Adão Brasil dos Santos, o “Canário Alegre” foi sem
dúvida, o tradicionalista mais famoso de São Gabriel. Era conhecido em todos os
rincões do Rio Grande do Sul. Eu lembro de uma vez em que me encontrava a
noite, no Bar Vera Cruz, em Rio Grande, quando um cliente, ao saber que eu
morava em São Gabriel, me perguntou sobre ele.
Disse que não conhecia a cidade, mas ouvira falar muito
do músico e que gostaria de conhecê-lo. Contei a esse amigo várias coisas sobre
o grande tradicionalista, que tive a felicidade de conhecer.
A primeira vez que vi o “Canário” foi no Armazém Motta, do
meu saudoso sogro Gelcy Motta. Os dois eram amigos e muitas vezes ele foi
convidado a almoçar lá em casa. E tive a oportunidade de ocupar a mesa ao seu
lado, para saborear os gostosos pratos que minha sogra, a saudosa professora
aposentada dona Mecília, preparava.
Era um tempo em que não podia faltar uma sopa quente à
mesa, no período de inverno. Só depois vinha o prato principal. E nessas
ocasiões o “Canário” sempre nos brindava com um improviso, no qual era mestre.
Mas os seus pratos preferidos eram os da culinária
gaúcha, um churrasco gordo, mocotó bem apimentado, tripa de boi refogada e um
carreteiro com charque de manta, daqueles que os carreteiros traziam para
vender na cidade.
No Armazém Motta, do meu sogro, sempre tinha um bom
charque para vender. E também um feijão chamado de “miudinho”, que era uma
verdadeira delicia. Fiquei sabendo que não existe mais, o que é uma pena.
Uma vez levamos o “Canário” para uma festa de aniversário
na propriedade rural do Menoti Motta, irmão do Gelcy e tio da minha esposa
Teresinha, na Vila Gomes. Não lembro quem estava aniversariando, o que não vem
ao caso.
Foi um dia para não ser esquecido. Churrasco gordo, muita
cerveja e o velho “Canário Alegre” nos brindando com poesias de improviso,
toque de gaita e interpretações de músicas gaúchas.
UMA VERDADEIRA RELÍQUIA
Eu guardo com muito carinho uma verdadeira relíquia.
Certa vez eu e o amigo Paulo Mattos, que hoje reside em Torres, no litoral
Norte gaúcho, estivemos na mercearia do Gil, na Vila Maria.
Corria o ano de 1988. E lá encontramos o “Canário
Alegre”. Entre umas e outras geladas, entrevistamos o querido tradicionalista.
E de gorjeta ele ainda nos brindou com a sua arte campeira, cantando, tocando a
gaita apianada e declamando versos.
Lembro de um improviso seu, quando com maestria e
inteligência declamou versos sobre o rio Vacacaí.
Eu conheci a morada do “Canário Alegre”. Muitas vezes lhe
ofereci carona até sua casa, que ficava no Bairro Pró Morar, pertinho do rio
Vacacaí. Lembro que ele construiu uma porteira, ao estilo das existentes nas
estâncias, é claro, em condições bem mais humildes.
Tinha uma placa colocada bem no alto da porteira com os
dizeres “Rancho da Amizade”. Apesar de ser um homem pobre, “Canário” gostava de
receber amigos em sua modesta casa, onde nunca faltou um churrasco gordo e um
bom chimarrão.
Algumas vezes o convidamos para participar dos
inesquecíveis churrascos no “Bar do Tamika”, debaixo das frondosas árvores da
Praça do Bairro Cohab, que o Bereci Macedo defende com galhardia, que chamem de
“Menino Jesus”.
E lá se degladiavam em trovas memoráveis “Canário Alegre”
e Carlos Alberto Moreira, que também era um excelente cantor, trovador e
declamador.
Eu também guardo até hoje uma fita cassette com o Carlos
Alberto improvisando uma “pajada”, sobre um político da cidade, que por razões
óbvias não vou citar o nome.
Pena que não tenha mais o “Bar do Tamika”. Ele foi embora
para Venâncio Aires, e não sei se voltou a morar em São Gabriel. Foi um tempo
bom que deixou muita saudade. Vários amigos daquela época já partiram para
outro plano espiritual.
Lembro de uma vez que estive em visita ao amigo Antônio
Carlos Simonetto, o popular “Tontá”, em seu escritório de advocacia, na rua
Mauricio Cardoso, e ele me falou de um artigo que escrevi na coluna “De
Brasília”, em um jornal da cidade.
Acho até que ele exagerou no comentário, ao dizer que
lendo o escrito, parecia se transportar para aquele local à sombra de árvores,
fogo de chão e costela gorda pingando graxa na brasa. E, levantando uma fumaça
cheirosa, que fazia a vizinhança ficar com água na boca. Mas essa é outra
história.
“Canário Alegre” foi também radialista, tendo apresentado
programas tradicionalistas nas Rádios São Gabriel e Batovi. Nessas ocasiões
aproveitava para montar um verdadeiro escritório radiofônico, onde vendia seu
peixe, fazendo propagandas de casas, terrenos e até gado, que oferecia na
condição de corretor.
Era uma forma de aumentar os seus rendimentos e garantir
o pão nosso de cada dia. Foi do tempo de outras legendas do tradicionalismo
gabrielense, como o saudoso policial militar aposentado Marcelino Rios
Medeiros, conhecido como "Lenço Azul" e Carlos da Silva Leite.
“Lenço Azul” foi um dos primeiros apresentadores de
programas tradicionalistas na Rádio São Gabriel. Na sua residência na Vila
Maria, mantinha um verdadeiro museu gaúcho.
CRIADO NA ZONA RURAL
Mas voltemos ao bar e mercearia do Gil e ao “Canário
Alegre”. O nosso querido trovador nasceu em 7 de fevereiro de 1929.
Coincidentemente o mesmo dia e mês em que Sepé Tiaraju, o herói índio morreu em
1756. E faleceu em 5 de julho de 1999, aos 70 anos de idade.
“Canário” nasceu na localidade da Palma, filho de Eugênio
Brasil e Marcina dos Santos Brasil. Mas foi criado pela família Coelho Leal,
perambulando pela zona de Suspiro, Tarumã e Jaguari.
Criado na campanha estudou em escola somente seis meses.
Foi peão de estância por muito tempo, e também tropeiro. Trabalhou em lavouras
de arroz e milho.
Até 1945 foi peão caseiro, sota-capataz de estância e
tropeiro, quando, então, ingressou no Exército, antigo 3º RCM, atualmente 6º
Batalhão de Engenharia de Combate.
Lembra que quando o marechal Mascarenhas de Morais
retornava do teatro de guerra na Europa, teve o prazer e a oportunidade de
apresentar armas a ele, quando desembarcou na gare da estação férrea de São
Gabriel.
O comandante da Força Expedicionária Brasileira (FEB),
veio em trem especial. Na chegada a cidade foi acompanhado por duas guardas,
representando às três unidades militares aqui sediadas na época, 9º RCI, 3º RCM
e a Companhia de Transmissões.
Depois aconteceu uma recepção no Quartel do 3º RCM,
ocasião em que o coronel Osvaldo Menna Barreto, comandante da Guarnição
Militar, deu-lhe as boas vindas. Seguiu-se a celebração de uma Missa Campal
frente a casa onde Mascarenhas de Morais nasceu, o prédio onde funcionou a
antiga Coopex, na Praça Doutor Fernando Abbott.
Em 1946 “Canário Alegre” deu baixa do Exército e começou
a trabalhar em granjas de arroz, a domar e fazer outros trabalhos campeiros.
Em 1949 resolveu ganhar a vida em outras plagas, indo
para a Argentina. Ficou por lá até 1953, quando voltou para São Gabriel, para
casar com Valda Marques dos Santos, com quem teve cinco filhos. E começou a
trabalhar como servente de pedreiro e estivador.
Já existia na cidade a Rádio São Gabriel, fundada em 25
de outubro de 1949. O gerente na época em que o “Canário” retornou a cidade era
o radialista Ataíde Ferreira, meu conterrâneo de Dom Pedrito.
Quando meu saudoso pai, José Tavares, arrendou a antiga
Rádio Ponche Verde, de Dom Pedrito, hoje Rádio Sulina, conheci um irmão do
Ataíde de nome Ernesto, que trabalhava na técnica de som.
O INÍCIO NA RÁDIO SÃO GABRIEL
A Rádio São Gabriel apresentava um programa gauchesco de
grande audiência chamado “Inverno no Galpão”, dirigido pelo locutor Omar Barbosa,
que depois foi trabalhar em rádios de Porto Alegre.
Para que o programa tivesse continuidade, Ataíde Ferreira
convidou “Canário Alegre” para ser o novo apresentador. O gerente da emissora
tornou-se amigo do tradicionalista, ao ouvi-lo cantar e trovar em festas na
cidade.
E de fato isso aconteceu. “Canário” então deixou seu
trabalho na Hidráulica onde estava há alguns meses, para se dedicar
exclusivamente a nova tarefa.
No inicio tudo correu bem, até o dia em que a emissora
atualizou os valores cobrados pelas publicidades. Com isso o programa
praticamente ficou sem anunciantes e foi tirado do ar.
Já com família constituída e o nascimento do primeiro
filho, “Canário” foi ganhar a vida trabalhando como esquilador. Algum tempo
depois, as coisas se normalizaram e ele voltou aos microfones da Rádio São Gabriel.
O programa mudou de nome, em vez do tradicional “Inverno
no Galpão”, passou a chamar-se “Campereando pelo Rio Grande”. Meses depois
foram criados novos programas, “Rancho Alegre”, “Sentinela dos Pagos” e “Galpão
da Querência”.
Trabalhou com o gerente Zenon Martins por muito tempo,
até que houve um desacerto e “Canário” deixou a rádio onde militou por mais de
30 anos. Mudou de endereço, indo para a Rádio Batovi, apresentando um programa
tradicionalista nas tardes de sábado.
Antes, o apresentador José Boaventura Félix, apresentava
um programa, também gauchesco. E como era muito amigo do “Canário”, sempre
aguardava sua chegada com alguma brincadeira. Até lembro de uma:
“Que bom que você já esteja “aqui”, “Canário”. Chegou bem
devagar, não é verdade”? E “Canário”, sem perder tempo respondeu: “É que sou de
casa, posso entrar pela porta dos fundos”.
O amigo “Canário” também teve intensa participação no CTG
Caiboaté, onde foi Peão Caseiro da Invernada Campeira, tendo viajado com a
entidade para apresentações artísticas em vários lugares do país.
Costumeiramente era convidado para festividades na 13º
Companhia de Comunicações, desde o tempo em que era comandada pelo capitão
Miller, depois pelo major Valter e mais tarde pelo capitão Deoclécio.
Começou a trovar em carreiras de cavalos, no Suspiro,
quando conheceu o capitão Bicca, que era um exímio trovador. Tinha também o
filho dele, o Maneco Bicca. Como tinha vontade de ser trovador, se juntou a
eles, cantando versos de quatro linhas.
E depois encontrou os senhores Raul Sotero de Souza e
Aristides Marques, que lhe deram muita força. E começou a trovar
profissionalmente em carreiras, bailes e fandangos.
Até que conheceu Gildo de Freitas, que era quatro anos
mais velho que ele e Francisco Bicca, com os quais se irmanou. E o Gildo então
lhe deu um bom incentivo, tendo trabalhado com ele em parques e circos. E assim
começou a carreira, tendo gostado e vencido vários trovadores. Enfrentou os
melhores do Rio Grande do Sul.
Trovou até com o próprio Gildo de Freitas, e naturalmente
que não teve condições de ganhar dele. Desafiou o “Garoto de Ouro”, Luiz Miller
e Portela Delavi, entre outros.
Apresentou-se pela primeira vez como trovador em Itaqui,
no ano de 1951, trovando com “Preto Limão”, já cancheiro no improviso. Surgiu
nessa época, quando se apresentava em carreiras, na campanha, o apelido de
“Canário Alegre”.
Outro fato marcante desse grande trovador é que no início
das suas apresentações improvisava em trovas de quatro versos e também fazia
poesia de improviso.
TROVA COM O PADRE POTRILHO
“Canário” recordou de uma trova que fez muitos anos atrás
com o padre Paulo Aripe, também conhecido por “Padre Potrilho”. Ele gravou e
deu uma cópia da fita de presente ao trovador gabrielense.
E fora disso lembrou de versos que fez em comemoração ao
“Dia dos Médicos”, durante uma grande festa realizada no CTG Caiboaté. Contou
que fez um verso para cada médico da cidade.
“Canário” não fazia grandes distinções entre os vários
tipos de músicas cantadas no Rio Grande do Sul. Se dizia admirador de xotes,
rancheiras e vaneirões. Não desprezava a chamada música nativa, se dizendo um
fã das canções de Leonardo, que considerava um grande cantor e compositor.
Também gostava muito de Barbosa Lessa. Acompanhava com
interesse os festivais nativistas. E confessava que sentava o pingo na rédea
quando escutava uma cordeona choramingando e dois trovadores se dando “puaços”.
Ou escutando as nossas músicas crioulas da época do chão
batido. Do caramanchão gostava muito e admirava. Nessa época era empresário do
“Conjunto Irmãos Ramirez”, que costumava se apresentar no CTG Três Querências,
do patrão Edgar Ramos. Gostava de ver a poeira na madrugada com uma gaita
chorando e um violão beliscando. Achava lindo.
“Canário” considerava um grande avanço para as nossas
tradições, o fato da gurizada desses novos tempos usar bota, bombacha e lenço
no pescoço. E da proliferação de grupos musicais de jovens, como o “Marca
Farroupilha”.
Contou ter conhecido em Caçapava um moço, filho de
fazendeiro, lá da Estância Velha, de Cachoeira do Sul, que era sobrinho do
doutor Milton Teixeira. A mãe dele era prima irmã do Chico Chiappetta.
De maneira que esse menino puxava cordeona, cantava
músicas novas desses conjuntos, e era também um grande ginete. Era bem
diferente daqueles outros magrinhos que foram para o iê-iê-iê.
“Canário” detestava manifestações racistas. Contou que
certa vez, no interior do município, parece que no Batovi, houve um fandango
organizado por um cidadão, que depois se elegeu vereador, cujo nome não vale a
pena dizer.
Num grande salão foi colocada uma corda no meio,
dividindo negros e brancos. Dizia que foi um fato bastante triste, lamentando
que a Polícia não tivesse acabado com a festa e prendido o responsável.
Sobre a música pornográfica que andou sendo divulgada
anos atrás no Rio Grande do Sul, como a composição “Bugio Gay”, “Canário” disse
que sendo um índio grosso, criado na rigidez dos costumes da campanha, achava
isso de mau gosto, fruto de pessoas que desejavam aparecer.
O que “Canário” gostava, na verdade, era de uma viola na
madrugada, uma serenata e de gente batendo na janela de uma chinoca e cantando
uma bela canção de amor.
AJUDOU MUITOS MÚSICOS
Uma coisa que o orgulhava bastante foi ter dado
oportunidade para que muitos músicos vencessem na carreira, tendo começado em
seus programas de rádio.
Foi o caso de Fernando Augusto, que começou com uma
gaitinha. E o pai dele, no violino. Pediram uma oportunidade no programa, o que
foi dado e depois ele foi para frente, comprou acordeona e conseguiu formar o
seu próprio conjunto. Comprou carro, ganhou dinheiro, viajou e até gravou
disco.
Tinha o José Boaventura Félix, que era do conjunto “Os
Vaqueanos da Querência” e hoje tem programa na Rádio Batovi. Esse moço estava
servindo e também começou no programa do “Canário”. E em agradecimento, o
radialista foi convidado para ser o padrinho do conjunto, até porque foi ele
que sugeriu o nome “Vaqueanos da Querência”.
O famoso cantor tradicionalista “Gaúcho da Fronteira”,
quando da “1ª Campereada de São Gabriel”, se encontrou com “Canário”, que disse
tinha muita vontade de conhecê-lo. E o “Gaúcho” retrucou: “Eu é que tinha
vontade de te ver, te dar um abraço e dizer que te devo uma grande atenção”.
“Canário” perguntou por qual razão, e “Gaúcho” lhe disse:
“Não lembra que num programa teu, quando tinha o Praça Hotel, em São Gabriel,
veio um senhor gordo de Livramento, com um piazote dos 13 ou 14 anos, com uma
gaitinha de 8 baixos? Era o meu tio e meu padrinho, que escutava o teu
programa. E o menino era eu. Foi a primeira vez que toquei em rádio.”
Em agradecimento, “Gaúcho da Fronteira” fez com que
“Canário Alegre” autografasse o seu primeiro LP, que o nosso querido amigo
guardou como valiosa relíquia até o dia de sua morte.
“Canário” garantiu que não juntou dinheiro na sua
carreira artística. Não tinha conta bancária. No rádio não tinha carteira
assinada, vivia das comissões de propaganda que conseguia e dos terrenos, casas
e gado que comercializava.
OSÓRIO SANTANA FIGUEIREDO
Como faço em cada matéria que escrevo sobre São Gabriel e
os seus vultos mais brilhantes, procuro o historiador Osório Santana
Figueiredo, que sempre tem um algo a mais para contar. E com “Canário Alegre”,
não foi diferente. Disse o amigo Osório:
“Conheci por demais o velho “Canário Alegre”, nome
artístico, que ele se pôs no quartel. Em 1946 sentamos praça no extinto 3º RCM.
O Canário veio no mesmo trem para sentar praça comigo. Éramos da classe de
1924.
Ele começou a trovar com os soldados no Esquadrão. Depois
o Carlos da Silva Leite, lançou o primeiro programa de cunho tradicionalista na
Rádio São Gabriel, “O Inverno no Galpão”.
O Lázaro Xarão fazia parte e levou o “Canário Alegre”
para o Rádio e fez grande sucesso. Na época eu vivia lá pela Rádio e não lembro
do Omar Barcellos. Outro que não ouvi falar é o tal capitão Bicca.
O Marechal Mascarenhas chegou em São Gabriel em 1946.
Éramos recrutas. Não lembro do “Canário Alegre” fazer, nessa ocasião, qualquer
comentário. Talvez em outras ocasiões que o Marechal esteve em São Gabriel. Mas
não sei.
E ganhou fama cantando e trovando nos CTGs e viajando
para dar shows. O “Canário Alegre” viajou e trovou com quantos repentistas
encontrou. Lembro de Gildo de Freitas e Garoto de Ouro. Ele viveu uma grande
temporada e tornou-se famoso.
Era muito apreciado e todo o mundo gostava dele. Viveu
sua época, o seu apogeu em São Gabriel. Nasceu na Palma, distrito de São
Gabriel. Era da minha idade. Deveria estar hoje com 90 anos, se vivo fosse.
Não lembro quantos anos faz que ele faleceu. Depois que
enviuvou ficou só e sozinho, se judiou muito e terminou morrendo lá pelos
fundos da COHAB, onde morava. Só teve filhos homens e não teve sorte com eles”.
“Canário” foi sempre assim: um homem simples que soube
usar o talento do improviso para deixar seu nome gravado de maneira definitiva
na história gabrielense e gaúcha. Sempre vestia trajes gaúchos, tal o seu amor
pelas nossas mais caras tradições.
“Canário Alegre” foi uma figura sem igual na vida de São
Gabriel. Não tinha posses, apenas uma pequena casa na periferia da cidade. Mas
sempre tinha um sorriso nos lábios. Era um homem dócil, respeitador, calejado
nas intempéries da vida e escolado na faculdade do mundo.
Pena que a cidade não lhe dê o valor merecido. Não tenho
certeza, mas acho que ele nem é nome de rua. Apenas uma homenagem sei que lhe
deram, foi na Rádio Batovi, onde existe o “Galpão Canário Alegre”, utilizado em
festas e programas radiofônicos.
ANDARENGO NEGRO
A professora Egiselda Xarão, de Porto Alegre, que faz
estudos sobre as trovas no Rio Grande do Sul, fez uma bonita poesia intitulada
“Andarengo Negro”, em que homenageia o nosso “Canário Alegre”. Publico o último
verso:
“Assim vai vivendo/Negro Guasca,/Alma Branca do
Improviso/cantando sempre contente/nos rodeios do rincão./É um canário que
canta/invocando a tradição;/Canário que canta alegre/
... Alegre, por vocação!”
Fico muito feliz em poder fazer esse resgate. E agradeço
a Deus por ter tido um dia a felicidade, junto com o amigo Paulo Mattos, de
gravar um depoimento de “Canário Alegre”, contando detalhes de sua existência.
E de guarda-lo até hoje, e assim poder fazer justiça a quem muito fez por nossa
terra e nossa gente.
E isso me consola pelo fato de não ter conseguido contar
a história da vida de Joel Moreira, um dos grandes nomes da radiofonia local, o
que me causou uma frustração muito grande. Havia combinado uma entrevista com
ele, mas o destino quis que falecesse poucos dias antes.
O mesmo aconteceu em relação a Rui Grillo, um dos maiores
nomes da radiofonia da cidade de Rio Grande, onde morei por muitos anos. Ele
morreu antes que a entrevista que marquei com ele fosse feita.
E para concluir este trabalho de saudade, nada melhor que
divulgar os versos que o “Canário” nos ofereceu, no dia em que gravamos sua
história.
Eu quero pedir licença/Aqui na Vila Maria/Ao contar a
minha vida/Vou cantar com alegria/Um abraço para o Paulo e outro pro Nilo Dias.
Meu prezado Nilo Dias/Que há muito eu conheci/Costeando o
Vacacaí/E o prezado amigo Paulo lá da Rádio Batovi.
Lá na Rádio Batovi/Aproveitando este horário/Fazer versos
de repente/Isto é muito necessário/E queiram aceitar um abraço do velho amigo
“Canário”.
Ao abrir minha cordeona/Eu vejo uma grande razão/De estar
na sua programação/Por isso faço essa homenagem/Do fundo do coração.
Vou cantar mais esse verso/Com prazer e boa fé/Que Deus
ajude esses moços/O nosso Santo Nazaré/Está chegando a minha hora/De ir lá pro
Caiboaté.
Deus sempre me ajudou/A fazer versos de repente/Por isso
que eu sempre peço ao Pai Onipotente/ Derramai paz e saúde/Nos coração dessa
gente.
Este é o último verso/Eu vou dar por terminado/Por tudo
que me fizeram/Eu fico muito obrigado/E a esses dois grandes amigos/O meu
abraço apertado.
Para encerrar, uma sugestão. Que se faça justiça a
“Canário Alegre”, dando seu nome a alguma instituição importante da cidade.
Quem sabe o “Sobrado da Praça”. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
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