Personagens típicos de São Gabriel apareceram na
brincadeira. Resolvi, então, postar parte de uma crônica que escrevi e que está
no livro Crônicas.
Simplesmente
heróis
(...)E, de uma forma ordenada e simples,as imagens vão
desfilando. Entre elas, alguns vultos,figuras simples (...) que marcaram minha
infância, minha cidade.
Quase todo dia, ela vinha com a cesta coberta por um
guardanapo limpinho. Sinto ainda o cheiro do pão. Novinho. Coberto de
açúcar.Mulata velha, a Dorvalina vivia bêbada.
Lembro que se escorava no muro para não cair. Seus lábios
grossos dançavam de um lado para o outro, quando falava. Tudo parecia em
desacordo. Coitada da Dorvalina.
Tinha também a “Brasileira” ou “Siá Mulata”. Vestido
longo, chapéu tipo cangaceiro, peito cheio de medalhas.Sempre pelo meio da rua.
Dava a impressão de que desfrutava plenamente sua existência.O que passava por
sua cabeça? Não o soube naquela época, muito menos agora.
E o ceguinho , na porta da igreja ou da estação, a
repetir o refrão: “Uma esmola.Uma esmolinha.” Seus olhos opacos, sem nenhuma
réstea de sol,talvez recolhessem estrelas, enquanto à mercê da caridade
pública, esmolava a vida. Certamente, teria um nome. Mas nós o conhecíamos
apenas por “Ceguinho”.
A “Princesa” era uma figura interessante. Cabelos muito
longos, brancos. Mais conformados com o tempo que os meus.Parecia ter saído de
um castelo antigo. Elegante no andar (também andava pelo meio da rua) e na sua
pobreza, ia, diariamente, na Caixa Estadual, verificar seu saldo.
Quantos dígitos? Não importa. O que importa é que seu
olhar não revelava nem medos nem dramas. Apenas seu ar de princesa. Quem lhe
deu a alcunha? Desconheço. O certo é que a sincronia era grande. E lá ia a
“Princesa” rua abaixo, desfilando seu porte real.
Como estas, muitas outras figuras (Danielzinho, Maria
Polícia...) se mesclaram ao cheiro da laranja madura, aos banhos de chuva, às
mangueirinhas e boizinhos de osso... Pela mesma porta que entraram, lá vão
elas.
Minhas visitas. Componentes desta paisagem tão distante e
tão próxima, esses personagens viveram suas vidas, enganaram os momentos.
Transformaram o mundo da necessidade em um mundo de liberdade.
Eles foram palco. Eu, plateia.Nenhum venceu gigantes,
batalhas navais, índios – pelo menos na minha realidade- mas foram, de certa
forma, simplesmente heróis.
A amiga Ana Elizabeth Alves Bina foi de uma enorme felicidade ao escrever tão belo artigo.
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