quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Honório Lemes da Silva: o “Leão do Caverá”

Muitos homens escreveram com letras de ouro suas histórias vividas em terras do Rio Grande do Sul, mas nenhum deles se igualou ao caudilho maragato, Honório Lemes, com justiça chamado de “Tropeiro da Liberdade” e “Leão do Caverá”.

O povo rio-grandense tem justificado orgulho de sua terra. Por isso seus vultos e episódios heroicos são sempre lembrados. Existe algo dentro de nós que exige a preservação da memória. Eu mesmo, de repente passei a me interessar pelo tema. Antes, minhas pesquisas eram só voltadas ao futebol.

Acho que a convivência amiga com o notável historiador Osório Santana Figueiredo, que recentemente nos deixou mudando-se para o outro plano astral, foi decisiva para isso. E tive a sorte de ser convidado pela amiga Ana Rita Focaccia, para escrever no seu conceituado jornal “O Fato”.

Confesso que no inicio eu tinha alguma dificuldade em escolher os temas e contar coisas que o leitor pudesse se interessar. E com o passar do tempo tomei gosto pela história. E tenho conseguido escrever sobre a gente da terra, os vivos e os que já nos deixaram. E episódios históricos passados em nosso solo sagrado.

Hoje dedico este espaço a um herói que nunca será esquecido. Honório Lemes não era filho desta região do Estado. Nasceu em Cachoeira do Sul, no dia 23 de setembro de 1864 e faleceu a 30 de setembro de 1930, três dias antes da eclosão da Revolução de 30, aos 65 anos e sepultado em Rosário do Sul. Em seu túmulo está escrito o seguinte: “Aqui jaz o tropeiro Leão do Caverá".

De origem humilde, teve pouca instrução. Seus pais eram modestos agricultores, plantadores de arroz e criadores em pequeníssima escala.

Mas nem por não ser filho de São Gabriel, que iríamos deixar de falar sobre ele e sua epopeia.  Pena que eu hoje more tão longe de São Gabriel, embora a saudade da terra seja imensa e às vezes parece querer sufocar o coração.

Como seria bom nestes tempos de inverno, com o friozinho do Minuano a soprar sobre nós, poder estar reunido com amigos que eu prezo como o “Secco” Assis Brasil, João Alfredo Bento Pereira, João Manoel Macedo, Flavinho Socca, Caio Rangel e tantos outros, em volta de um fogo de chão, saboreando um chimarrão, um churrasco gordo, uma “canha” da boa e uma contação de histórias de nossos heróis.

Até porque agindo assim, se ressuscita fatos que o tempo e a tradição não nos deixam esquecer. Com certeza isso tem nome, é amor à terra.

A REGIÃO DO CAVERÁ

Mas voltando ao “Leão do Caverá”, foi depois que ele veio morar em Rosário do Sul, município próximo a São Gabriel, que se tornou conhecido. O “Caverá” é uma região guardada por cerros e que se estende de Rosário do Sul a Alegrete.

Na Revolução de 1893, entre “Maragatos” e “Chimangos”, o “Caverá” teve grande importância histórica. Honório Lemes tinha apenas 29 anos de idade quando ingressou na Revolução e 31 quando a luta chegou ao fim.

Tropeiro e proprietário de pequena estância vivia muito bem com o fruto de seu trabalho modesto e honrado. Mas antes de tudo era um patriota, liberal convicto e admirador de Gaspar da Silveira Martins. Por isso abandonou tudo e entrou como simples soldado, nas fileiras revolucionárias.

Gaspar Silveira Martins nasceu no Departamento de Cerro Largo, no Uruguai, segundo seu registro de batismo em 1835. Era filho de pais brasileiros com propriedades tanto no Uruguai quanto no Brasil, garantindo-o assim, uma “dupla cidadania”.

Herdou de sua mãe, Maria Joaquina das Dores Martins, conforme registro na tradição espanhola, seu último sobrenome “Martins”. Seu pai chamava-se Carlos Silveira.  

Em 1856, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo e em novembro do mesmo ano, no Rio de Janeiro casou-se com a carioca dona Adelaide Augusta de Freitas Coutinho. Faleceu em 1901, em Montevidéu, Uruguai.

Gaspar Silveira Martins em sua trajetória política ocupou os cargos de Juiz Municipal no Rio de Janeiro, Deputado Provincial, Deputado Geral, Ministro da Fazenda, Senador do Império, Presidente da Província do Rio Grande do Sul e foi nomeado Conselheiro
de Estado Extraordinário pelo Imperador.

Também teve destacada atuação como Presidente do Partido Liberal, foi um dos fundadores do Partido Federalista e um dos líderes da Revolução Federalista (1893-1895). Também recebeu o título de Grãomestre da Maçonaria em 1883.

Com a Proclamação da República, em 1889, ficou exilado com sua família na Europa. E, no período final da Revolução Federalista, em
1895, se exilou na Argentina.

PROMOVIDO A CORONEL

Terminado o movimento armado, em 1895, Honório Lemes da Silva chegou ao posto de coronel, honraria recebida graças ao profundo conhecimento da terra, inteligência estratégica e destemor guerreiro.

Embora se tratasse de uma pessoa simples, humano, jamais concordou com as degolas e outros horrores ocorridos naquela revolução, a mais sangrenta e desumana da história.

Quase analfabeto, escrevia muito mal, apesar de ter letra bastante boa. Era, contudo, um pensador, amigo da boa leitura, inclusive de poesias, sabendo de cor o poemeto campestre de Amaro Juvenal "Antônio Chimango", que costumava recitar entre os amigos.

Com a volta da paz foi morar em Vacaiquá, município de Rosário do Sul, dedicando-se às lides campeiras. Acostumado a tropear, conhecia o Rio Grande do Sul como a palma da sua mão.

Casou pela primeira vez e desse matrimônio nasceram os filhos Adalgiza, Gaspar, Ambrosina, Joaquim, Aquino e Nolo, que sempre estiveram ao seu lado, o acompanhando nos movimentos revolucionários que tomou parte.

Casou pela segunda vez, com Adalgiza da Silveira Goulart, cerca de 25 anos mais moça que ele. Dessa união nasceram duas filhas: Donatila, falecida menor a 23 de junho de 1926, e Sueli.

Esse casamento deveu-se às antigas tradições de amizade entre Honório Lemes e o pai de dona Adalgiza, o estancieiro Fulgêncio da Silveira Goulart, cujos filhos brincavam juntos.

Guerreiro por natureza, Honório Lemes também se fez presente na Revolução de 1923, que começou em 25 de janeiro. Mas ele só entrou na luta em 14 de fevereiro, comandando um batalhão de 300 homens, fortemente armados à sua custa, estabelecendo seu Quartel General no “Caverá”.

A guerra civil de 1923 no Rio Grande do Sul se deflagrou após as eleições para presidente estadual no ano de 1922.

Para o pleito eleitoral ocorreu um movimento de coalizão e rearticulação entre os diversos setores oposicionistas gaúchos (membros do Partido Federalista, seguidores de Assis Brasil e Fernando Abbot e alguns dissidentes recentes do próprio PRR, como os Menna Barreto e Pinheiro Machado).

A frente única formada pelos oposicionistas designou Joaquim Francisco de Assis Brasil como candidato para concorrer contra Borges de Medeiros, principal liderança do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e presidente do Estado que buscava sua reeleição.

As eleições ocorreram de forma tumultuada, tendo sido Borges de Medeiros decretado vencedor em meio a uma série de acusações de fraudes, violências e irregularidades.

Defendendo a ideia de suposta fraude eleitoral borgista, os oposicionistas iniciaram em janeiro de 1923 uma guerra civil pelo território rio-grandense com o intuito principal de convulsionar o Estado para que o Presidente da República Arthur Bernardes intervisse na região e depusesse Borges da comandância estadual.

A luta armada se desenrolou em diversas localidades do território estadual através da liderança de chefes político-militares que possuíam a capacidade de mobilizar contingentes numerosos de seguidores e adeptos em suas hostes armadas.

A Revolução de 1923 foi o movimento armado ocorrido durante 11 meses daquele ano, em que lutaram, de um lado, os partidários do presidente do Estado, Borges de Medeiros (“Borgistas” ou “Ximangos”, que usavam no pescoço o lenço branco) e, de outro, os revolucionários, aliados de Joaquim Francisco de Assis Brasil (“Assisistas” ou “Maragatos”, que usavam no pescoço como distintivo o lenço vermelho).

O EXÉRCITO LIBERTADOR

Honório Lemes formou o 2º Corpo do Exército Libertador, também conhecido como “Divisão do Oeste”, integrado por trabalhadores rurais.

Honório era um homem alto, vigilante, calmo, valoroso e audacioso, profundo conhecedor do gaúcho, qualidades que lhe facilitaram conquistar as massas campesinas. O 2º Corpo do Exército Libertador foi o mais ousado durante a campanha de 1923.

Inúmeros foram os encontros que sustentou, quase sempre vitoriosamente, desde as Missões até São Gabriel, Bagé e Dom Pedrito, e toda a região de Rosário do Sul a Santana do Livramento.

Ele foi o tipo mais completo do guerreiro farroupilha: reto, ordeiro, honestíssimo, ousado, valente e bom. Possuía uma alma enorme e um coração de ouro.

Nessa Revolução de 1923 muitos foram os caudilhos que se destacaram, entre eles Estácio Azambuja, Zeca Neto – este principalmente pela extrema mobilidade da cavalaria sob seu comando –, Leonel Rocha e Filipe Portinho.

Mas principalmente Honório Lemes, o maior e mais popular deles, cuja tropa foi responsável pela derrota dos mercenários comandados por Nepomuceno Saraiva, contratados por Borges de Medeiros.

Iniciados os combates em vários pontos do Estado, Honório Lemes, operando na zona oeste, ocupou Rosário do Sul, Vacaiquá e Alegrete. Assumiu a patente de general e marchou sobre Uruguaiana, cuja conquista poderia assegurar uma passagem para o território argentino.

Entretanto, o intendente da cidade, José Antônio Flores da Cunha - que se tornaria um dos mais importantes chefes políticos gaúchos —, conseguiu organizar a resistência e forçou a retirada das forças rebeldes.

Deixando Uruguaiana, Honório Lemes retornou à serra do Caverá, empreendendo a chamada “Marcha da Serra”, que o consagrou como grande estrategista. Em virtude das condições adversas em que foi realizada, a marcha tornou-se tema de estudo por círculos
militares nacionais e estrangeiros.

Seguiram-se diversos combates com as forças de Flores da Cunha em São Gabriel, Alegrete, Vista Alegre, Dom Pedrito, Quaraí, São Francisco, Passo da Armada e em outras localidades, sem que qualquer das facções conseguisse impor uma derrota definitiva à outra.

ALVO DE MANIFESTAÇÕES POPULARES

Mais de uma vez, passando por pequenos povoados de meia dúzia de casas, ocupadas apenas por mulheres e crianças que os homens haviam sido arrebatados pelas forças inimigas, Honório mandava fornecer-lhes, àquelas famílias sem ninguém, tudo quanto era possível para que não perecessem de fome e miséria.

Sacrificava sua gente para alimentar os inocentes, embora adversários. E ai do soldado que abusasse da fragilidade da mulher! Houve casos, e um ficou registrado em ordem do dia, de ter mandado fuzilar um soldado que, aproveitando-se da situação de vencedor, invadira um lar e abusara da dona da casa.

Durante a Revolução de 1923, por onde quer que cruzasse era ovacionado e nas cidades que tomava, muitas vezes sem um tiro, era recebido com grandes manifestações populares.

Ao se iniciarem as negociações de paz, em novembro de 1923, Honório Lemes estacionou suas forças em Santa Rita, no município de Livramento, atual Santana do Livramento.

Os conflitos encerraram-se em dezembro com a assinatura do Pacto de Pedras Altas, no famoso castelo daquela localidade, residência de Assis Brasil, que Honório também assinou. Pelo acordo, Borges de Medeiros permanecia no governo, mas lhe era vedada nova reeleição.

Terminada a revolução de 1923, o velho caudilho voltou à sua vida de campeiro, instalando-se, completamente pobre, nos campos de propriedade, do senhor Bernardo Domingues, em Rosário do Sul, continuando suas atividades, sempre simples e modesto, em pobre rancho erguido em terra alheia.

84 ANOS DEPOIS

Passados 84 anos da Revolução de 1923 no Rio Grande do Sul, o “Instituto Cavaleiros Farroupilhas” realizou em setembro de 2008, durante a “Semana Farroupilha”, a “16ª Cavalgada Farroupilha” que teve início em Alegrete, tendo como destino a cidade de Rosário do Sul, onde está sepultado Honório Lemes.

Uma equipe de filmagem acompanhou o trajeto captando imagens e depoimentos de populares, produtores rurais e tradicionalistas da Região.

As imagens foram feitas na Serra do Caverá, num trajeto de 153 quilômetros, seguindo o rastro de Honório Lemes e se transformaram no documentário “O Leão do Caverá”, que conta a história dos revolucionários de 1923 no cenário natural do conflito.

Honório Lemes e seus comandados lutaram contra um Estado afundado na corrupção eleitoral de Borges de Medeiros há 30 anos no poder.

Assim os “Maragatos” cruzaram as Missões até São Gabriel, Cacequi, Bagé, Aceguá, Dom Pedrito e por toda a região de Rosário do Sul, Santana do Livramento, Quaraí, Alegrete e Uruguaiana, quando bravura e sangue se misturaram com ideal, nos enfrentamentos contra os “Chimangos”.

GUERREIROS DE 23

Décima de autoria do próprio Honório Lemes mandada publicar no jornal “A Plateia”, de Livramento por Rui Fernandes Barbosa, que recebeu os originais de Cacílio Lima, morador do Batoví, distrito de São Gabriel.

“Quando a morte arrebatar-me
Fica meu pedido cá
Que escrito deixarei já
Para oficial ou soldado
Que eu quero ser enterrado
Nas grotas do Caverá”

Segundo o historiador gaúcho Antônio Augusto Fagundes, a Revolução de 1923 “foi a última guerra gaúcha de feudos, do coronelismo, fechando a trindade que se iniciara em 1835 e continuara em 1893”.

A Revolução de 1923 é narrada de forma romanceada por Erico Verissimo no livro “O Arquipélago”, terceira parte da trilogia “O Tempo e o Vento”.

EM UMA NOVA LUTA ARMADA

Revolucionário por natureza, em novembro de 1924 Honório Lemes engajou-se no movimento gaúcho deflagrado no mês anterior em apoio aos rebeldes paulistas, que, depois de levantarem a capital de São Paulo contra o presidente Artur Bernardes, haviam rumado para o Paraná sob a liderança de Isidoro Dias Lopes.

Em Guaçu-Boi (RS) voltou a defrontar-se com Flores da Cunha, que conseguiu defender as posições legalistas. Retirando-se para a região missioneira, uniu-se a outras forças revoltosas, que terminaram por dominar toda a zona norte do Estado.

Perseguido por Flores da Cunha, Honório Lemes viu-se forçado a entrar na Argentina, de onde retornou para atacar Santana do Livramento, não obtendo êxito. Derrotado em Passo das Carretas (RS) pelo tenente-coronel Júlio Bozzano, internou-se em território uruguaio.

Em setembro de 1925 reagrupou suas forças e invadiu Livramento, enfrentando contingentes legalistas chefiados por Flores da Cunha e Osvaldo Aranha, que o alcançaram em Passo da Conceição (RS). Honório Lemes, que por sua bravura recebera o apelido de
“Leão do Caverá” caiu prisioneiro juntamente com seu estado-maior.

Enviado para Porto Alegre, conseguiu evadir-se do 2º Corpo da Brigada Militar e exilou-se na Argentina, de onde acompanhou o desenrolar dos acontecimentos políticos no Rio Grande do Sul, cujos revolucionários se retiraram para o Paraná, formando em abril de 1925 a “Coluna Prestes”.

Em 1929, por ocasião da campanha da Aliança Liberal, apoiou a união dos partidos gaúchos na Frente Única Gaúcha em torno da candidatura oposicionista de Getúlio Vargas à presidência da República. Realizado em março de 1930, o pleito deu a vitória ao
candidato situacionista, Júlio Prestes.

A PRISÃO DE HONÓRIO LEMES

A Revolução de 1925, pela sua finalidade, incorporou-se Honório Lemes. De curta duração, o movimento armado terminou, praticamente, com a prisão de Honório no Passo da Conceição, em setembro.

O rio estava cheio e não dava vau. Honório tinha pelas costas o caudal do Ibicuí extravasando de seu leito, e pela frente as forças armadas, bem municiadas e superiores em número, de Flores da Cunha. A situação era trágica. A luta seria o sacrifício total e inútil de seus guerreiros. Resolveu, pois, enviar parlamentar ao General Flores.

“Por que não quer o Honório pelear?“, perguntou Flores da Cunha. “Diz que é loucura matar sua gente numa luta desigual e tendo às costas o rio cheio, sem vau.”. “Pois então, que se renda sem condições.”

E Honório Lemes da Silva, sacrificando-se para poupar seus homens, apresentou-se a Flores da Cunha que o recebeu cavalheirescamente. Flores, apesar de tudo, era também sentimental, comovido pelo gesto do adversário que se sacrificava para salvar a vida de seus comandados.

Conversaram. E quando Honório quis fazer entrega de suas armas, Flores da Cunha, repetindo o gesto de David Canabarro - quando Bento Gonçalves se apresentou preso por ter morto em duelo a seu companheiro Onofre Pires, não as aceitou, atalhando-lhe o gesto: “Guarde-as, general, que eu aqui quero tratá-lo de igual para igual.”

E o velho guerreiro que tantas vezes vira a morte de perto sem o mínimo temor, sentiu úmidos os olhos e, disfarçando a fazer um palheiro, baixou a cabeça sem saber que dizer.

Tratado com respeito e consideração, foi remetido para Porto Alegre, onde, em outubro de 1925, deu entrada, como prisioneiro, no Quartel do 2o Corpo da Brigada Militar.

UM HOMEM POBRE

Após sua liberdade, em 1927, Honório Lemes, cuja família fora residir em casa de um parente, em Taquari, para lá seguiu. Pobre, paupérrimo, sem um vintém sequer no bolso, não sabia que fazer. Mas não desanimou. Jamais desanimava. Foi quando lhe ofereceram, sem lhe exigir a mínima garantia, tropas para vender.

Assim recomeçou a vida, vendendo gado alheio, em troca de modesta comissão. Vendeu muitas tropas e, com o resultado, pequeno embora, voltou a Rosário do Sul e aí, ainda em terra alheia, herdada do Barão de Irapuã, na parte pertencente a uma neta casada com o senhor Bernardo Domingues, construiu com as próprias mãos o ranchinho em que viveria até poucos meses antes de sua morte, em casa do sogro, senhor Fulgêncio Silveira Goulart, sendo sepultado em Rosário do Sul.

UMA ESTRONDOSA MANIFESTAÇÃO

O jornal “O Imparcial”, de São Gabriel, publicou em sua edição de 22 de junho de 1951, que Tarcísio Costa Taborda, juiz e fundador do Museu Dom Diogo de Sousa, de Bagé contou que em uma de suas visitas aquela cidade, recebeu o grande revolucionário uma estrondosa manifestação.

O povo o recepcionou na estação e, nos braços, o levou até o Hotel do Comércio, onde ficou hospedado. Ali falaram vários oradores que engrandeceram o herói e a causa. Cabia ao general Honório o agradecimento.

Na sua singeleza, disse da luta e dos lutadores. Falou nos bageenses e agradeceu a manifestação que lhe faziam, concluindo: "Meu coração é um potreiro onde o vosso amor corcoveia".

Naquele mesmo dia, após a manifestação, Honório saiu do hotel e se dirigiu à catedral de São Sebastião de Bagé. Ali, procurou o vigário, Monsenhor Costábile Hipólito, perguntando: "Seu Vigário, onde está minha madrinha?"

O sacerdote que ficara por instantes sem compreendê-lo, levou-o ao altar da Virgem da Conceição. Ali Honório depositou as flores que recebera e, caindo de joelhos, rezou em voz alta, assistido apenas pelo vigário:

"Minha Madrinha, eu trouxe para Ti estas flores que ganhei, porque é por Tua causa que eu ganho tanta glória. Eu Te agradeço por tudo". E levantou-se, saindo, sorridente, do velho e tradicional templo.

A REVOLUÇÃO DE 1930

Preparava-se a Revolução de 1930 que irrompeu simultaneamente em todo o Estado do Rio Grande do Sul e no Brasil, na tarde de 3 de outubro. Honório Lemes, o brioso general de 1893, de 1923 e de 1925, não podia ficar esquecido.

E o general Flores da Cunha o mandou procurar para saber de sua opinião a respeito do movimento que se tramava, de caráter nacional. Estava, entretanto, doente.

Apesar disso, não se eximiu, escrevendo o seguinte bilhete ao general: "Endereço para escrever-me: Adalgiza Silveira Goulart, Estação Porteirinha. - Eu estou com o Rio Grande em defesa dos seus direitos, para todos os fins".

Não pôde, entretanto, comparecer. A 30 de setembro daquele ano de 30 fechava os olhos, sonhando ainda com a revolução para a qual fora convidado.

Estrategista notável, guerrilheiro seguro, ao adoecer gravemente, foi transportado, contra sua vontade, para a casa de seu sogro, na Estação Porteirinha.

A tuberculose pulmonar, que não tinha mais cura, o matou aos 65 anos de idade, embora ainda sonhasse com a vida e a guerra de 1930 que se aproximava. O médico lhe recomendara todo cuidado e absoluto repouso.

“Cinco dias são bastante, doutor”, disse, então. Não eram. Muito mais requeria a Medicina. Então Honório não se conteve:  “Mais do que isto é impossível, doutor. Então o Rio Grande vai levantar-se todo e eu fico aqui, atirado, como um molambo sem vida?”

Dias depois, falecia. Desaparecia dentre os vivos o "Leão do Caverá", o "Tropeiro da Liberdade", cercado pelos seus, pensando na liberdade do Rio Grande do Sul e do Brasil, libertação que, entretanto, se transformaria em grilhão contra o qual, certamente, o "velho" general Honório Lemes da Silva, se não houvesse falecido, se ergueria ao lado do "velho" Borges de Medeiros, seu antigo inimigo político, como se novamente tivesse os mesmos 29 anos com que ingressara na luta de 1893.

Honório Lemes faleceu no dia 30 de setembro de 1930, na fazenda de seu sogro, Fulgêncio da Silveira Goulart, localizada em Santana do Livramento, onde residia na época.

Reduzido à situação de simples carvoeiro, deixou viúva Adalgisa da Silveira Goulart, com quem se casara em segundas núpcias, e numerosos filhos em extrema miséria.

Até hoje pode-se ver no local os restos conservados do modesto ranchinho que Honório Lemes e sua família ocuparam por longos anos. (Pesquisa: Nilo Dias)


4 comentários:

  1. Grande história que não pode ser esquecida....

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  2. Gosto de ler histórias sobre ele...

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  3. Muito bom ler histórias sobre meu Rio grande do Sul, Honório Lemes.. Morreu aqui na minha cidade Santana do Livramento / fronteira com Rivera no Uruguai

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  4. História que está faltando um pedaço. Meu avô Balbino Lemes era o filho primogênito de Honório e não foi citado no artigo. Além de ser o primogênito, lutou ao lado dele é lhe deu o primeiro Neto homem, meu pai Gaspar de Oliveira Lemes

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