terça-feira, 20 de novembro de 2012

As "paredes" do Corredor da Ferrugem

*Quem vai de São Gabriel ao Suspiro ou ao Passo das Mercedes, obrigatoriamente passará à frente das lendárias "paredes", vetusta construção de pedra à beira do "Corredor da Ferrugem", situada em propriedade do senhor Homero Rodrigues Dias, cerca de 30 quilômetros da cidade..

São antiguissimas ruínas de uma edificação primitiva, em forma retangular. Nem os rigores do tempo, nem as adversidades das épocas e nem o espirito demolidor do homem conseguiram abalá-la na sua consistência secular. Sobre elas contam histórias fantásticas: falam de dinheiro enterrado nos seus cantos e de duendes a rondar-lhes nas noites calmas de lua cheia.

Quanto à sua origem, tem surgido as mais desencontradas versões e muitos tem-nas como construção jesuítica. Mas é engano de cálculo. Talvez seja mais agradável responder assim do que tentar outra explicação.

Numa investigação demorada realizada pelo historiador Osório Santana Figueiredo sobre as velhas "paredes", baseado em documentos antigos e na tradição oral, ele chegou à conclusão de que aquelas "paredes" seculares não passam de resquicios de uma simples casa de moradia de um capitão português.

No ano de 1801, logo após a expulsão dos espanhóis do Batovi, várias léguas de campo ficaram devolutas, sendo, então, distribuídas em sesmarias entre aqueles que mais se destacaram nessa campanha. Pouco antes, em 1800, os espanhóis fundaram a "Capela do Batovi" bem próximo ao Cerro do Batovi. Coube ao capitão Marcelino Ferreira do Amaral, que lutou na Guerra Provincial de 1801, uma sobra dessa sesmaria, justamente nesse local.

O capitão Marcelino mandou construir uma robusta casa de pedras, com material do próprio local, para aí residir. Lá ele morou quase meio século com a família. Nela nasceu sua filha Floripa. Em 1843, mais ou menos, segundo a informação de um seu descendente, ele veio a falecer, deixando como herdeira dessa casa e campos, sua filha Floripa Ferreira do Amaral, com apenas 15 anos de idade.

Depois da morte de seu pai ela mudou-se para a parte mais alta da estância, na Coxilha da Vigia, ficando tapera o lar paterno. Aos poucos, o vento e a chuva, o rigor do inverno fizeram da velha casa de pedra uma tapera, refúgio de corujões. Ninhos de maritacas e corujas. Caíram-lhe as portas e janelas, desabaram-lhe as paredes, o gado a invadiu até que virou ruínas e uma só das paredes restou da casa avoenga sobre o chão do Batovi.

Ao longo de seu abandono, depois de 1843, incautos, sem medo de assombrações nem de fantasmas, tentaram usá-la como casa de moradia. Mal recolocavam o telhado, alguma força misteriosa o arrancava. Se repunham uma porta ou uma janela do pardieiro abandonado, logo depois sumiam sem deixar vestígio pelas coxilhas do Batovi.

As estórias de fantasmas ligados à vetusta casa corriam pelos campos e coxilhas de São Gabriel. Os moradores da localidade aprenderam a respeitar as “paredes”. E, assim, o medo de vingança, o temor de alguma alma penada, o pavor do demo preservaram as ruínas das “paredes” do Batovi, agora com mais de 200 anos. O dono daquele campo, Homero Rodrigues Dias, colocou arames de aço para segurar as paredes.

Pela sua longevidade, tornaram-se respeitáveis e são, hoje, uma curiosa tradição à beira da estrada. A voz pagueira as conserva vivas no mesmo lugar, assim chamado de "paredes" o trecho que vai desde o entroncamento do "Corredor da Ferrugem" até o banhado do Suspiro.

Ali perto está o Cerro do Batovi, outrora chamado de "Coxilha Divisória" pelo fato de o Tratado de Santo Idelfonso (1777) determinar que por ali passava a Linha Divisória entre Portugal e Espanha. Osório conta que foi ali a origem dos dois primeiros povoados de São Gabriel, respectivamente, sendo o último assinalado pela Estância do Batovi, erguida ao pé do cerro pelos jesuítas em 1687.

Teatro de combate da Revolução Farroupilha, última toldaria dos índios Minuanos. Como querência e túmulo (no Joanico) de Maneco Pereira, "o homem que laçava com o pé", o maior campeiro do Rio Grande do Sul, encerrou seu ciclo de episódios famosos como um dos lugares mais fascinantes da história e da fisiografia rio-grandense. (Fonte: Livro "História de São Gabriel", de autoria do historiador Osório Santana Figueiredo, e "Jornal de Beltrão" (http://www.jornaldebeltrao.com.br/blogs/brasilidade-paranismo-sudoest/paredes-do-corredor-da-ferrugem-7279/)

As ruínas bi-centenárias do Corredor da Ferrugem.

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