sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A riqueza cultural da nossa zona rural

As professoras Nara Rejane Zamberlan dos Santos, Cassandra Nastaja e Caroline Ciliane Seretta são autoras do artigo “Representações do Pampa nas paisagens rurais e culturais”.

Os campos da Região Sul do Brasil são denominados como “Pampa”, termo de origem indígena para “região plana”, entretanto, esta denominação corresponde somente a um dos tipos de campo, encontrado ao sul do Rio Grande do Sul, atingindo o Uruguai e a Argentina.

O “Pampa” é um bioma compreendido por vastas áreas de planícies recobertas por gramíneas, onde se encontram grandes propriedades rurais, lugar onde se desenvolve a lida campeira, se perpetuam os costumes e tradições e existem os bolichos para convivência e contação de causos.

Estas propriedades possuem características arquitetônicas regionais, mobiliário e objetos artísticos que remetem ao poderio outrora destes locais, e registram a própria história não só familiar, mas política, social e econômica.

Denomina-se estância no Rio Grande do Sul, uma circunscrição dada das campinas do país, povoada de gado, cavalos e mulas e, em certas porções, partes de carneiros.

Tem ordinariamente a extensão de uma sesmaria, às vezes de duas, de três e mais; os animais multiplicam-se nelas na razão da quantidade inicial, da vastidão do território e da bondade dos pastos.

Pena que os poderes municipais tenham pouca disposição para incentivar a manutenção deste patrimônio rural, direcionando novas ruralidades e propondo políticas que agreguem valor as mesmas.

É preciso que se divulgue estes sítios históricos e culturais, com o objetivo de averiguar os registros e estudos realizados no município de São Gabriel, bem como as políticas públicas relacionadas com o tema.

O estudo que foi desenvolvido mostra que a localização destes imóveis na região denominada Metade Sul do Estado do Rio Grande do Sul, se encontra em uma área economicamente deprimida, o que contribui para o decréscimo de investimentos por parte dos proprietários, ou o esvaziamento das famílias.

Não existe um vinculo histórico ou afetivo com o lugar. Os proprietários não se importam em vender ou arrendar suas terras.

Talvez esta seja uma das razões para que não exista o menor interesse em propor políticas públicas para inventariar tais locais, resgatar dados históricos, partilhar conhecimentos com a população.

ROTA HISTÓRICA CULTURAL

O Plano Diretor de São Gabriel apresenta a proposta de uma rota Histórica Cultural na zona rural com 10 pontos turísticos, mas não faz alusão a 26 sedes de antigas estâncias constantes no mesmo documento.

Não seriam estes locais objeto de estudo sobre sua autenticidade, potencialidade e recuperação histórica? Quanto ao registro das propriedades através de livros e documentários o mesmo teve início com publicação de obra específica do tema, porém não houve continuidade das ações.

A análise da obra que contempla aspectos históricos aponta duas propriedades na sede do município, oito estâncias no distrito de Vacacaí, 17 no distrito de Batovi, 15 no distrito de Suspiro, três em Cerro do Ouro, cinco em Catuçaba, 18 no distrito de Tiarajú, e 16 no distrito de Azevedo Sodré.

Destaque também para as estâncias históricas, antigas e tradicionais de Santa Margarida do Sul (ex-distrito de São Gabriel) com 12 propriedades rurais.

A pesquisa se caracteriza como qualitativa documental e foi realizada mediante análise bibliográfica com base na obra de Rieth (2010), além do Plano Diretor (PDDUA) de São Gabriel e do site oficial dos municípios envolvidos.

O recorte da pesquisa se baseou na análise de algumas características das estâncias históricas e antigas do município de São Gabriel, localizado na região Centro-Oeste do Rio Grande do Sul. Foram incluídas propriedades de Santa Margarida do Sul, pois este município outrora pertencia a São Gabriel, sendo emancipado em 1996.

Foi estruturado um instrumento para selecioná-las por  distrito/município, classificação, uso atual e fatos históricos. No estudo foi observada a divisão territorial baseada nos distritos e subdistritos de São Gabriel, conforme Divisão Administrativa-Estruturação e Ordenamento do Território de São Gabriel, RS.

O município de São Gabriel possui cinco distritos e três subdistritos enquanto, Santa Margarida do Sul foi considerada a integridade do seu território.

O Plano Diretor de São Gabriel, Lei Complementar Nº 002/08, de 2 de junho de 2008, em seu capítulo VI, Seção II do Programa de Preservação Cultural da Zona Rural de São Gabriel, em seu Art.85 tem como objetivo o reconhecimento e a preservação do Patrimônio Cultural da Zona Rural.

Propõe a realização de ações que promovam o reconhecimento e a valorização da zona rural, como depositário privilegiado de marcos históricos, especialmente relativos à disputa pela conquista e preservação das fronteiras brasileiras e à disputa entre Portugal e Espanha pelo continente americano.

Não esquecendo a identificação, divulgação e qualificação das tradições sazonais e permanentes da zona rural do Município, com especial atenção para a Semana Farroupilha, percurso dos carreteiros, locais onde se desenrolaram batalhas, sedes das antigas estâncias, ritos religiosos e políticos e às diferentes fases do desenvolvimento econômico, cultural e social do município.

O Plano Diretor também cita o Patrimônio Cultural na Zona Rural do Município, onde constam cenários históricos como os locais das Batalhas de Azevedo Sodré, do Caiboaté e do Cerro do Ouro e destaca três estâncias, Batovi, do Meio e Inhatium.

TURISMO RURAL

A possibilidade da implantação de Turismo Rural proposta pelo Plano Diretor determinou uma Rota Histórica Cultural. E o município tem muita história para ser contada e mostrada.

Por exemplo: episódios da Revolução Farroupilha, batalhas como a do Caiboaté e do Cerro do Ouro, as visitas da Corte portuguesa por algumas vezes e os vultos da história local e nacional que nasceram nas propriedades pastoris.

O Plano Diretor mostra nove locais com potencialidades turísticas, no município de São Gabriel. 1 - As paredes de pedras no Corredor do Suspiro; 2 - Monumento da Batalha do Cerro do Ouro; 3 - Cota do Batovi 2º Distrito e Estância do Batovi; 4 - Tapera do Félix; 5 - Passo usado por Felix de Azzara; 6 - Estância do Meio; 7 - Passo de São Borja; 8 - Estância da Boa Vista e, 9 - Sitio Arqueológico.

As estâncias históricas e antigas de São Gabriel são bens materiais, sujeitos a deterioração, ao abandono e a venda, subordinados apenas as medidas preventivas dos proprietários, não havendo qualquer interesse pelo poder público em documentá-las, inventariá-las e fazer constar no seu acervo de patrimônio local.

As estâncias a partir da exploração pastoril passaram a definir a posse das áreas de conflito no estado, a posse do gado e a estabelecer as relações capitalistas com o assalariamento de capatazes e peões.

A pecuária era um fator que determinava a posse da terra, ou seja, quanto mais cabeças de gado, mais terras poderiam ser ocupadas, garantindo a posse do território.

No final do século XVIII, com a criação das primeiras charqueadas no RS, a importância do gado aumentou ainda mais. A partir de então, o gado se constituiu na base da economia gaúcha, o grande responsável pela apropriação da terra.

TRABALHO E RENDA

Espera-se com o Turismo Rural geração de novas oportunidades de trabalho e renda; incorporação da mulher ao trabalho remunerado; agregação de valor ao produto primário; diminuição do êxodo rural; e, melhoria dos equipamentos, dos bens imóveis e das condições de vida das famílias rurais.

No Turismo Rural comunitário os turistas são recepcionados pelas famílias campesinas e usufruem da vida cotidiana, conhecendo a cultura local e se utilizando dos equipamentos rurais simples, para acomodação e lazer.

Por outro lado, o turismo no espaço rural tem como principal produto as empresas rurais, onde os turistas são recebidos e acompanhados pelos funcionários da empresa e acomodados em unidades hoteleiras.

Nestes hotéis-fazendas são oferecidos aos visitantes demonstrações de algumas atividades rurais, como criatório animal, áreas de cultivo e atividades não rurais de lazer, como jogos, pescarias, passeios de barcos e curtas caminhadas monitoradas.

As fazendas históricas e antigas poderiam ser exploradas como rotas culturais e, eventualmente, desenvolver turismo de viés rural. Para tanto há a necessidade de inventários e, principalmente, detectar a percepção dos proprietários sobre a possibilidade de exploração
com cunho econômico.

Levantamento realizado dá conta que além das Estâncias mencionadas, de mais 96 propriedades rurais históricas e antigas no município de São Gabriel e 10 no município de Santa Margarida do Sul.

As estâncias ditas antigas seriam as construídas antes de 1930, enquanto as históricas foram assim denominadas pelo fato de terem recebido vultos históricos, ou ainda que pertenceram a
personagens do município ou palco de fatos da história.


Também, não podem ser esquecidas as estâncias tradicionais, que representam construções mais recentes, mas seguem a tradição da arquitetura colonial portuguesa desenvolvendo atividades Agropastoris. Além das lendárias, que são aquelas que mesmo antigas e/ou históricas são povoadas de lendas e crenças.

O reduzido número de propriedades rurais na sede do município deve-se ao fato que a fundação de São Gabriel iniciou no Batovi, posteriormente tendo a vila queimada e onde se situavam as maiores extensões de terras e a presença de estâncias.

A sede foi a terceira São Gabriel, elevada a cidade em 1859 e, possivelmente deveu-se ao processo de urbanização que se instalava à época o afastamento das propriedades rurais, que tinham a necessidade de extensas áreas para as atividades pastoris.

ESTÃNCIAS EM SÃO GABRIEL

Estâncias no Distrito de Vacacaí: totalizam oito, quatro antigas, três Históricas e uma tradicional. Dentre as particularidades observa-se a presença de banheiras circulares para gado, cercas de pedras e pisos de pranchões de madeira.

Dentre as oito estâncias, a Santa Marta sobressai por ter sido a sede da primeira charqueada do município, a do Vacacaí, em 1885, ano que coincide com a chegada da estrada de ferro, e o destaque é um túmulo de pedras de cantaria que se alcança por uma escadaria.

Em relação as charqueadas, o município apresentou a partir da Estância Santa Marta mais cinco charqueadas, a saber Santa Brígida, de Azevedo Sodré, Boa Ventura Ferreira da Silva e Cia e Tiarajú que entraram em decadência com o advento dos frigoríficos, a partir de 1910.

A Estância Campestre apresenta a sede em arquitetura alemã com telhados enfeitados com guirlandas (lambrequins) afastando-se do tradicional estilo português colonial. A ênfase do empreendimento é que possuía cédulas próprias equivalentes a um câmbio paralelo.

A época também se destacava pela presença de um banheiro para animais de nado circular. Foi toda reformada e manteve sua originalidade.

A Estância do Céu, ocupada durante a Revolução de 23, no ano de 2000 foi o primeiro local de invasões no município pelos movimentos sociais, e a partir de 2005 passou a constituir um assentamento do Incra. É conhecida como o local da “Conquista do Caiboaté”.

Possui sete antigas, seis históricas, duas tradicionais, duas lendárias e 16 particulares. Todas elas desenvolvem atividades agropecuárias.

Neste distrito encontram-se as estâncias mais antigas do município, como a Estância do Batovi, construída em 1687, local onde já existia uma povoação jesuítica pelo Visconde de São Gabriel e notabilizou-se pela criação de gado.

Esta propriedade ostenta uma capela que sempre estava presente nas propriedades mais abastadas, eventualmente isoladas do corpo da casa como é o caso da Estância do Batovi.

Algumas foram palco dos combates da Revolução Farroupilha, a exemplo da Estância do Meio que pertencia ao Barão de São Gabriel e já existia antes de São Gabriel ser elevada a vila, pois foi construída em 1832.

A Estância Boa Vista de propriedade do Barão de São Gabriel e a Estância Santa Clara que pertenceu ao maior laçador e peleador do Rio Grande do Sul, Manuel Bento Pereira (Maneco Pereira), “o homem que laçava com o pé”.

Somado ao Distrito de Tiarajú este é o Subdistrito que ostenta o segundo lugar em termos de número de estâncias no município, com ênfase as antigas, históricas e lendárias, como a Estância das Paredes, povoada de lendas e superstições a respeito de dinheiro enterrado, assombrações, entre outras.

Estâncias no Distrito de Suspiro. São 12 antigas, uma histórica e uma tradicional, todas particulares. Desenvolvem atividades agropecuárias. Uma está abandonada.

Neste Distrito outras estâncias merecem destaque, a exemplo da Estância do Suspiro que hoje apresenta somente os alicerces, sendo sua área utilizada com povoamentos de eucaliptos.

A Estância da Vigia situa-se em um dos pontos mais altos ao longo do Rio Vacacaí, e servia de observação durante a Revolução Farroupilha.

Elementos como o moinho para trigo e milho movido a água, e a existência de lençóis com água alcalina localizados pelo Ministério de Minas e Energia, caracterizam a Estância do Sobrado, enquanto as extensões de cercas de pedra são encontradas nas Estâncias do Cerro
e de Jaguari.

Esta última propriedade, mesmo reduzida a sete quadra de sesmarias se constitui em uma das ultimas grandes propriedades da região

Estâncias no Subdistrito de Cerro do Ouro, uma antiga e duas lendárias. Uma está abandonada e a particular desenvolve a pecuária.

Estas três propriedades possuem suas particularidades como a Estância ou “Castelo” do Panorama que pertenceu ao general Ptolomeu Assis Brasil, grande pesquisador e geógrafo.

Tida como um local assombrado a mesma encontra-se abandonada, pois reza a lenda que a praga de uma escrava fez com nenhum proprietário se fixasse no local.

A Estância Cerro do Ouro recebeu esta denominação devido a presença de pepitas de ouro e as formações rochosas presentes no local (Cerro da Cuenca).

Um fato que também a notabiliza foi a instalação de água encanada e energia elétrica, através de um catavento importado dos Estados Unidos.

A Estância do Tarumã era uma das maiores da região. Localiza-se na localidade de Von Bock. Hoje são apenas ruínas de uma propriedade que passou por diversos donos, e que apresenta uma paisagem com enormes figueiras e carrega uma serie de lendas.

Estâncias no Subdistrito de Catuçaba. São cinco antigas, todas particulares e desenvolvem atividades agropecuárias.

A Estância do Boqueirão foi a primeira a fazer parceria com 26 famílias de empregados que tinham direito a plantações de subsistência.

Este fato mostra que fazendeiros e peões fraternizavam na labuta do campo, ocorrendo aproximação de classes, devido a quase ausência da escravidão.

A Estância São Expedito deu pouso ao governador do estado, Borges de Medeiros e a Posto Queimado, sempre foi ponto de encontro de políticos, mantendo sua arquitetura original. A Estância Nova Era distingue-se das demais construções por apresentar estilo inglês, em plena paisagem do “Pampa”.

Contando com paredes de 0,30m de largura feitas de torrões a Estância Canto do Galo mantem suas características desde 1857.

Estâncias no Distrito de Tiarajú. Somam 18, 11 antigas, quatro históricas, três tradicionais, todas particulares e desenvolvem atividades agropecuárias.

A Estância da Caieira sediou a capital da Republica Riograndense (1841), bem como recepcionou Dom Pedro II e organizou uma festa campeira sendo considerada a primeira festa tradicional do Rio Grande do Sul, assim como a do Pau Fincado recepcionou o monarca.

Hoje, estas propriedades deixaram de existir, sendo considerado mais de 200 anos de sua fundação, dando lugar as plantações de eucaliptos.

O Barão de Candiota (Luiz Gonçalves das Chagas) mantinha também as propriedades Santa Lorena, Espinilho e a Mascarenhas.

A Estância Santa Fé apresenta arquitetura com linhas de influência germânica. Possuia quadra de tênis e pista de aviões, quando ocorreu um acidente (1960). As ruínas da olaria abasteciam a Cidade, sendo considerados os pioneiros na motomecanização da cultura do arroz.

Estâncias no Distrito de Azevedo Sodré. Somam 16, 13 antigas, duas históricas e uma tradicional, todas particulares e desenvolvem atividades agropecuárias.

A Estância Inhatium ostenta arquitetura colônia portuguesa, com influência mineira. Também recebeu a visita de Dom Pedro II, quando condecorou os proprietários, senhor e senhora Borges Fortes, com os títulos de Comendador da Ordem Brasileira de Cristo e da Rosa e Dama do Paço, respectivamente.

A Estância Estrela pertenceu a Tunuca Silveira, intendente de São Gabriel. Na Estância São Filipinho aconteceu o Combate de mesmo nome em 1840 e hoje não existe mais.

A Estância Velha ostenta as paredes externas de pedra e as internas de pau-a-pique com reboco. Pertencente a Baronesa de Batovi (enterrada no cemitério da estância) é considerada uma das mais lendárias do município, pois foi encontrado um tacho com moedas de ouro entre duas figueiras.

ESTÂNCIAS EM SANTA MARGARIDA DO SUL

Estâncias no município de Santa Margarida do Sul. São 12, sete antigas, quatro históricas e uma tradicional, todas particulares, que desenvolvem atividades agropecuárias.

O site oficial do atual município de Santa Margarida do Sul enfatiza as duas estâncias históricas como a do Sobrado, também conhecida como o "Sobrado da Cambaí", a Estância do Capão (históricas) e a Estância da Figueira (antiga).

Consta que o monarca D. Pedro II foi recebido em duas ocasiões na Estância do Sobrado e da Figueira (considerada uma das primeiras estâncias gaúchas) concedendo ao seu proprietário, por serviços prestados na Guerra do Paraguai o título de Barão de Cambaí.
Na mesma oportunidade na Estância Vista Clara, escravos foram presentados à corte para participar do Exército Imperial.

Um dos pontos mais conhecidos é a Estância do Capão construída em 1866, pelo Barão do Cambaí. No local encontra-se a Tapera da Genoveva, que são ruínas da casa onde nasceu Plácido de Castro (Libertador do Acre). No local existe um monumento que é mais visitado pelo povo acreano. do que pela população local.

A vocação agropastoril do município de São Gabriel/RS induz a necessidade do resgaste dos bens localizados no meio rural e que foram protagonistas de fatos históricos e culturais.

Os distritos de São Gabriel apresentam uma riqueza de construções que passaram de geração a geração, e que foram palco de grandes eventos históricos e que continuam no imaginário popular através de lendas e crenças. (Pesquisa: Nilo Dias – Publicado no jornal “O Fato”, de São Gabriiel, edição de 6 de novembro de 2019))

Cabanha Santo Izidro, no Batovi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário