O livro “Voluntários do Martírio”, publicado em 1896 por Ângelo
Dourado, médico da força revolucionária é um verdadeiro clássico sobre o
assunto, um valioso documento sobre as forças de Gumercindo Saraiva.
Foi ele que prestou socorro aos feridos no “Pulador”, em que
calcula em 1.500 homens a força “maragata”, 800 dos quais lanceiros comandados
por Prestes Guimarães, de Passo Fundo, e em 3 mil os combatentes “pica-paus”,
distribuídos em três quadrados de infantaria, com mil guerreiros cada.
O general Prestes Guimarães, além de advogado, foi um dos grandes
líderes da região, estando à frente inclusive da Revolução Federalista. Segundo o historiador e diretor do Instituto Histórico de Passo
Fundo, Fernando Miranda, havia uma rixa entre Prestes Guimarães e o então
coronel Chicuta, herói da guerra do Paraguai.
O historiador conta ainda que, por volta de 1892 a briga entre os
dois teve início devido a um ser favorável a República da época e o outro
contrário. A rivalidade dos dois marcou a história de Passo Fundo, sendo que
hoje, Coronel Chicuta se tornou nome de uma das principais ruas da cidade. Já
Prestes Guimarães, se tornou nome de uma escola do município.
Ângelo Cardoso Dourado nasceu em Salvador (BA), a 6 de outubro de
1856, e faleceu na cidade gaúcha de Rio Grande, a 23 de outubro de 1905.
Formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1880, prestou
serviços médicos ao Exército, vindo a deslocar-se para o Rio Grande do Sul e
exercendo sua profissão na cidade de Bagé, onde manteve sua família e atingiu
projeção política, chegando a ser presidente da Junta Administrativa em 1890.
Participou ativamente do movimento rebelde que sacudiu o Sul do Brasil à época
da formação republicana.
Adepto dos revolucionários federalistas, Ângelo Dourado emigrou
para Melo, no Uruguai, onde também exerceu a Medicina, e foi nomeado coronel do
“Exército Libertador”, como se autodenominavam as forças rebeladas, percorrendo
as terras do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, com as tropas do chefe
maragato Gumercindo Saraiva em suas empreitadas contra as forças governistas.
Encerrada a revolta, permaneceu em terras rio-grandenses e exerceu
a Medicina em várias localidades gaúchas, como na cidade de Rio Grande, na qual
foi médico oculista.
Após atravessar o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com mais de
cinco mil homens, e ameaçar Curitiba, Gumercindo retornou ao Rio Grande do Sul com
um exército reduzido e esfarrapado.
Realizava uma das maiores façanhas militares da história do
Brasil, comparável à “Retirada de Laguna”, durante a guerra contra o Paraguai,
alguns anos antes, e à “Coluna Prestes”, três décadas depois.
No lugar denominado “Tope”, os revolucionários receberam o comunicado
do coronel Veríssimo de que continuava no Passo Fundo, tendo sepultado os seus
mortos. Ele calculou o número de cadáveres deixado pelo inimigo em 800, não
podendo se saber ao certo, porque muitos estavam confundidos com os dos
inimigos.
O POTREIRO DAS ALMAS
A prática da degola dos prisioneiros não foi rara em ambos os
lados contendores, adquirindo o caráter revanchista. Por muito tempo foi
atribuído ao coronel maragato Adão Latorre a degola de 300 "Pica-paus" prisioneiros, às margens do Rio Negro, contidos em um cercado (mangueira de
pedra) para gado, que ficou conhecido como “Potreiro das Almas” nas cercanias
de Bagé, hoje em território do município de Hulha Negra, em 23 de Novembro de
1893, após a "Batalha do Rio Negro".
O fato, porém, é desmentido por vários documentos históricos, como
o "Diário" do general Maragato João Nunes da Silva Tavares, que refere o número
de 300 como sendo as baixas totais do inimigo, entre mortos em combate e
feridos.
O general afirmou que o número de degolados foi de 23
"patriotas", membros das forças provisórias castilhistas, assassinos
conhecidos em todo o Estado, pelas tropelias cometidas contra os Federalistas,
particularmente no saque a Bagé no final de 1892 pelas forças dos coronéis
castilhistas Pedroso e Motta.
Correm histórias em Bagé, que a noite, no “Potreiro das Almas”, os
corajosos que se atrevem a ir até lá, conseguem escutar os lamentos dos
degolados.
Em 1993, "Centenário da Revolução Federalista", a Urcamp Bagé,
através do professor, pesquisador e historiador doutor Tarcísio Antônio da
Costa Taborda, realizou um conclave em comemoração a data, quando anunciou que
Adão Latorre era um tenente-coronel do Exército Uruguaio e que atuava como
mercenário na dita revolução.
Já no ano 2004 membros do "Núcleo de Pesquisas Históricas de Bagé", visitaram
o túmulo de “Chico Diabo” (na Guardinha) e logo a seguir o de Adão Latorre
(cemitério de Santa Tecla) aproximadamente a oito quilômetros de Bagé.
José Francisco Lacerda, vulgo “Chico Diabo”, nasceu em Camaquã, no
ano de 1848 e morreu em Cerro Largo, no ano de 1893. Foi um militar (cabo)
brasileiro que lutou na "Guerra do Paraguai" e ficou famoso por ter matado o
ditador paraguaio Francisco Solano López, na "Batalha de Cerro Corá", ocorrida em
1º de março de 1870.
"Chico Diabo" nasceu numa família de poucos recursos e, ainda menino,
empregou-se na carniçaria de propriedade de um italiano, em São Lourenço do
Sul, município vizinho à Camaquã, sua terra natal. Nesta carniçaria fabricava
produtos como charque, linguiça e salame.
Em 1863, quando contava apenas 15 anos, Chico descuidou-se da
vigilância e um cão entrou no recinto onde estava guardada a carne, devorando
alguns pedaços. Ao tomar conhecimento do ocorrido pelo próprio Chico, o
italiano passou a agredi-lo.
O menino tomou de uma faca usada no seu trabalho e matou seu
patrão. De imediato, fugiu a pé para a casa de seus pais, onde chegou na manhã
do dia seguinte, portanto caminhando um dia e uma noite sem parar para
descanso.
Ao ver um vulto, ao longe, a mãe de Chico exclamou: “Garanto que é
aquele diabinho que vem vindo”. Por causa desta frase, ganhou o apelido de “Chico
Diabo” que o acompanhou pelo resto da vida.
Os pesquisadores aproveitaram para conhecer o local onde moravam
os pais de Adão Latorre, no lugar conhecido como “Rodeio Colorado”. Sabe-se que
o coronel Manoel Pedroso depois de atear fogo na "Estância do Limoeiro" cruzou
pelos “Olhos D’Água” e a poucos quilômetros, próximo a Encruzilhada, degolou os
pais de Adão Latorre e ateou fogo no seu rancho.
Por esse motivo é que Adão Latorre se apresentou como voluntário
aos revolucionários com o intuito de vingar o assassinato de seus pais por
Manoel Pedroso, o que aconteceu com a sua degola.
Contam que Pedroso, antes de morrer, pediu a Adão que entregasse
um anel de seu uso a uma filha residente em Pelotas, o que foi feito pelo
degolador. Passaram-se anos e segundo as pessoas que conviveram com Adão, este era
um cidadão de paz, amigo e servidor.
Pedro Antônio de Souza Neto, o “Tio Pedro”, ferreiro do antigo 12º
RC, hoje “3º Batalhão Logístico Presidente Médici”, contou que no ano de 1923,
com a patente de 3º sargento do Exército, foi designado a integrar um pelotão
para fazer o translado do corpo de Adão Latorre, do "Passo da Maria Chica" (Ferraria, Dom Pedrito) para Bagé, onde foi sepultado no cemitério de Santa
Tecla onde se encontra até hoje, juntamente com seu irmão, o major João
Latorre.
Segundo informações, Adão Latorre foi fuzilado pelos capangas do
major Antero Pedroso irmão de Manoel Pedroso em uma emboscada. Pedro Antônio de
Souza Neto desempenhou suas funções no "3º Batalhão Logístico", até os 90 anos de
idade, vindo a falecer com toda a sua lucidez, aos 93 anos.
Ele tinha dois filhos com sua primeira companheira, Maria
Francisca Nunes, João Latorre e Nicamoza Latorre, ambos uruguaios. Deixou oito
braças de sesmaria e a casa onde morava para Josefina Machado, sua segunda
companheira.
A FACA DE ADÃO LATORRE
Adão Latorre foi contemplado com uma composição musical de autoria
de Moisés Silveira de Menezes, intitulada “A faca de Adão Latorre”:
A faca, lâmina, cabo/ferro e pau-ferro fundidos/a faca parte,
reparte/corta, perfura, ponteia/passa, perpassa, transpassa./A faca fere se é
fera/o mando que ergue a mão/garra tenaz que a sustenta/fera feroz fere a faca/por
isso ferro com fio/fio de vida, fio de morte/vida fugaz, fio da faca.
A faca de Adão Latorre/é faca na mão de negro/negro acuado, negro
fera/negro ferido de açoite/tronco amarrado no tronco/marcas de algemas nas
mãos/correntes nos pés descalços./Tem olhos negros a faca /olhos de medo,
assustados/noite nos olhos a faca/olhos de vida fugindo/pelo fio fino da faca.
A faca de Adão Latorre/traz marcas, marcas doridas/canaviais,
minas, senzalas/África, banzo, savana/revoltos mares bravios/porão cheio, porão
sujo/úmido, fétido, impuro./Grilhões arrastando gente/ao rumo desconhecido/leilão,
chicote, trabalho,/não cantavam tribos negras:/"Mérica, mérica,
mérica".
A faca de Adão Latorre/é faca rumo à garganta/do branco que tem o
mando;/dono de tudo e de todos,/senhor de terras e almas./É faca do oprimido/a
mando de outro opressor/cumpre ordens negro velho/brancas ordens, ordens sujas/vai
pra história negro Adão/bandido, degolador/feroz de faca na mão.
Um grande rio o Rio Grande/o Rio Negro rubro vivo,/rio de sangue/negro
ingrato,/anjo sinistro da morte./A vida no fio da faca/vertendo sangue de
irmãos,/irmãos de distintos lenços./Guilhotina em movimento/estranho açougue de
gente,/pergunta que não se cala:/A quem vingava Latorre/feroz de faca na mão?
Pedroso, o coronel branco/porque preso, presa fácil/negaceia,
regateia/pensa até que a vida vale/vida de homem de bem/vida de homem valente/Vida
opressora não vale/na mão de negro oprimido,/mas o mando é sempre branco,/no
final, manda Pedroso:/"Então degola, degola/negro filho de uma puta."
A faca de Adão Latorre/cortou bem forte e bem fundo/a carne viva
da história./Inconsciente, rude e feia/a cicatriz do Rio Negro/desnuda a casta
social/brandindo a lâmina crua/sangrando vidas e vozes./Mas a pergunta não
cala:/Cumprindo ordens de branco/a quem vingava Latorre/feroz de faca na mão?
O COMBATE DO BOI PRETO
Em 5 de Abril no “Combate do Boi Preto” houve a degola de 250
maragatos em represália à “Degola do Rio Negro”. O pica-pau “Cherengue” ou “Xerengue”
rivalizou com Latorre em número de degolas praticadas. Seu apelido, em
linguagem popular, queria dizer faca ordinária.
O “Cherengue” ou “Xerengue” deu lugar a uma poesia feita por um
poeta jornalista e que apareceu em “O Canabarro”, em 1903. Tratava-se de uma
das costumeiras bicadas do jornal.
Já que pedem, cedo/Por hoje esta bicada;/Mas confesso tenho medo/Do
João Francisco e Brigada/Xerengue não é brinquedo/Bicar assim corro risco/Por
tanto confesso medo/Da Brigada e João Francisco.
Muitas vezes a degola era praticada em meio a zombarias e
humilhações. Embora não com frequência, poderia ser antecedida por castração.
Conta-se, por exemplo, que apostas eram feitas em corridas de degolados.
Na degola convencional a vítima, ajoelhada, tinha as pernas e mãos
amarradas, a cabeça estendida para trás e a faca era passada de orelha a orelha,
como se degolasse uma ovelha, rotina nas lides do campo.
Os ressentimentos acumulados, as desavenças pessoais, somados ao
caráter rude do homem da campanha acostumado a sacrificar o gado, tentam
explicar estes atos de selvageria.
Do ponto de vista militar e logístico a degola decorria da
incapacidade das forças em combate de fazer prisioneiros, mantê-los
encarcerados e alimentá-los, pois, ambas lutavam em situação de grande penúria.
Procurava-se, pelo mesmo motivo, poupar munição empregando um meio rápido de
execução.
Durante a Revolução de 1893, o município de Cruz Alta foi
apelidado de "Ninho dos Pica-paus", sendo um dos mais importantes
palcos dos acontecimentos, e também o lugar onde a prática da degola neste
período foi mais intensa.
Cruz Alta foi atacada em 26 de agosto de 1894 pelas tropas
maragatas sob o comando de Aparício Saraiva, irmão de Gumercindo Saraiva (morto
dias antes em Carovi, perto de Santiago), com aproximadamente 1.500 homens. A
cidade foi atacada por oito horas sem tréguas.
A HIENA DO CATY
No "Combate de Campo Osório", a 24 de junho de 1895, episódio final
da revolução federalista e onde foi morto a golpe de lança o almirante Luis
Felipe Saldanha da Gama pelos cavalarianos gaúchos da força de provisórios, sob
o comando do coronel João Francisco Pereira de Sousa, denominado por Flores da
Cunha a "Hiena do Caty", foram degolados dois guardas marinhas das
hostes do malogrado almirante.
Com os prisioneiros contidos e deitados, o cabo degolador do coronel
João Francisco debruçou-se sobre eles suspendendo com o pé direito a cabeça das
vitimas. Com a mão esquerda conteve a respiração, colocando os dedos nas fossas
nasais e a palma da mão sobre a boca do rapaz.
As veias do pescoço ressaltadas e entumecidas, neste momento a mão
direita enterrava a lâmina da faca logo abaixo do queixo num vai e vem. A
degola se consumara.
Este relato consta de uma carta de testemunha ocular do episódio e
se encontra no arquivo do historiador gaúcho Alfredo Jacques, através do seu
"Dom Ramon", no livro "Os Provisórios”.
E explica: "Degolar não era tão fácil como parecia. Requeria
ciência. O gaúcho velho explicava minucias, ensinava processos e concluía: "Hay
dos maneras de degolar um cristiano, a la brasilera (dois talhinhos seccionando
as carótidas, a la criolla (de orelha a orelha).
Esses processos de degolamento, utilizados em nossas lutas
revolucionárias, constituem um ato que desmente todo o tradicional no
gauchismo, pois reflete terrível covardia: matar um adversário contido,
amarrado, já vencido e muitas vezes ferido.
Inúmeros foram os casos em que a faca do degolador atingiu o osso
hióide, as cartilagens de traquéia ou da laringe, não ocasionando morte, mas o
ferimento era gravíssimo, pois realizava a abertura dos órgãos respiratórios e
digestivos, junto ao pescoço.
Sabe-se de relatos de um médico que suturou vários destes
traumatismos durante a revolução de 1923, exigindo trabalho cirúrgico de grande
perícia para sua resolução.
O acaudilhamento do chefete-guerrilheiro rural surgia de sua
insegurança patrimonial, sem terra, ignorante na interpretação da doutrina
politica e da valentia fanfarrona até hoje cantada pelos trovadores.
Um clássico da música nativa do Rio Grande do Sul é “Colorada”, de
autoria do cantor e compositor Mário Barbará:
Olha a faca de bom corte olha o medo na garganta/O talho certo e a
morte no sangue que se levanta/Onde havia um lenço branco brota um rubro de sol
por/Se o lenço era colorado o novo é da mesma cor.
Quem mata chamam bandido quem morre chamam herói/O fio que dói em
quem morre/Na mão que abate e não dói/Na mão que abate e não dói.
Era no tempo das revoluções/Das guerras braba, de irmão contra
irmão/Dos lenço branco contra os lenço colorado/Dos mercenário contratado a
patacão.
Era no tempo que os morto votavam/E governavam os vivos até nas
eleição/Era no tempo dos combate a ferro branco/Que fuzil tinha mui pouco e era
escassa a munição;
Era no tempo do inimigo não se poupa/Prisioneiro era defunto e se
não fosse era exceção/Botavam nele a gravata colorada/Que era o nome da degola
nestes tempos de leão.
Há poucos anos a professora de um colégio durante uma festa
tradicional, fez um dos meninos recitar publicamente este versinho de nosso
folclore: Quem arrogante pisar/No poncho da gauchada/Há de sentir a vacina/Da gravata colorada...
Durante a “Revolução Paulista de 1932”, um grupo de gaúchos, “Os
Pé no Chão" de Palmeira das Missões, liderados pelo caudilho Vazulmiro
Dutra, entrincheirados perto de um posto paulista, junto à fronteira
paranaense, gritavam á noite: "É só te pegar que te passo a gravata
colorada".
Pois numa das viagens do então presidente do Brasil, Getúlio
Vargas (isso durante o Estado Novo), alguns coronéis e pecuaristas resolveram
homenagear o ditador com uma grande churrascada no Country Club. Nessas idas e
vindas um tanto fisiológicas, uma década depois, Vazulmiro fora nomeado
delegado regional do Instituto Nacional do Mate.
Por coincidência, o coronel estava ao lado de Vargas na imponente
mesa quando trouxeram o espeto com a costela para servir o presidente.
Aproveitando a ocasião, Vazulmiro puxou da cintura um facão
enorme, oferecendo-se para servi-lo. Getúlio, ao ver de quem se tratava, fitou
o coronel com uma cara marota - que entendeu perfeitamente a brincadeira. E
respondeu, entre risos gerais: “Calma doutor Getúlio, essa faca o senhor não
precisa se preocupar não foi usada ainda”.
A arma fundamental do gaúcho é a faca, instrumento que serve para
tudo: carneia o gado, embeleza suas vestimentas, mata o inimigo e até apara e
limpa as unhas. Cada vez que alardeia valentia, a faca esta aí para garantir.
Vazulmiro cumpriu as etapas de um genuíno caudilho, conforme
escreve Loiva Otero Félix. Exercitou-se na vida econômica, foi estancieiro,
assumiu papel político e adquiriu condição de chefe militar.
Patriarca como o foram quase todos os caudilhos do Rio Grande do
Sul, exerceu diversas funções públicas. Participou da Revolução de 1923, ao
lado do Partido Republicano Rio-grandense, limitando sua ação à região de
Palmeira das Missões. Existem várias tendências da historiografia sobre a
presença dos caudilhos no Rio Grande do Sul.
OS GRANDES CAUDILHOS
O caudilhismo foi traço marcante no Rio Grande do Sul, em face da
ocupação militarizada da área fronteiriça. Não pode ser dissociado de seu
contexto platino, já que são constatadas aproximações e semelhanças.
A oligarquia rural é fornecedora de caudilhos, revolucionários e
legalistas, tanto em nível regional como nacional, já que a classe dominante
rio-grandense, os estancieiros, fazia valer sua posição do poder central, em
relação à classe dominante regional, ora apoiando o governo central, se
houvesse interesses comuns, ora auxiliando os revolucionários, se em conflito
com os interesses oligárquicos.
Os nossos grandes caudilhos foram produtos das planícies: Pinheiro
Machado, Borges de Medeiros, Getúlio Vargas, Flores da Cunha, Honório Lemes, Assis
Brasil, Felipe Portinho, João Francisco Pereira de Sousa, Antônio Ferreira
Prestes Guimarães e o mais famoso de todos, o gabrielense José Serafim de
Castilho, “Juca Tigre”, conhecido como “Peito de Ferro” e outros.
Todos os degoladores de nossas forças revolucionárias eram homens ignorantes
e sem terra, mas com formação e elã telúrico de valentia inata. O ato de
agradar ao patrão que o escravizava, justificava qualquer tarefa e a degola era
o que mais impressionava seus chefes.
Psicologicamente o degolador era um místico e o chefe, um
realista. Matar era um ato de rotina e o mais fácil era usar a arma predileta a
faca, e as carótidas estavam somente protegidas por uma massa muscular mole,
facílima de ser seccionada.
E a prática esmerou a técnica. Leonel Rocha que foi um caudilho à
pé, não pampiano, e teve como companheiros os "mateiros do Alto Uruguai”,
pelo que se conseguiu investigar, não permitiam a degola.
Pequeno agricultor e quase analfabeto, Leonel Rocha trabalhava de
enxada em terras que não lhe pertenciam, o que o diferenciava de todos os
demais caudilhos gaúchos.
Em 1923, reuniu uma coluna de quase mil homens, mantendo combate
com a maior e melhor parte da coluna do General Firmino de Paula.
Os fazendeiros o desprezavam, os roceiros viam nele um espelho de
seus próprios sentimentos, um depositário de suas insatisfações, preconceitos e
de suas vagas esperanças.
A DEGOLA EM CANUDOS
E a degola gaúcha se fez presente em Canudos, na Bahia. Euclides
da Cunha, ao tratar do gaúcho tece loas à combatividade da Infantaria do Sul,
que qualificou como “uma arma de choque”: “Podem suplantá-la outras tropas, na
precisão e na disciplina de fogo, ou no jogo complexo das manobras. Mas nos
encontros à arma branca aqueles centauros apeados arremetem com os contrários,
como se copiassem a carreira dos ginetes ensofregados das pampas”.
Apesar desses elogios românticos, a crueza dos fatos venceu o
estilo euclidiano. Com seus próprios olhos, o escritor compreendeu o que
significava a especialidade daqueles homens no manejo da “arma branca”.
Os gaúchos agarravam cada derrotado pelos cabelos, lhe dobrando a
cabeça, esgargalando o pescoço e, francamente exposta a garganta, degolavam-na.
Conforme Manoel Benício, correspondente do “Jornal do Commercio”, do Rio de
Janeiro, essas degolas ocorriam “sem diferença de sexo e idade”.
Para suas vivências nos cenários da guerra transpunham, assim, as
técnicas das “charqueadas” dos pampas, impressionante matadouro destinado a
obter a matéria-prima para fabricar o charque (carne-seca), principal produto
de exportação, onde se habituavam a conviver com a morte violenta.
É possível imaginar os soldados gaúchos transitando nos espaços
dos combates com os canos das botas e as bombachas ensanguentadas, insígnias
onde tinham limpado as armas assassinas e onde tinha respingado o sangue das
vítimas.
Pensávamos que barbaridades, tão tétricas quanto cabeças
decepadas, jamais sairiam do passado. Mas os ditos humanos não têm mesmo jeito.
Não é que o barbarismo está de volta? Por sorte, bem longe daqui.
Ele agora nos é servido com uma pitada a mais de crueldade: a
divulgação pela Internet dos crimes do “Estado Islâmico”. Os novos Adões
Latorre, de rosto escondido, espalham-no pelo mundo, de forma a que todos,
inclusive os apavorados familiares das vítimas, o presenciem. (Pesquisa: Nilo
Dias)
Gravura de soldados "pica-paus" e "maragatos".
Chocante.
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