*São Gabriel em tempos antigos teve mais presença social e
divertimentos públicos do que nos tempos atuais, com inegavelmente maiores
recursos. Aos sábados e domingos, à noite, com nossas melhores roupas íamos à
Praça Matriz, para longos passeios e os "flertes" inocentes com as
garotas "enxutas", de que é tradicional esta terra, para encanto dos
que aqui aportam.
Nossos passeios eram ritmados pela excelente orquestra e
banda do 12º Regimento de Infantaria, local, contando com 35 músicos de alto
quilate. Naquele tempo, segundo a expressão de Ney Faria Corrêa, "facão
não tocava... nem se atreveria".
Sob a batuta experimentada do maestro e compositor
sargento José de Jesus, com seus executantes de alto gabarito como Constantino,
Benício, Pinheiro, Lemos, Quintana, Pinto, Tujá e Setembrino, só para citar os
expoentes e, em menção especial, o "requinta" de luxo, Júlio
Rodrigues que aqui radicando-se constituiu família, sendo o responsável por
muitas bandas civis organizadas na cidade, e que deleitaram muitas gerações.
As valsas clássicas, os concertos, as músicas populares,
desde a valsa "Branca" ao maxixe "Amendoim Torrado", ou o
dobrado "Sargento Caveira", deliciavam e alegravam o povo que
comparecia em massa, para ouvir essas retretas.
Sem sermos saudosistas, gostaríamos de atrasar algumas
páginas no livro do tempo, para que os habitantes da cidade de hoje, pudessem
sentir e vibrar com aquela época despreocupada e feliz, que sem ser de um
bucolismo predominante, como seria de esperar em uma cidade pequena e perdida
na Campanha, era, paradoxalmente, vibrátil e evoluída, social, esportiva e
essencialmente patriótica.
Com o decorrer do tempo, outras bandas surgiriam, outros
maestros viriam, outros músicos tomariam o lugar daqueles que faziam vibrar o
povo, nos tempos de minha mocidade. Júlio Rodrigues, um maestro como poucos,
com sua "requinta" mágica, após aqui radicar-se sempre manteve bem
alto, o "panache" das boas bandas gabrielenses.
Marcou época em São Gabriel pela longa existência, a
"Bandinha do Tio Albano", logo apelidada de "Furiosa", como
era costume de então. Sua duração limitou-se a maior idade do seu maestro,
sexagenário, preto, muito sorridente e cooperador.
Qualquer circo ou parque que aqui chegasse, ou enfim,
comemorações como exposições-feiras, quermesses, entrudos, carnaval ou futebol,
lá estava firme a “Furiosa do Tio Albano”, tocando o “Amor Febril”, o “Amendoim
Torrado”, o “Sargento Caveira” ou músicas carnavalescas como “Tai”, “Zé
Pereira” e outras peças daquele ciclo.
Mas, como toda a banda que se preza, a “Furiosa” também
deixou sua estória. Certa vez, quando estreava um circo, na cidade, que trazia
variadas coleções de feras e animais amestrados, aconteceu escapar-se um casal
de leões, que estava sendo exibido na ocasião e, como não podia deixar de ser
foi uma debandada, balbúrdia e correria por todo o circo.
Só a bandinha do “Tio Albano” ficou firme no seu posto,
num coreto levantado à entrada da cena, tocando impassível o “Amendoim
Torrado”, como se estivesse na mais normal das tretas.
O povo aos poucos acalmou e as feras puderam ser recapturadas.
O diretor do circo, na sua linguagem revezada, meio português, meio castelhano,
manifestou de público os agradecimentos à bandinha e seus bravos componentes,
por ter cooperado vivamente para que a calma voltasse ao ambiente e pudesse
continuar a sessão interrompida, tão intempestivamente. (Fonte: Livro “Crônicas
duma cidade do Sul”, de autoria do escritor Aristóteles Vaz de Carvalho e
Silva)
Várias bandas, especialmente do Exército, abrilhantavam as noites de fins de semana na principal praça da cidade. Na foto a Banda do 9º Regimento de Cavalaria de São Gabriel, em 1936. (Foto: Arquivo pessoal de Adalberto Bueno)
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