Antigos moradores do subdistrito do Batovi contavam que
ali conheceram um estancieiro, casado com uma bela senhora de família
tradicional do município de São Gabriel. Certo dia – diziam - foi esse casal
passear de carruagem em casa de um cunhado distante algumas léguas.
Era verão, o sol estava quente. Foram recebido pelos
parentes com grande alegria e regozijo. Acompanharam a senhora até a porta da
frente O dono da estância ao voltar ficou surpreendido ao ver o cunhado
afastando-se de regresso com a carruagem a toda disparada dos cavalos.
Os familiares dessa senhora achando por demais estranha a
atitude do cunhado que chegara tão eufórico, procuraram o doutor Fernando
Abbott, e lhe contaram o acontecido.
O famoso médico, depois de ouvi-los atentamente, aconselhou-os
a afastarem a senhora do marido o quanto antes, afirmando que ele sofria de uma
doença mental terrível e poderia praticar os maiores males num estado de
inconsciência mórbida.
Os parentes da dita senhora acharam precipitada tal
medida, pois ambos pareciam se amar mutuamente. E resolveram esperar mais um
pouco. Meses depois, tal como previra o doutor Fernando Abbott, o tal psicopata
matara a esposa estrangulada, à noite, durante o coito.
Quando se dera conta do hediondo crime que cometera, fugiu
corredor afora horrorizado de sí próprio. Mas foi preso em Rosário do Sul. Esse
episódio ocorreu em 16 de abril de 1912. Até hoje, no alto de uma coxilha, à
beira do corredor no Batovi, existe a Tapera do Evaristinho com a lembrança
tétrica do trágico episódio.
Indubitavelmente, o doutor Fernando Abbott era dotado de
um dom intuitivo, que o inspirava a argúcia e a premonição, na arte científica
de clinicar, dificilmente errando os seus diagnósticos.
Seu nome é patronímico da praça principal da cidade, sempre
vivo e referenciado pela população, que o pronuncia cada dia numa homenagem de
reconhecimento perene.
Contam que certa feita, conversava ele com um carreteiro
à frente da sua casa, pois gostava de tratar com pessoas humildes. Nisso passou
uma moça e cumprimentou a ambos. Ele perguntou ao homem da aguilhoada:
“Achou bonita essa moça?” “Muito bela e formosa”,
respondeu. “Pena que daqui a 30 dias vai morrer”, sentenciou o médico.
O campeiro impressionado com o que ouvira, dali a dois
meses voltou à cidade. Logo de imediato procurou saber da saúde da dita moça,
pois ficara sabendo seu nome e dos seus pais. A um comerciante que perguntou
obteve a resposta que temera, havia morrido 30 dias antes.
Noutra ocasião, o doutor Fernando Abbott fora chamado
urgente para atender ao padre da paróquia, que passava mal. Ao chegar lá,
examinou e passou a receita. E já ia se retirando quando alguém o interceptou,
perguntando pela saúde do senhor vigário. Sem parar, respondeu:
“É a primeira vez na minha vida que vejo um padre deitado
na cama com uma espanhola”. E retirou-se. Era a época da gripe espanhola, que
estava ceifando vidas por toda a parte.
Certo dia chegou de carruagem em São Gabriel e parou na
esquina da Praça da Matriz, um abastado fazendeiro de Caçapava, trazendo sua
esposa em estado gravíssimo. Como não conhecia a cidade, perguntou a um
transeunte onde morava o doutor Fernando Abbott. Este respondeu apontando a
direção da casa.
Mas ao mesmo tempo informou: “O doutor Fernando recém
entrou neste sobrado (Sobrado Dom Pedro II). Suba a escada e ele o atenderá”.
O fazendeiro não vacilou. Entrando porta a dentro,
encontrou no segundo piso um grupo de pessoas e perguntou-lhes, aflito: “Qual
dos senhores é o doutor Fernando Abbott?” “As suas
ordens, atendeu-lhe o médico”.
“Venho de Caçapava trazendo minha esposa muito mal para
consultar com o senhor. Peço atendê-la com urgência. Está na carruagem ai na
frente”.
O doutor Fernando levou a mão na testa, como a perceber
algo estranho e pesaroso, disse-lhe: “Que pena! Ela não mais existe”. “Existe
sim doutor. Vamos lá”, insistiu o fazendeiro, beirando ao desespero. Desceram
ambos. Ao chegarem à carruagem, a senhora já havia falecido.
Numa outra vez perguntaram-lhe como poderia diagnosticar
enfermidade de uma pessoa, apenas no olhar. Respondeu com uma interrogação?
“Perguntem ao veterinário como ele sabe das doenças dos animais que trata”. (Fonte: Livro "Uma Santa Casa feia de amor', de autoria do saudoso historiador Osório Santana Figueiredo)
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