É decepcionante constatar que o Brasil não cuida de sua
memória. Se você perguntar a algum historiador brasileiro sobre o dia 6 de
agosto, possivelmente ele não lembrará do que se trata. Se o historiador for
católico, pode ser que se lembre de que se trata do Dia de Nosso Senhor do
Bonfim ou de Bom Jesus da Lapa.
Se for estudioso da História das Américas, poderá lembrar
que foi em 6 de agosto que Simón Bolívar entrou em Caracas, após a vitória de
Taguanes, e recebeu o título honorífico de Libertador, e 12 anos depois, também
num 6 de agosto, Bolívar declarou a independência do país que levou seu nome, a
Bolívia.
Mas dificilmente o historiador se lembrará do que deveria
significar o 6 de agosto para os brasileiros, por ser a data em que se iniciou
a revolução que culminou na anexação do Acre ao território nacional, livrando a
Amazônia da possibilidade de ser colonizada pelo Império britânico, que na
época (1902) dominava a maior parte do mundo e estava tentando usurpar a
Amazônia com apoio dos Estados Unidos, que mal começava a ser firmar como
grande potência.
Naquele início de século XX, a borracha já se tornara uma
das mais importantes e estratégicas matérias-primas, e toda a produção mundial
provinha de um só lugar, a Amazônia, onde vicejava a nativa hevea brasiliensis,
que era mais abundante justamente no território boliviano do Acre, uma extensa
região que desde os anos 1870 vinha sendo colonizada por brasileiros, que
emigravam para viver da borracha. Lá havia seringueiros e aventureiros de todo
o país, mas a imensa maioria vinha do Nordeste, sobretudo do Ceará.
Um desses aventureiros chamava-se José Plácido de Castro,
gaúcho de São Gabriel (RS), filho do capitão Prudente da Fonseca Castro,
veterano das campanhas do Uruguai e do Paraguai, e de Dona Zeferina de Oliveira
Castro.
Plácido começou a trabalhar aos 12 anos – quando perdeu o
pai – para sustentar a mãe e os seis irmãos. Aos 16 anos, ingressou na vida
militar, chegando a 2° sargento, entrou na Escola Militar do Rio Grande do Sul
e depois lutou na Revolução Federalista ao lado dos “maragatos”, chegando ao
posto de Major.
Com a derrota para os “pica-paus”, que defendiam o
governo Floriano Peixoto, Plácido decidiu abandonar a carreira militar e
recusou a anistia oferecida aos envolvidos na Revolução. Mudou-se para o Rio de
Janeiro, foi inspetor de alunos do
Colégio Militar, depois empregou-se como fiscal nas docas do porto de Santos,
em São Paulo e, voltando ao Rio, obteve o título de agrimensor. Inquieto e à procura
de desafios, viajou para o Acre, em 1899, para tentar a sorte como agrimensor e
logo arranjou trabalho por lá.
Havia uma antiga disputa de terras entre Brasil e
Bolívia, os colonos brasileiros já tinham até declarado duas vezes a
independência do Acre, mas o governo brasileiro mandara tropas para devolver o
território à Bolívia. Até que surgiu a notícia de que a Bolívia havia arrendado
o Acre aos Estados Unidos, através do Bolivian Syndicate, uma associação
anglo-americana sediada em Nova York e presidida pelo filho do então presidente
dos EUA, William McKinley.
O acordo autorizava o Bolivian Syndicate a usar força
militar como garantia de seus direitos na região, as leis e os juízes seriam
norte-americanos, a língua oficial seria o inglês e os Estados Unidos se
comprometiam a fornecer todo o armamento que necessitassem. Além disso, tinham
a opção preferencial de compra do território arrendado, caso viesse a ser
colocado à venda. E a Bolívia também se comprometia em, no caso de uma guerra,
a entregar a região aos Estados Unidos.
Plácido de Castro estava demarcando o seringal Victoria,
quando ficou sabendo do acordo pelos jornais e viu nisto uma ameaça à
integridade do Brasil. Tinha 27 anos, era o único militar de carreira que
morava naquela região e decidiu liderar uma resistência. Convocou os
comerciantes, seringalistas e emigrantes brasileiros, formou um pequeno grupo
de guerrilheiros e aproveitou o dia 6 de agosto, feriado nacional na Bolívia,
para iniciar a revolução.
Quando Plácido chegou com cerca de 60 guerrilheiros ao
pequeno quartel do Exército boliviano na vila de Rio Branco, às margens do Rio
Acre, o oficial boliviano julgou que os brasileiros vinham comemorar o feriado.
“Es temprano para la fiesta”, disse ele, e Castro respondeu: “Non es fiesta, es
revolución”. E a guerra começou, para desespero do governo brasileiro, que não
se interessava pelo Acre.
O governo boliviano logo enviou mais um contingente de
400 homens, comandados por Rosendo Rojas. Mas Plácido de Castro, percursor da
guerrilha na selva, se revelou um grande estrategista e conseguiu enfrentar e
derrotar o Exército e a Marinha da Bolívia em várias batalhas.
Os combates da Revolução Acreana duraram vários meses e a
revolução só acabou em janeiro de 1903, com a assinatura do Tratado de
Petrópolis, pelo qual o Brasil comprou o território do Acre à Bolívia, anexando
essas terras ao nosso país.
Além do Brasil seguir dominando o comércio mundial da
borracha, outro resultado da vitória da Revolução liderada por Plácido de
Castro foi o sepultamento do sonho anglo-americano de dominar o Acre e a
Amazônia. Ao vencer o Exército e a Marinha da Bolivia, aqueles valorosos guerrilheiros
brasileiros na verdade estavam derrotando também a maior potência militar do
mundo, a Inglaterra, e seu principal aliado, os Estados Unidos.
Plácido de Castro, no Acre.
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