São Gabriel pode-se orgulhar de
ser berço de vultos ilustres da história gaúcha e brasileira. Mas é uma pena
que essa história do município, tão rica, não faça parte do currículo de nossas
escolas, pelo menos às municipais. Mas sei que em boa hora vários professores,
por conta própria, valorizam em salas de aula esses personagens.
A diretora de “O Fato”, a amiga
Ana Rita Chiappetta Focaccia, me disse que as matérias históricas e culturais
publicadas em seu apreciado jornal, muitas vezes são aproveitadas em aulas nas
escolas de nossa cidade, o que me anima a continuar contando fatos sobre nossa
gente e nossa terra.
Entre esses personagens,
destaca-se Ptolomeu de Assis Brasil, que nasceu em São Gabriel no dia 26 de
março de 1876. Era filho do estancieiro Francisco de Assis Brasil e de Josefina
de Assis Brasil. E irmão de Joaquim Francisco de Assis Brasil, que se consagrou
como um dos mais importantes líderes políticos gaúchos de todos os tempos.
Ptolomeu ingressou na carreira
militar. Reformou-se como general de Brigada em janeiro de 1928. Foi
interventor federal em Santa Catarina. Exerceu a função até outubro de 1932
quando foi substituído por Rui Zubarán, também filho de São Gabriel.
Casou-se duas vezes: primeiro,
com Arlinda Porto de Castilhos, com quem teve quatro filhos e, depois de
enviuvar desta, com Dalmira Vieira, com quem teve um filho. Faleceu no Rio de
Janeiro, no dia 23 de agosto de 1935.
Publicou os livros “Papel da
cavalaria em campanha“ (1908) e “Batalha de Caiboaté” (1935). Seus pais, ao lhe
colocarem o nome de Ptolomeu, talvez nem imaginassem que o filho seguiria de
alguma forma os passos do importante cientista grego do século II.
Se não enveredou por todos esses
caminhos, o nosso Ptolomeu foi bacharel em Matemática e Ciências Físicas e um
engenheiro brilhante, que munido de uma trena, mediu trechos a pé, confrontou
informações obtidas no diário do comandante português, tudo para ser o mais
fidedigno possível e realizar a obra “Batalha de Caiboaté”, mostrando a
grandeza do índio José Tiaraju, o “Sepé”.
PRESENÇA INDÍGENA EM SÃO GABRIEL
Desde 2004, no mês de fevereiro,
os índios Guarani marcam presença em São Gabriel para homenagear Sepé Tiaraju,
símbolo da luta por uma terra sem males. Recordam um guerreiro Guarani que
lutou até as últimas consequências em defesa de seu povo e pelo direito de
viver em paz em seu território.
Sepé enfrentou no seu tempo os
dois grandes impérios da época, Espanha e Portugal, os quais tinham interesses
econômicos e políticos sobre os seus territórios.
Sepé não lutou sozinho, junto a
ele encontravam-se milhares de Guaranis e indígenas que não aceitaram deixar
sua terra, seu território em troca de interesses políticos, econômicos,
religiosos das grandes potências da época.
RESUMO DO LIVRO “BATALHA DE
CAIBOATÉ
Passo agora a contar alguns
detalhes da história dessa batalha, acontecida em solo gabrielense, fazendo um
resumo do livro de Ptolomeu de Assis Brasil, que pode ser adquirido na Livraria
do Senado, por apenas R$ 10.00. Os interessados podem acionar o endereço a
seguir para obter maiores informações:
http://livraria.senado.leg.br/edicoes-do-senado-federal/batalha-de-caiboate-episodio-culminante-da-guerra-das-missoes.html.
Ptolomeu desde a infância mostrava interesse pelos acontecimentos históricos de
São Gabriel, sua terra natal. E bem próximo de onde foi criado e viveu grande
parte de sua vida, existe uma coxilha denominada Caiboaté, onde se travou a
sangrenta batalha em fevereiro de 1756.
Isso motivou Ptolomeu a um dia
buscar as causas de tão triste evento. E isso se deu, após deixar o Exército.
Procurou reconstituir o sangrento episódio, procurando limitar o quanto
possível, o local em que tombou sem vida Sepé Tiaraju. Para tal, muniu-se de
documentos da época e empreendeu pacientes estudos históricos e topográficos.
Com a assinatura, pelos governos
espanhol e português, do Tratado de Madrid que passava o território ocupado
pelas missões jesuíticas para o domínio português e a Colônia do Sacramento
para o espanhol, os índios guaranis se rebelaram e passaram a atacar os
encarregados da demarcação da nova linha fronteiriça.
O conflito teve suas causas
quando os exércitos português e espanhol uniram-se para enfrentar os índios que
utilizavam a tática de guerrilha para retardar o avanço das tropas.
Num destes ataques, segundo o
general Ptolomeu Assis Brasil, às margens da Sanga da Bica, hoje, centro da
cidade de São Gabriel, foi morto o Corregedor de São Miguel Arcanjo, o cacique
José Tiarajú, o “Sepé”, no dia 7 de fevereiro de 1756, na famosa “Batalha de
Caiboaté”
O episódio aconteceu na
localidade de Caiboaté Grande, distrito de Tiarajú. Os índios guaranis
habitantes dos Sete Povos, comandados pelo cacique Nicolau Nenguiru,
enfrentaram as forças luso-espanholas na Coxilha do Caiboaté, no dia 10 de
fevereiro de 1756 e foram dizimados.
No local, situado a 20 km da
cidade, existe um monumento de forma piramidal, construído de pedras. Existe
também uma cruz de cimento que substituiu a cruz original de madeira ali
colocada no dia 7 de março de 1756 pelo padre Miguel Mayrá quando veio sepultar
os mortos.
A
MARCHA DOS EXÉRCITOS EUROPEUS
Ptolomeu de Assis Brasil fez um
resumo de como e por onde foi feita a marcha dos Exércitos europeus, de Santa
Tecla para o Norte.
A 23 de janeiro de 1756
pernoitaram os Exércitos em Santa Tecla. Avançaram dia 24 pouco mais de duas
léguas, pela Coxilha Geral, pousando nas Pontas de Camaquã, ao Norte do atual
Rodeio Colorado, onde estacionaram no dia 25.
A 26, confrontaram o arroio Ibirá-Mirim,
proximidades da hoje Coxilha de São Sebastião. Marchando a 27, rumo
Norte-Noroeste, ao cabo de légua e meia acamparam no campo que chamavam das
Palmas. Daí a duas léguas e três quartos transpuseram as pontas do Taquarembó,
a 28 e ali acamparam.
Depois avançaram para o campo de
Ybaassó (Ybaaro), andando uma légua e três quartos. Este acampamento ficava à
vista de Santo Antônio, o novo, em uma colina elevada a Oeste da Coxilha
Grande, entre as cabeceiras dos arroios Taquarembó e Jaguari, ambos afluentes
do rio Santa Maria no Ibaré-Grande (Ibicui do Tratado de Madrid), num sítio que
os de São Miguel chamavam Santo Agostinho, cerca de uma légua ao Sudoeste da
atual Estação Ibaré.
Nessa posição pode José Tiaraju
observar demoradamente os Exércitos inimigos, de um ponto adrede escolhido.
Verificou seu numeroso efetivo, viu que os 1.400 índios até então mobilizados
para a guerra, não bastavam para arriscar combate a fundo que lhe permitisse
decidir campanha com probabilidades de êxito.
Providenciou em consequência para
virem novos reforços dos povos, enquanto para ganhar tempo, junto aos 100
índios do reconhecimento com que se adiantara, procuraria em retirada, como já
vinha praticando, acometer em emboscadas bem calculadas os elementos dispersos
e os pequenos efetivos destacados do grosso do inimigo para forragear, em
diversos outros misteres. Com incessante mutuquear contava exaurir os inimigos.
O DECISIVO ESFORÇO DE SEPÉ
O plano de Tiaraju, evidentemente
promissor, era impedir a travessia da Serra Geral, onde pretendia com todos os
seus, empregar o decisivo esforço e onde a natureza lhe daria mão poderosa para
conter os passos aos generais e seus Exércitos, certamente por ele tidos como
precursores do seu exilio.
A tardinha o general castelhano
mandou o governador Viana com 200 homens, em reconhecimento à aldeia de Santo
Antônio, o novo, visível do acampamento e dele distante uma légua
aproximadamente. Os habitantes haviam fugido na noite anterior, devastando a
povoação e deixando frutas, aves e porcos.
Um dos poucos índios encontrados,
interrogado, reiterou o propósito em que todos se achavam de repelir
materialmente a usurpação de suas terras. Nesse dia Viana, acompanhado de uma
pequena patrulha e vaqueanos, avistou-se com sete índios que, aconselhados a mudarem
de intenção, responderam “que só conheciam a sua liberdade, recebida de Deus, e
as terras que se encontravam dependentes do povo de São Miguel, as quais
somente Deus, mais ninguém, as poderia tirar-lhes”.
Em consequência não passariam
adiante os espanhóis. Insistindo Viana em que prestassem obediência ao general
para evitar os horrores da guerra, disseram despedindo-se: “No caminho nos
encontraremos”.
Daquele ponto os Exércitos
seguiram em frente. Até que no dia 6 de fevereiro, gastaram cinco horas para
atravessar o rio Vacacai nas suas escabrosas vertentes.
No dia 7 acamparam ao meio-dia a
três léguas do último posto, junto à margem direita do rio Vacacai. Antes de
atingirem o pouso desse dia, uma légua antes do rio, encontraram quatro ranchos
de palha, um dos quais servia de capela e tinha paredes de pau-a-pique
revestidas de couro, pintado por dentro com uma tênue mão de cal.
A vida errante dos índios nos
campos, onde viviam correndo gado alçado, e os precários meios de transporte
que possuíam, não lhes permitia conduzir material de apartadas distâncias.
Pois bem, as caieiras que
existiam nessa zona, ficavam à margem do Rio das Canas, afluente do Vacacai que
desagua poucos quilômetros abaixo do sítio em que acamparam os expedicionários
nesse memorável dia 7.
Tal situação, nas proximidades do
Passo do Pinto, ficava a 4 ou 5 quilômetros acima da cidade de São Gabriel,
campos pertencentes à Estância do Trilha, que se tornou depois histórica.
Ela antigamente pertencia a José
Alves Trilha, genro de Antônio da Costa Pavão, primeiro concessionário e sogro
do Barão de Saicã, brigadeiro José Maria da Gama Lobo D’Eça, que foi casado com
Maria Alves Trilha. Deste casal era genro o Conde de Porto Alegre.
Os Exércitos percorreram desde o
Passo do Jaguari até ao acampamento junto à margem direita do Vacacai, seis
léguas. Sabe-se que o arroio Jaguari foi transposto no trecho do seu curso
entre as atuais Estações de Ibaré e Suspiro, mais para o lado desta,
prosseguindo pelas alvas das colinas em que está situada a Estância Tarumã,
outrora pertencente a Bento José Martins, ancestral do coronel Bento Martins de
Menezes, o Barão de Ijui.
A conclusão lógica e de que o rio
Vacacai tenha sido transposto uma légua abaixo do Passo do Ivo dos nossos dias
e depois, quatro léguas abaixo, medidas pela corda do arco que faz o seu
percurso, a jusante do Passo do Pinto, com término do qual havia uma charqueada
e uma parada da Viação Férrea, a SO de São Gabriel.
Logo que os Exércitos se
aproximaram da margem direita do rio Vacacai, onde acamparam, no dia 7,
avistaram muitos animais disseminados e alguns índios nos locais mais elevados.
A tarde o número de índios já era
grande. Soldados avançaram o sinal e foram carnear algumas das reses que os
índios deixaram como engodo. E foram atacados e mortos por cerca de 200 índios,
que depois fugiram em seus cavalos. Sem perda de tempo Viana, governador de
Montevidéu, comandante das tropas de vanguarda, reuniu os esquadrões espanhóis
e portugueses, avançando ao encontro dos Guaranis, alcançando-os cerca de uma
légua adiante.
E acometeu-os impiedosamente e
com tal firmeza que sob o fogo das primeiras descargas, fugiram
desabaladamente, deixando no campo do violento encontro sete mortos, inclusive
o seu grande e valoroso capitão “Sepé”.
A MORTE DE SEPÉ TIARAJU
Ali estava Sepé Tiaraju, o chefe
dos sublevados chamando a si a atenção pela arrogância do porte e dos gestos.
Um cavaleiro português o derrubou juntamente com o cavalo, ferindo-o com a
lança, não sem receber também uma ferida.
Segundo uma versão, que parece
plausível, quando Tiaraju era perseguido de perto, à disparada, o seu cavalo
rodando num buraco de tatu, ou guarachaim, magoou-o de tal modo que não pode se
levantar a tempo de evitar fosse lançado por um dragão português, e, em seguida
morto com um tiro de pistola, quase tiro de misericórdia, dado pelo próprio
governador de Montevidéu.
Acudiram logo outros índios, que
Viana fez frente até a chegada de reforços. Com a chegada da noite o conflito
teve uma trégua. Os índios contabilizavam 8 mortos e os militares dois mortos e
dois feridos.
Do ponto de vista militar,
tratou-se mais de um massacre que de uma batalha propriamente dita. As tropas
coligadas de Portugal e Espanha, que reuniam 4.000 homens, haviam massacrado
cerca de 1.500 índios das missões jesuíticas.
A carnificina foi tanta que, em
pouco mais de uma hora, quase todos os nativos estavam estirados no campo,
empapados pelo lodo formado pelo sangue e pela gosma da bosta dos cavalos. Os
dois lados haviam participado da batalha de Caiboaté.
Algumas centenas de índios
conseguiram fugir, mas 154 ficaram presos. O exército aliado sofreu apenas 4
mortos, três espanhóis e um português.
Os guaranis antes de fugir de
seus povos os incendiaram. E o pior que nunca se concretizou a troca, e em 1761
Carlos III anulou o tratado de Lisboa.
As Missões foram arruinadas, com
cerca de 10 mil mortos e os jesuítas acusados de instigadores da resistência
foram expulsos de Portugal em 1758 e de Espanha em 1767.
Os Bourbons foram mais longe e
pediram e conseguiram a dissolução da Companhia de Jesus através do Papa
Clemente XIV EM 1773.
A CHÁCARA JUCA TIGRE
A segunda esposa de Ptolomeu de
Assis Brasil, era filha do proprietário da chácara no prolongamento da rua
Tristão Pinto, o coronel José Serafim de Castilhos, o celebrado “Juca Tigre”
que lutou na Revolução de 1893 contra Júlio de Castilhos. Foi ele quem mandou
construir a residência da família Assis Brasil.
O local também foi a residência
do doutor Dácio Assis Brasil, filho do general Ptolomeu Assis Brasil, casado
com Lina Assis Brasil, filha do doutor Joaquim Francisco de Assis Brasil.
O doutor Dácio foi um dos
fundadores da Cooperativa Rural Gabrielense Ltda., da Cooperativa de Lã Tejupá
Ltda e presidente da Farsul e um dos principais idealizadores do Frigorífico
Santa Brígida.
Ptolomeu de Assis Brasil nasceu
em São Gabriel, no dia 26 março de 1878 e faleceu no Rio de Janeiro, em 2 de
agosto de 1935. Era filho do estancieiro Francisco de Assis Brasil e de
Josefina de Assis Brasil e irmão de Joaquim
Francisco de Assis Brasil.
Foi casado com Arlinda Porto de
Castilhos e Dalmira Vieira. Pai de Avelino de Assis Brasil, Darwin de Assis
Brasil, Dácio de Assis Brasil, Antônio José de Assis Brasil e Arlinda de Assis
Brasil.
Ptolomeu de Assis Brasil é hoje
nome de rua em Mafra (SC), Curitibanos (SC), Rosário do Sul (RS) e na Vila
Santa Brígida, em São Gabriel. Foi ele que mandou construir o “Castelinho”
existente na “Estância do Panorama”, no “Corredor do Aníbal”, na localidade de
Cerro do Ouro. (Pesquisa: Nilo Dias - Matéria publicada no jornal "O Fato", de São Gabriel-RS)
Ptolomeu de Assis Brasil, autor do livro "A Batalha de Caiboaté". (Foto: Álbum da Família Assis Brasil)
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