Os homens do início do século 20 também tinham muito medo
das mulheres. Não só o medo ancestral de serem surpreendidos por atitudes
femininas que subvertessem ordens, comandos e hierarquias. Os coronéis, donos
de currais e ditadores provinciais também temiam o dia em que as mulheres
pudessem votar.
Era ameaçador o cenário imaginado com os efeitos do voto
feminino na imperfeita democracia de mil novecentos e pouco. Pois os homens que
ainda temem as mulheres, neste início de século 21, poderiam tentar entender
suas inseguranças numa conversa com a cientista política Cristina Buarque de
Hollanda. Cristina é a organizadora de Joaquim Francisco de Assis
Brasil: uma antologia política (Editora 7 Letras).
Homens inseguros deveriam aprender com o liberal que
viveu há tanto tempo (1857-1938). O fazendeiro, deputado, diplomata e escritor
Assis Brasil ficaria constrangido ao saber que homens maduros, bem formados,
seguros de si, foram abalados pelo "exame feminista" do Enem deste
ano de 2015. Pela frase de Simone de Beauvoir que caiu na prova ("Ninguém nasce
mulher, torna-se mulher"). E por outras questões relacionadas com a
violência contra a mulher.
Assis Brasil foi o autor do primeiro gesto que assegura
em lei um direito fundamental às mulheres. Escolhido por Getúlio Vargas para
liderar a comissão encarregada de elaborar o novo Código Eleitoral, ele
determinou, já no artigo segundo, que o eleitor é "o cidadão maior de 21
anos, sem distinção de sexo". Isso em 1932. Quatro anos antes, havia
criado o Partido Libertador.
Homens temerosos com uma frase que Simone de Beauvoir
escreveu em 1949 envergonham a memória de uma das nossas mentes mais
brilhantes. O que eles temem hoje, que Assis Brasil, aos 75 anos, não temia em
1932?
Alguém vai dizer que o voto feminino foi um truque dele
(e de Getúlio) para desmontar o esquema de dominação do coronelismo nos grotões
de São Paulo e Minas. Que belo truque! Só que, desde 1917, Rio e São Paulo
conviviam com as agitações promovidas pela professora Leolinda Daltro e pela
bióloga Bertha Lutz.
O Código Eleitoral saído da pena de Assis Brasil
formaliza o que elas já vinham defendendo com bravura. Leiam o que Cristina diz
sobre ele: Assis Brasil garantiu, pela primeira vez, a cidadania
política das mulheres.
Na juventude, o gaúcho chegou a ser contra o voto
feminino. Mudou, na maturidade, para assegurar aqui um direito que francesas,
belgas, suíças, italianas e gregas só teriam muito tempo depois.
Agora, imagine que os homens do século 21 possam ter
medos que o nosso liberal libertador não tinha cem anos atrás. E nem é o medo
do voto, mas de coisas que nem eles sabem dizer direito. Que trajetória
errática os machos percorreram, de lá até aqui, a ponto de temerem tanto as
mulheres?
Inseguros, apareçam na palestra de Cristina Buarque de
Hollanda. Escutem pela voz dessa carioca, prima de Chico, o que o Código de
1932 significa. Procurem conforto na fala de quem estudou a obra do bigodudo de
São Gabriel. Este, sim, foi um belo exemplar do macho gaúcho. (Fonte: Coluna de
Moisés Mendes, no jornal “Zero Hora”, de Porto Alegre, edição de 7 de novembro
de 2015)
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