mércio não se sabe como começou e muito menos como acabou. Depois que saiu do Sul, Ivan Pedro foi casado com a jornalista paulista e escritora Elsie Lessa, falecida aos 86 anos em 17 de maio de 2000, em “Cascaes”, uma vila litorânea de Portugal. Ela era neta do escritor e gramático Júlio Ribeiro, membro da Academia Brasileira de Letras.

Elsie Lessa escreveu e publicou, sem interrupção, no jornal “O Globo”, de 1952 a 2000. Nenhum outro escritor teve um espaço por tanto tempo nas páginas do jornal.

Na juventude, embora natural de São Paulo, foi considerada uma das duas mais belas mulheres do Rio de Janeiro. A outra era Adalgisa Nery.

Se não observarmos outras questões, realmente “Fronteira Agreste” poderia ser visto assim, como um livro retratando o dia-a-dia de uma propriedade rural no Sul.

Poucos escritores, talvez só Alcides Maia, Simões Lopes, Érico Verissimo, Carlos Reverbel, Pedro Wayne, Aureliano de Figueiredo Pinto e Barbosa Lessa, puderam descrever tão bem o que era na verdade o Rio Grande do Sul rural. Sem enveredar, é claro, por possíveis distorções do autor as pessoas retratadas em sua obra.

Li o livro com atenção e sei que ele envolve pessoas de famílias que ainda hoje residem em São Gabriel. Por razões óbvias não cito nomes. Fora isso existem trechos lindos como este:

Na estância toda só se ouve o assobio do Minuano, que chia entre as folhas dos eucaliptos, torcendo-lhes os galhos, quebrando ramos secos e seguindo sua rota triste, contando, por onde passa, as histórias tenebrosas das geleiras dos Andes e as correrias pelos pampas do Sul.

A lua rola no alto engolindo as estrelas, parece que vai tapando os buracos na cuia velha do céu. Algum ta-han desperto por barulho desconhecido largou seu chamado sério de atenção e os quero-queros bochincheiros desandaram no berreiro nervoso de seus gritos.

Depois tudo volta à calma, até a cavalhada parece adormecida, e fica cantando no silêncio da noite o assobio raivoso do Minuano que leva a bofetada de gelo da geada por cima das árvores e dos homens. É o modo de respirar dessas noites nas coxilhas.

E segue. Santa Eulália é grande, tem galpão de material com a garagem para o auto, a aranha e a carroça, varanda de esquila, quarto de guardar milho e aveia, quarto de hóspedes e os quartos onde dormem o chofer, o negro velho “Tio Remígio” e “Manequinho”, o cozinheiro.

“Seu Duca”, sota da estância, dorme com Geraldo, o peão caseiro, no quarto que dá para a varanda da esquila e onde se guarda a carroça. Entre os dois galpões fica o aramado que cerca as casas e a borboleta de passagem.

Entre a casa grande e os galpões, deixando um pátio grande no meio, é a casa do capataz, que consta de um quarto assoalhado e uma sala de terra batida; do outro lado estão a despensa e a cozinha da peonada. Atrás, o forno do pão e o galinheiro, mais adiante, os chiqueiros vazios.

A OPINIÃO DO HISTORIADOR

Mais uma vez me vali do amigo e historiador Osório Santana Figueiredo, que tem uma visão sólida a respeito do livro “Fronteira Agreste” e de seu autor, Ivan Pedro de Martins.

Ele confirma que Ivan já morreu. Conta que se tratava de um intelectual comunista. Perseguido pela policia refugiou-se na estância Santa Cecília, do seu sogro, doutor Camilo Mércio, em Batovi. Embora a estância ficasse nos mesmos pagos do historiador, ele não o conheceu pessoalmente.

Na concepção de Osório o livro “Fronteira Agreste” é uma obra de injustiça. Os seus personagens pobres, muitos que ajudaram Ivan a se esconder nos matos, foram covardemente aleivados e arrasados por ele. Ainda existe na cidade gente descendente desses injustiçados.

Em consequência teve de fugir para Porto Alegre e depois para a França, porque havia muitas pessoas dispostas a matá-lo por ser difamador das criaturas humildes. Osório conviveu com esse povo, e quando leu o livro ficou com pena dessas pessoas e muita raiva do escritor.

Não podia compreender como que uma criatura poderia ter sido tão má. Desde essa ocasião, por ver tamanha injustiça, o nosso historiador pegou uma aversão pelo comunismo. O sogro e os cunhados de Ivan Pedro aparecem no livro com nomes supostos e as criaturas pobres que ali viviam, eram identificadas por seus próprios nomes.

Sabe-se que um dos protetores de Ivan, na época, foi o saudoso amigo, militar reformado e vereador, Lázaro Xarão, que sofreu na carne a ingratidão.

Ivan publicou uma notícia falsa envolvendo o pai de seu Lázaro, que não vale a pena repetir. Em consequência, o Lázaro buscou retratação, mas o escritor já havia fugido para longe de São Gabriel. (Pesquisa: Nilo Dias. Matéria publicada no jornal “O Fato”, de São Gabriel-RS, edição de 9 de Junho de 2017)

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