quarta-feira, 10 de abril de 2019

O rico ciclo das charqueadas em São Gabriel

São Gabriel se caracterizou por ter sido sede de várias charqueadas através dos anos. A primeira que se tem notícia foi a do Vacacaí, que ficava a 12 quilômetros da sede do município, mais especificamente a margem direita do rio Vacacaí.

Seu fundador foi Manoel Patrício de Azambuja e Filhos. Ele era engenheiro, pai do marechal Fábio Azambuja, e responsável pela construção da charqueada no ano de 1885.

Em 1918 a Charqueada foi adquirida pela firma José Antônio Martins (Filho) que passou a assumir a firma e arrendou três estâncias: a da Barra, do Pavão e do Jacques.

Ao que se sabe São Gabriel teve seis charqueadas funcionando ao mesmo tempo. Mas antes delas, em 1841, por decisão do líder farroupilha, Bento Gonçalves foi instalado em campo aberto na “Freguesia de São Gabriel”, um matadouro de emergência para vender charque para o Uruguai, arrecadando fundos para a revolução. 

Depois com o advento da malha ferroviária, as charqueadas ganharam força. Antes da estrada de ferro a charqueada usava como meio de transporte a carreta.

Uma empresa muito poderosa na época foi o Complexo Industrial da firma Martins, que possuía grandes extensões de campo. Com um grande planejamento, tirou o máximo rendimento das terras.

Assim o agrônomo Retamal Andes cultivou mudas de eucalipto, que se tornaram famosas florestas de produção permanente no Waick e Ferrugem.

Paralelamente desenvolveu criação de suínos, produzindo carne, charque, banha, toucinho e outros derivados. Também plantou arroz, milho e feijão e mais um milhão de pés de mandioca para o preparo da farinha, polvilho e outros.

CHARQUEADA VELHA

Em 1936 a Cooperativa Rural Gabrielense comprou a “Charqueada do Vacacaí”, conhecida como “Charqueada Velha”, o que exigiu reformas internas e externas.

A “Charqueada do Vacacaí” foi uma das que conheceu maior progresso, tendo superado crises de oscilação dos preços do gado. Mas devido o envelhecimento de suas instalações, transformou-se mais tarde na Indústria da Frigorificação de Carne Gabrielense. Em 1957 encerrou suas atividades, quando realizou as últimas matanças.

Suas dependências foram demolidas, casas, galpões e a povoação do local, tudo desapareceu, ficando apenas ruínas. Até hoje existe a velha chaminé, que os turistas aproveitam para tirar fotos, antes de chegarem ao Balneário do Pedroso.

O jornalista Fileto da Cunha Ramos escreveu um minucioso trabalho em 1898 publicado no “Anuário do Rio Grande do Sul“, onde cita a existência de três charqueadas em São Gabriel. Todas elas foram tributárias da estrada de ferro.

O jornalista destacou as Charqueadas do Vacacaí, do Trilha, localizada após o Balneário do Passo do Pinto e a de Azevedo Sodré. A “Charqueada do Trilha” possuía uma industrialização diversificada com o aproveitamento do couro.

Em 1912 seu proprietário, Augusto Nogueira, firmou sociedade com Boaventura Ferreira da Silva. Em 1914 desfizeram a sociedade. Boaventura adquiriu a charqueada até 1934, quando admitiu como sócios os seus filhos e a denominou de “Boaventura Ferreira da Silva e Cia”.

Na década de 1940 aconteceu a falência dos proprietários e o consequente encerramento das atividades. Boaventura Ferreira da Silva era casado com Brígida Cironi Ferreira da Silva. Com o seu falecimento, a charqueada e a estação rodoviária receberam o nome de “Santa Brígida”.

Em 1932 a família de Boaventura da Silva mandou inaugurar uma capela para receber a imagem da Santa Padroeira.

DOUTOR RAMÃO

Já a Charqueada de Azevedo Sodré existia no ano de 1898. Quando da fundação, só havia no local a estação ferroviária. Foi construída por Ramão Lopes da Rosa, considerado na época um homem humanitário. Era chamado de doutor Ramão.

Não teve vida fácil. Enfrentou grandes dificuldades econômicas, o que o obrigou a vendê-la para Antônio Cândido da Silveira, o “Tunuca Silveira”, que viveu excelente momento econômico chegando ao auge de produção.

Em 1929, a grave crise fez com que a Charqueada do Azevedo Sodré entrasse em colapso. Em 1935 passou a chamar-se de “Cooperativa Rural Gabrielense”. Encerrou suas atividades em 1940. Da velha charqueada restaram apenas vestígios, hoje quase desaparecidos.

A Charqueada Santo Antônio era a mais nova de São Gabriel. Seus fundadores foram o grande criador e charqueador, Antônio Coimbra Gonçalves, juntamente com Fernando Gonçalves, Egídio Brenner e José Franco (Zeca Franco. Com o afastamento dos demais sócios, assumiram a “Charqueada Coimbra” e seu filho Fernando, até 1941 quando fechou suas portas.

A Charqueada começou suas atividades em 1929. Coimbra possuía a mística dos negócios, e segundo contam, nunca foi surpreendido com crises que abalaram fortunas na industrialização do charque.

Assim fez-se forte criador de gado tendo adquirido as Estâncias Santa Cruz, Tiaraju e Estância Velha. Tendo dado inclusive sinal em dinheiro para compra da Estância da Barra.

Sua povoação ainda existe. É sede distrital, (Tiaraju) e o único povoado das principais charqueadas gabrielenses que não pereceu. Na época devido à idéia empreendedora de Antônio Coimbra Gonçalves, foi construída a escola e a capela que ainda hoje existem no Tiaraju.

Restam vestígios da velha charqueada, no Distrito, naturalmente perto da velha estação férrea da localidade. No início a estação era chamada de Bela Vista. Em 1935 passou a chamar-se Tiaraju.

CHARQUEADINHA DO DODIGO

Tivemos também a Charqueada São Gabriel, que era uma das menores. Pertencia a tradicional família Manoel Bicca Filho (Polaco) e José Rodrigues Barbosa Bicca (Dodigo). Foi erguida no local onde antes existiu o matadouro público que abastecia o município, próxima ao Rio Vacacaí, no alto de uma coxilha, onde hoje se localiza a Estação de Tratamento da Corsan.

De todas as charqueadas de São Gabriel, foi a única distante da Estrada de Ferro. Os galpões do matadouro foram aproveitados para a construção da charqueada.

O saladeiro era de pequeno porte. A cancha de carneação apenas para seis animais, enquanto as outras comportavam 30 a 40 animais. O povo a chamava de “Charqueadinha do Dodigo”.

Da “charqueadinha” existem apenas vestígios e lembranças marcados por ruínas soterrados pelo tempo em meios aos matos da Vila Maria.
Bem abaixo da Charqueada existia uma fábrica de sabão a vapor, que o povo chamava de saboeira e aproveitava a gordura das reses abatidas. Foi erguida no ano de 1924.

O DECLÍNIO

Após mais de 250 anos de existência, as charqueadas gabrielenses entraram em declínio. A causa principal foi o advento dos frigoríficos a partir de 1910. Mas sem dúvida elas fizeram história, como ciclo fundamental na participação econômica e social do município.

Outro motivo para as charqueadas desaparecerem foi a falta de associativismo dos proprietários na época, que assistiram passivamente organizações européias comprarem gado a preço mais alto do que as charqueadas podiam pagar.

De todas as seis charqueadas que existiram em São Gabriel, somente a do Vacacaí sobreviveu, primeiro pela união de forças que criaram a “Cooperativa Rural Gabrielense”, transformando-se mais tarde em Frigorífico Santa Brígida, que encerrou suas atividades em 1991. O patrimônio veio a ser destruído mais tarde.

Em 2001 um grupo de empresários recuperou totalmente as instalações do velho Santa Brigida e ali inaugurou a “Cooperativa de Derivados Rio Vacacaí” – Cooriva, frigorífico que recebeu apoio da Administração Municipal.

Uma curiosidade. Nas proximidades de cada charqueada eram construídos cemitérios, onde eram enterrados os funcionários e familiares dos proprietários.

Alguns deles tornaram-se mais tarde fazendeiros, por isso os cemitérios também eram construídos perto das Estâncias, pois não haviam devido às distâncias, cemitérios comunitários. (Pesquisa: Nilo Dias)

A “Charqueada do Vacacaí", em 1948.

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