Eu tinha um livro de poesias do Raul Sotero de Souza intitulado
“Desperta Rio Grande”, prosa e verso, que foi publicado em 1962 pela Editora
Pallotti, de Santa Maria. Quando de uma exposição de livros de autores de São
Gabriel, eu o emprestei ao saudoso amigo Nolan Scipioni, na época secretário
municipal de Turismo.
E deve ter ficado lá na Biblioteca Municipal até hoje. E pelo
tempo que faz, não vou mais busca-lo, fica como doação ao nosso estabelecimento
cultural.
Na verdade eu tinha dúvidas se Raul Sotero de Souza era mesmo
filho de São Gabriel. Segundo o pesquisador e historiador rosariense, Jorge
Telles de Oliveira, hoje radicado em Santa Maria, ele teria nascido em Lavras
do Sul.
Mas como sempre fazia, recorri ao “amigo-amigo” o saudoso historiador
Osório Santana Figueiredo, em quem confiava integralmente. E a dúvida foi
dissipada. Ele nasceu na Palma, município de São Gabriel, em 4 de março de 1895
e faleceu em Santa Maria, no dia 21 de novembro de 1972, aos 77 anos.
Seu Osório me contou que conheceu pessoalmente o tradicionalista,
tendo inclusive revisado um de seus livros. Raul era muito amigo do pai do
historiador, o que propiciou uma convivência mais próxima entre eles.
Na ótica de seu Osório, Raul Sotero de Souza foi o maior vate
campeiro que conheceu. Era um gaúdério. Não tinha paradeiro. Falavam que ele
tinha um filho que, no entanto, o historiador não pode descobrir.
Nem tem certeza se ele foi casado, mas que teve várias mulheres é
fato indiscutível. Sabe-se que um advogado de São Borja, de nome Israel está
escrevendo a biografia de Raul. Tentei contato com ele mas não consegui.
NÃO TINHA PARADEIRO
Na verdade Raul não costumava parar em um lugar só. Além de poeta
era também trovador repentista e gaiteiro, sendo comum vê-lo pelas emissoras de
rádio de Santa Maria e cidades vizinhas, como Jaguari, São Vicente, Mata, São
Pedro do Sul e outras.
Sei também que Raul escreveu mais um livro, “Inspiração de um
gaúcho”, com versos regionalistas e o “ABC sobre pelos de cavalos”, precedido
de uma explicação em verso, para o senhor Alfredo Faria:
Senhor
Alfredo Faria,/para seu lado vou eu/em busca de um cavalinho/que o senhor me
prometeu,/ e pelo tempo que faz/decerto já se esqueceu.
E como
promessa é dívida/o senhor tenha paciência;/mas peço me desculpar/eu estar com
exigência,/pois dizem que Deus ajuda/a quem faz a diligência.
Assim lhe
mando estes versos/para não mais esquecer,/que neles também lhe peço/pensar o
que vai fazer./Em prova de gratidão/vou mandar-lhe um ABC.
No ABC que
lhe mando,/nas mesmas letras declaro,/em qualquer qüera não ando:/o meu gosto é
muito raro./Mas dos pelos que eu explico,/Aceito, creia, meu caro.
Alazão é pelo
lindo!/se eu pudesse merecer/por ser a primeira letra/deste mimoso ABC./Baio
também me agrada,/se vós quiser me dar./Se não tiver por quem mandar,/eu mesmo
vou lá buscar.
Colorado,
gosto muito/por ser um pelo decente;/mesmo rosilho prateado/me deixaria contente./Doradilho
também serve;/é pelo que já gostei./também num zaino bragado/muita carreira
ganhei.
Entrepelado,
que lindo/por ser um pelo esquisito;/eu aceitava me rindo/porque sempre achei
bonito./Fazendo os versos que mando,/talvez tenha algum engano:/estava agora
pensando/que pode ser um tubiano.
Gateado é
pelo bem maula,/mas não quero pra carreira;/dá pra defender a pátria,/pra
salvação da bandeira.
Há! Que
saudade que tenho/do meu rosilho tostado!/De rédea, era uma balança!/Cortava por
qualquer lado./Escuro, me dá saudades/do tempo de minha infância:/era o que
mais eu zelava,/era o melhor lá da estância.
Já que
trato deste assunto,/desejo sair servido:/mesmo azulejo ou bragado,/não tenho o
tempo perdido./Cavalo branco é azar,/para os dias de trovoada:/como sou muito
devoto,/não tenho má fé de nada.
Lobuno na
cancha é maula,/mas no rodeio já presta./Se assim ganhar, me contento:/este
consolo me resta./Mouro é sempre garantido/num pelado de rodeio./Também overo
rosado/é pelo que não odeio.
No que
receba estes versos/feitos de tão boa fé,/deveis lembrar que um gaúcho/é triste
viver a pé./Oh! Que saudades que tenho/de um malacara que eu tinha,/das quatro
patinhas brancas,/presente de uma madrinha.
Picaço é
pelo macaco/de cavalo caborteiro;/mas se ganhar, me contento,/por não me custar
dinheiro./Que estes versos vão cair/nas mãos de muito boa gente,/que um pingo
dado de gosto/quem ganha fica contente.
Ruano é
pelo de gosto/por ele tenho paixão;/para apartar um rodeio/num dia de marcação./Salino
é pelo mui raro/que só por sorte da gente;/overo-chita e bragado/se ganho fico
contente.
Tordilho
no rio é peixe;/tostado é bom mas não tanto;/pampa de todos os pelos/também me
serve, garanto.
Uma
história bem escrita/a um homem de educação,/dá pra avaliar os poderes/da força
da inclinação./Vermelho de campo é um raio;/melado é fraco e traiçoeiro;/mas
este mesmo eu aceito/por não me custar dinheiro.
Xará, só
mesmo um acaso,/ou por ventura no mundo,/somente o pelo é remisso/que não alisa
um segundo./Zaino, vai por despedida,/com ele termino os versos;/que não se
esqueça de mim/mais uma vez eu lhe peço.
QUEM ERA ALFREDO FARIA
Pedi socorro ao historiador Osório Santana Figueiredo, sobre quem
era o senhor Alfredo Faria. E como sempre, solicito, me informou o seguinte:
Caro Nilo.
Conheci. Era um dos mais ricos estancieiros de São Gabriel. Proprietário da “Estância
do Céu”, “Estância do Batovi” e “Estancia Santa Delaide”. Foi prefeito nomeado
de São Gabriel, em 1936/1937.
Os seus
vencimentos de prefeito mandava que depositassem na conta da Santa Casa de
Caridade. Tinha dinheiro demais. Era conhecido como o homem que não gostava que
cobrassem as dívidas.
Por essa
razão o ferreiro Edmundo Vasconcelos, que recebia muito serviço do estancieiro
e conhecedor de suas manias, sempre ao ser perguntado quanto lhe era devido,
respondia que não era nada.
Depois,
mandava-lhe um bilhete pedindo certa importância em dinheiro, quase sempre além
dos valores do serviço realizado. O seu Alfredo, sem reclamar, mandava o
dinheiro. Era assim que ele gostava.
Certa
ocasião o ferreiro Edmundo recebeu de presente do estancieiro uma potranca, mas
nunca foi buscá-la. O seu Alfredo cuidou do animal que deu várias crias e formou
uma manada, que segundo ele era de propriedade do ferreiro.
Se achando
doente, o seu Alfredo viajou para Porto Alegre, mas antes entregou-lhe o seu
Jeep, dizendo: “É um presente para ti Edmundo. Vou para Porto Alegre e não
volto, meu caso é muito sério”. Era um homem de bom coração, prova disso que os
seus capatazes e posteiros das estâncias eram donos de grandes pontas de gado.
Alfredo
Faria era sogro de Raul Southall, a quem deixou as estâncias “Do Céu” e “Santa
Delaide”, mais a casa na cidade. A do “Batovi”, a maior ficou com a outra filha
casada com o coronel Saldanha, do Exército.
Mal o
sogro morreu, Raul foi à casa do seu Edmundo e requisitou o Jeep e negou-lhe os
cavalos que ele tinha na “Estância do Batovi”, dizendo: “Lá hoste non tiene
nadia”.
Seu
Edmundo nada reclamou. E a gente que trabalhava para o Alfredo Farias, foi toda
posta para a rua. Mas o destino muitas vezes dá o troco: Raul Southal, antes de
morrer ficou 10 anos paralítico, sentado numa cadeira de rodas, apenas olhando
para a rua.
EM MEMÓRIA DE TALCO CARDOSO
Outros versos de Raul Sotero de Souza que ficaram bastante
conhecidos foram feitos em memória de “Talco Cardoso”, famoso bandoleiro de São
Gabriel.
Na época em que apareceu essa décima (literatura de cordel), era
muito usada no Nordeste. Aqui no Sul era bastante disputada e vendida nos trens
de passageiros. A coisa ainda estava meio complicada, estavam muito verdes e
marcadas as estrepolias de “Talco” e de seus matreiros.
Raul Sotero também era compositor musical. Teve vários parceiros,
entre eles “Cerejinha”, com quem compôs as músicas “Saudade da minha terra” e
“Adeus Alegrete”.
Ivory Gomes de Mello, o “Cerejinha” foi músico e radialista gaúcho,
chamado de “Cardeal de Ouro”. Além da parceria com Raul Sotero de Souza, foi
autor de outras músicas de sucesso como “Briga de Casal” e “Como é Lindo o Meu
Rio Grande”, entre outras.
Foi autor de expressões muito usadas, como "Tá na hora do
traçudo véio!", sempre que ia comunicar o primeiro prêmio da loteria;
"Minha cumadre véia, tchau! Meu cumpadre véio, tchau! Vamo tramelá as
porta do ranchinho", cada vez que se despedia no seu programa diário. Sem
dúvida foi um verdadeiro ícone da cultura santamariense.
Raul Sotero participou, como trovador repentista, no programa
“Grande Rodeio Coringa”, que era levado ao ar nos domingos a noite pela Rádio
Farroupilha, de Porto Alegre, apresentado pelos tradicionalistas Darcy Fagundes
e Luiz Menezes.
Era o tempo áureo do rádio. Não havia televisão. Acho até que era
bem melhor, pois não convivíamos com trastes do tipo “Gugu”, “Ratinho” e
“Faustão”, entre outros.
No programa desfilavam muitos excelentes repentistas como Inácio
Cardoso, Teréco Oliveira, Genésio Barreto, Luiz Müller, Portela Delavi, Garoto
de Ouro, Preto Limão, Teixeirinha e Gildo de Freitas.
Eu lembro que lá em casa, na cidade de Dom Pedrito, onde nasci,
meus saudosos pais não deixavam de ouvir o programa. Sentados na sala, ao lado
do velho rádio de válvulas, acompanhavam atentamente o desfilar de atrações do
tradicionalismo gaúcho.
Darcy Fagundes nasceu em 1925, em Uruguaiana, e era o primogênito
de uma família de 11 irmãos, entre eles, o saudoso apresentador Antônio Augusto
Fagundes, o “Nico”.
A partir do programa, Darcy ficou conhecido pela alcunha de
"o gaúcho vaqueano do rádio", slogan criado por ele mesmo. Apresentou
também o programa dominical “Invernada Gaúcha”, na TVE/RS, e “Madrugada Gaúcha”,
na Rádio Gaúcha.
Faleceu em 22 de junho de 1984, vitimado pelo câncer, sendo até
hoje lembrado como um grande incentivador e cultivador da música e da cultura
rio-grandense.
Já Luís Menezes, o parceiro de Darci Fagundes, era filho de Quaraí,
onde nasceu em 20 de maio de 1922. Era folclorista, compositor, radialista e
cantor e autor de vários clássicos regionalistas gaúchos.
Exerceu suas atividades na Rádio Gaúcha, Rádio Farroupilha e Rádio
Difusora. Também apresentou programas de televisão na TV Piratini e TV
Bandeirantes.
Em 1954 fez sua festejada canção “Piazito Carreteiro”, que trazia
uma nova maneira para interpretar a música regional gauchesca.
TRIO GAÚCHO
Raul Sotero de Souza também fez parte do “Trio Gaúcho”, ao lado de
Chiquinho da Vila e Gildo de Freitas. Existem referências a Raul, no livro
“Gildo de Freitas” de Juarez Fonseca.
Raul teria ido ao Bairro Niterói, em Canoas, falar com dona Carminha,
esposa de Gildo, que há muito não vinha em casa e nem mandava notícias.
E Raul disse a ela que era ele quem mandava dinheiro para o
sustento da casa. Quando dos shows do Gildo, ele sempre tirava um pouco e
mandava para ela. E ao mesmo tempo avisou que o Gildo fora embora para outro
lugar, e não sabia mais notícias dele, e por isso teria de parar com a ajuda.
Leovegildo José de Freitas, ou simplesmente Gildo de Freitas era
natural de Porto Alegre, onde nasceu no Bairro Passo da Areia, no dia 19 de
junho de 1919. Faleceu também em Porto Alegre, no dia 4 de dezembro de 1982.
Possuía um estilo muito próximo ao do também tradicionalista “Teixeirinha”,
com quem, apesar de algumas divergências, por várias vezes fez parcerias e
rivalizava em popularidade.
Dia 4 de dezembro que também foi a data da morte de “Teixeirinha”
em 1985, foi declarado pela Assembléia legislativa do Rio Grande do Sul,
através de projeto aprovado em 1989 de autoria do deputado Joaquim Moncks, como
o “Dia do Poeta repentista Gaúcho” e do Artista Regional Gaúcho”.
TROFÉU RAUL SOTERO
No festival de música nativista “1º Flete da Canção Gaúcha”, que é
realizado no vizinho município de Santa Margarida do Sul, foi criado, em
homenagem ao poeta e trovador, o “Troféu Raul Sotero”, para a modalidade de
melhor intérprete de música do festival.
São Gabriel sempre teve grandes trovadores, como o saudoso Adão
Brasil dos Santos, o “Canário Alegre”, que era conhecido em todo o Estado.
Também, Marcelino Medeiros Rios, popularmente conhecido como
“Lenço Azul”, falecido em julho de 2015. Era policial militar aposentado e funcionário
do Forum e conhecido na arte da trova, através do auge dos programas de
auditório, com destaques para o “Rodeio Coringa”, na Rádio Farroupilha, de
Porto Alegre e “Inverno no Galpão”, na Rádio São Gabriel.
Lembro que ele morava na Vila Maria e sua casa era um verdadeiro
“Museu da Tradição”, tantos os objetos gauchescos que colecionava.
E mais recentemente José Macedo, o “Macedinho”, cantor, trovador,
gaiteiro e compositor. Sei que tivemos e ainda temos trovadores da melhor
estirpe, que não os cito por lapsos de memória ou por não conhecê-los, pois já
faz muito tempo que sai de São Gabriel. Mas homenageio a todos. (Pesquisa: Nilo
Dias - Matéria publicada no jornal "O Fato", de São Gabriel, edição de 11 de julho de 2018))
Tem algo mais de Inácio Cardoso gaiteiro trovador estou tentando resgatar as memórias dele e dar o lugar que ele merece pois vejo falar muito pouco dele só em algumas linhas na reportagem de um outro artista da época.acho que ele foi muito importante para nossa cultura gaúcha.meu nome é Inácio Cardoso sobrinho do trovador gaiteiro ignacio cardoso
ResponderExcluirTENHO UM LIVRO DO RAUL SOTERO PARA VENDA. FONE 55 999 209 234 FOTOGRAFO PROFISSIONAL
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