Registrar todos os filhos da terra que se destacaram nas
mais diversas atividades, se correria o risco de cometer injustiças.
Mas salientando alguns, se homenageia todos os demais: José
Plácido de Castro; marechal Hermes da Fonseca, Presidente da República; marechal
Mascarenhas de Morais, comandante da FEB; general Ptolomeu de Assis Brasil,
militar e ex-governador de Santa Catarina; Luís Gonçalves das Chagas, militar,
estancieiro, primeiro e único Barão de Candiota; Alcides Maia, primeiro gaúcho
a integrar a Academia Brasileira de Letras; doutor Fernando Abbott, presidente
do Estado do Rio Grande do Sul; padre Leonel Franca, teólogo e fundador da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Joaquim Francisco de Assis
Brasil, fundador e líder do Partido Libertador; Heron Domingues, radialista e
locutor do Repórter Esso e o historiador Osório Santana Figueiredo, no meu
entender já fica de bom tamanho.
Faço essa breve introdução para dizer que São Gabriel tem
sabido através dos anos valorizar a sua vocação histórica. Quer nos Centros de
tradições Gaúchas, onde o passado é reverenciado. Quer nas escolas, onde
professores muitas vezes mal pagos e desvalorizados, teimam em contar aos seus
alunos episódios de nossa rica história.
E porque não citar também o jornal “O Fato”, que por
orientação de sua fundadora, diretora e proprietária, Ana Rita Focaccia,
insiste em publicar nas suas páginas fatos relevantes da nossa história. E eu
fico honrado de fazer parte desse projeto.
Tenho a mais absoluta certeza que o professor Humberto
Petrarca ao criar a “Escola de Cinema de São Gabriel”, teve a intenção de
valorizar a história de sua terra natal, levando-a para outros patamares, nunca
antes pensados.
Os primeiros resultados dessa nova realidade local
começam a aparecer. Em 2015 foi dado o pontapé inicial para colocar São Gabriel
no roteiro cinematográfico nacional, com a realização do primeiro filme
totalmente produzido e encenado por atores e equipe técnica gabrielenses.
Trata-se do curta-metragem “O Fantasma do General”, que
conta a história de um ex-soldado farroupilha, que após a revolução vivia
tranquilamente com sua família em um rancho no interior de São Gabriel.
A vida seguia tranquila até a chegada de seu antigo
comandante, general Antônio de Souza Neto, que lhe convocou para lutar na
“Guerra do Paraguai”.
Souza Neto morreu em 1 de julho de 1866, em decorrência
de ferimentos sofridos no na “Batalha do Tuiuti, na “Guerra do Paraguai”. Ele
foi também um dos líderes da “Revolução Farroupilha”.
O louvável é que Petrarca está procurando fazer filmes
que mostrem fatos e personagens reais de nossa história.
Aplausos para ele, que escreveu e dirigiu o filme, com
participação especial do professor, ator e diretor de Santana do Livramento, JN
Canabarro que fez o papel do general Neto.
O êxito dessa primeira produção incentivou novos
desafios. E desde fevereiro novo curta metragem está sendo realizado pela
Escola de Cinema de São Gabriel, “O Bolicho”, que é uma continuação de “O
Fantasma do General”.
O filme é ambientado em 1870, e tem como pano de fundo o
interior do município de São Gabriel. Mistura ficção com passagens históricas,
como a “Guerra do Paraguai”.
Aproximadamente 30 pessoas estão envolvidas na produção,
que tem a participação especial do ator e diretor Emiliano Ruschel, que
interpreta o personagem Inácio, um estancieiro.
Eu sou um apaixonado por história. Desde que me aposentei
uso meu tempo, que é integral, na busca por subsídios que possibilitem escrever
livros que ajudem a resgatar nossa memória.
Já foram dois, ambos tendo como tema o futebol: “100 anos
de futebol em São Gabriel” e “Nico, o Bombardeador”, um ex-futebolista da
cidade de Rio Grande.
E tenho mais dois em execução, “Xavantes de Ouro”, sobre
o Brasil, de Pelotas e “Guri teimoso”, retratando o F.B.C. Rio-Grandense, de
Rio Grande.
E ainda encontro tempo para escrever artigos no jornal “O
Fato”, tanto sobre vultos históricos locais, como por acontecimentos que exigem
pesquisa, como este pequeno resumo sobre a “Guerra do Paraguai”, aproveitando o
gancho deixado pela notícia da produção de filmes em São Gabriel.
CONFLITO LONGO E DEVASTADOR
A guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai foi o
conflito mais longo e devastador do século XIX, que marcou a história da
América do Sul. Acarretou no aniquilamento do Paraguai, o mais desenvolvido
país capitalista da América Latina até o início do confronto.
As batalhas ocorreram na segunda metade do século entre
1864 e 1870, contando com as forças armadas do Brasil, da Argentina e do
Uruguai contra o Exército e Marinha do Paraguai.
O episódio tem também muito interesse pelas controvérsias
historiográficas que gerou. Até pouco tempo só se conhecia a versão oficial. Solano
López era considerado, no Paraguai, um herói nacional; no Brasil, foi pintado
como um tirano sanguinário, que tinha de ser esmagado.
Enquanto alguns historiadores dizem que Solano Lopez não
passou de um herói inventado, um tirano que foi culpado pela guerra, para
outros constituiu-se no máximo de nacionalidade.
O Paraguai era o país mais desenvolvido das Américas,
tinha indústria naval, metalúrgicas, siderúrgicas, fazia seus próprios trens,
enquanto o Brasil e a sua corrupta coroa dependia dos ingleses até para comprar
agulhas, pois nem isto conseguia produzir de tão atrasado que era.
Em 1840 o Paraguai era uma potência na América do Sul.
Com uma produção agrícola auto-suficiente e sem dívida externa e sem
escravidão, o país presidido por Francisco Solano Lopes não tinha analfabetos.
E justamente por ser um país independente das nações
europeias, o Paraguai deixava os ingleses irados. Sem contar que era um exemplo
que não deveria ser seguido pelos seus vizinhos.
A história oficial dá como causa principal da guerra,
pretensões do ditador paraguaio Francisco Solano Lópes de conquistar terras na
região da “Bacia do Prata”, com o objetivo de obter uma saída para o Oceano
Atlântico.
Solano López temia que o Império brasileiro e a República
Argentina viessem a desmantelar os países menores do Cone Sul. Para confrontar
essa suposta ameaça, Solano López esperava contar com o apoio dos “Blancos”, no
Uruguai, e dos caudilhos do norte da Argentina.
O temor do presidente paraguaio levou-o a aprisionar no
rio Paraguai, em 11 de novembro de 1864, o vapor brasileiro “Marquês de Olinda”,
que transportava o presidente da província de Mato Grosso, mas que o governo
paraguaio suspeitava que contivesse armas.
Seis semanas depois, o Paraguai invadiu o Mato Grosso.
Antes da intervenção brasileira no Uruguai, Solano López já vinha produzindo
material bélico moderno, em preparação para um futuro conflito.
O ataque paraguaio ocorreu após uma intervenção armada do
Brasil no Uruguai, em 1863, que pôs fim à guerra civil lá existente, ao depor o
presidente Atanásio Aguirre, do “Partido Blanco”, e empossar seu rival “Colorado”,
Venâncio Flores.
Ao invadir o Mato Gross, Solano López estava convicto de
sua atitude. Bastava olhar para o exército paraguaio, com cerca de 70 mil
homens prontos para a batalha. No Brasil, as tropas não chegavam à metade do
contingente do adversário: 18 mil membros. A Argentina, por sua vez, tinha seis
mil soldados.
OS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA
Se o império brasileiro não quisesse sair derrotado, era
preciso reverter o quadro. Nessa época, não havia obrigatoriedade do serviço
militar. O alistamento só passou a ser obrigatório por lei em 1908.
A “solução” foi baixar um decreto, determinando a formação
dos “Voluntários da Pátria”.
Ou seja, civis que não tinham recebido qualquer
treinamento militar durante a vida foram recrutados para uma sangrenta batalha.
Era permitida a participação de todos os cidadãos maiores de 18 anos e com
menos de 50.
Todos que se apresentassem ganhariam 300 réis diários
depois da guerra e mais 2,5 alqueires de terra. Eles teriam baixa depois de
terminada a guerra – se assim fosse de sua vontade.
As famílias dos voluntários que morressem no campo de
batalha, ou em consequência de ferimentos, teriam direito a uma pensão
vitalícia. Os que ficassem inutilizados por ferimentos receberiam soldo dobrado.
O caso mais conhecido de alistamento de “Voluntários da
Pátria” foi bastante registrado pela imprensa da época, que atribuiu a uma
mulher um papel significativo na guerra. Tratava-se de Jovita Alves Feitosa, de
17 anos, uma jovem piauiense de família simples.
Vestida orgulhosamente de homem, cortou os cabelos e
apresentou-se, incógnita, ao Exército.
Mas foi logo descoberta, virou notícia, e a sua história
chegou aos jornais, sendo retratada pelo “Diário Liga e Progresso”, em
1865.
Não se conhece toda a trajetória de Jovita após o
alistamento nem as circunstâncias de sua morte em 1867. Segundo uma versão, ela
teria se suicidado, inconformada com o esquecimento a que foi relegada, apesar
do recebimento de homenagens e presentes quando retornara dos combates.
Outra versão conhecida é a de que teria embarcado para o
Paraguai, no vapor “Jaguaribe”, e morrido na “Batalha de Acosta Ñu”, em Eusebio
Ayala, no Departamento de Cordillera, onde a maior parte da força paraguaia era
formada por garotinhos segurando varas de madeira que simulavam rifles.
Em 16 de agosto de 1869, o exército brasileiro, agora
liderado pelo Conde d'Eu, cunhado do Imperador, saiu à caça de Solano López.
Num lugar chamado Acosta Ñu, 20 mil homens cercaram um "exército"
paraguaio com aproximadamente 3.500 crianças (até 15 anos) e outras pessoas que
procuravam proteger ou esconder Solano.
Conta-se que estavam no meio deste grupo adultos feridos
e velhos. As crianças, para passarem-se por adultos, pintaram bigodes com
carvão. Quando a cavalaria invadiu, e as crianças começaram a ser mortas, suas
mães saíram do meio da mata e também foram mortas, degoladas, pisadas.
O escritor José Chiavenato descreveu que as crianças de
seis a oito anos, no ápice da batalha, assustadas, se agarravam nas pernas dos
soldados brasileiros chorando para que não os matassem. Mas foram degolados no
ato.
No Paraguai, o “Dia da Criança” é celebrado em 16 de
agosto. É um feriado nacional em memória das crianças que perderam suas vidas
nessa batalha.
Além de se valer dos “Voluntários”, o Brasil conseguiu
aumentar para 60 a 70 mil homens no primeiro ano das hostilidades com o uso do
efetivo da Guarda Nacional.
No país, calcula-se que entre 120 mil a 150 mil homens
foram mobilizados para a guerra. Alguns pesquisadores chegam a estimar que 200
mil brasileiros foram para a batalha.
Porém, o efetivo mostrou-se insuficiente. Uma das
respostas encontrada pelas forças imperiais foi arregimentar escravos de
propriedade do Estado e alguns de propriedade particular (libertados em troca
dos serviços na guerra).
Escravos também se apresentaram ou foram recrutados.
Muitos fugiam e se alistavam como homens livres, outros eram libertados para a
guerra por seus senhores, como substitutos, isto é, no lugar de outra pessoa;
em troca de indenização pelo governo.
A DERRUBADA DOS “BLANCOS”
Em fevereiro de 1865, os “Colorados” conseguiram derrubar
os “Blancos” do governo uruguaio e mantiveram a aliança com Argentina e Brasil
na ofensiva contra o Paraguai, formando a “Tríplice Aliança”.
Os objetivos dessa união, assinada em 1º de maio de 1865,
eram: derrubar a ditadura de López; ter livre navegação nos rios Paraguai e
Paraná; anexar o território reivindicado pelo Brasil no nordeste do Paraguai e
pela Argentina no leste e no oeste paraguaio.
Segundo se sabe, entre 7% e 10% dos combatentes eram
formados por pessoas libertas. Calcula-se que um número elevado de soldados,
não menos que 50 mil (alguns estimam em até 100 mil) não voltaram. Muitos
morreram em consequência de doenças, fome, variações climáticas e exaustão
física.
O combate deixou amplos danos tanto no Brasil como no
Paraguai, país este quase foi destruído. Calcula-se que dois terços da
população masculina paraguaia foram aniquilados e o que restou constituía-se de
idosos, crianças e truncados pela ação militar.
As perdas humanas sofridas pelo Paraguai são calculadas
em até 300 mil pessoas, entre civis e militares, mortos em decorrência dos
combates, das epidemias que se alastraram durante a guerra e da fome.
As indústrias, a guerra congelou e a população passou a
viver essencialmente do cultivo, do sustento no extrativismo e na agricultura
familiar ou comunal.
A Argentina herdou parte do território e a dívida de
guerra com o Brasil, só foi absolvida em 1943 pelo governo de Getúlio Vargas.
Em resumo, o país deixou de ser o mais importante, para se tornar um dos mais
atrasados da América do Sul.
No Brasil milhares de vidas foram ceifadas e a guerra
afetou drasticamente a economia, acarretando a necessidade de vários
empréstimos externos para conservar o equilíbrio econômico do país. Porém, ao
encerrar a guerra, o Brasil tinha um Exército bem-sucedido e atualizado e
formara-se o arcabouço da nação e do sentimento patriótico.
O único país que apenas lucrou com esta ação armada foi a
Inglaterra, que não participou diretamente da guerra, mas conseguiu modernos
mercados e o Brasil ampliou sua dívida interna e externa. O Paraguai foi
destruído visto que era uma ameaça ao imperialismo inglês.
O líder paraguaio foi morto em Cerro Corá, em 1 de março
de 1870. López foi ferido com um golpe de lança pelo brasileiro José Francisco
Lacerda, o “Chico Diabo”, e foi atingido por um tiro de fuzil. A morte de López
encerrou a guerra.
MUITA NÉVOA ESCONDE A REALIDADE
Muita coisa ainda não está clara sobre o que aconteceu na
“Guerra do Paraguai”. Fala-se que em um conjunto de documentos mantidos pelo “Museu
Mitre”, na Argentina, existe uma inconveniente carta do Duque de Caxias, um dos
líderes dos exércitos brasileiros, endereçada ao imperador Dom Pedro II.
Nesse documento, o comandante brasileiro sugere que
cadáveres infectados com cólera tivessem sido propositadamente lançados no rio
Paraná com o intuito de infectar os inimigos ribeirinhos.
Não sei se é verdade, mas alguns historiadores dizem que
os soldados da “Triplice Aliança” chegaram ao ponto de envenenar as fontes de
água para destruir o povo.
A história não oficial é dura para com o Duque de Caxias,
tido como herói nacional. É terrível. Contam que ele era mau desde a juventude,
a ponto de maltratar a própria mãe em nome da valentia. E na guerra fugia dos
confrontos e chegava somente quando estava quase liquidado.
A possibilidade desse tipo de “golpe baixo” gerou uma
grande celeuma entre historiadores e militares. O historiador José Chiavenato,
que dá amplo destaque às atrocidades cometidas neste conflito em sua obra, cita
esse documento em seu livro “Genocídio Americano – A Guerra do Paraguai”.
Esse livro teve imenso sucesso nas escolas brasileiras,
incorporando a versão conspirativa. Segundo o autor, ao destruir o Paraguai, o
imperialismo inglês manteve o “status quo” na América meridional e impediu a
ascensão de seu único Estado economicamente livre.
No entanto, Francisco Doratiotto – outro perito no
assunto – discorda da intencionalidade ao assinalar que ambos os lados sofreram
com o problema da doença infecto contagiosa.
Quem mais se indignou com essa polêmica foram os
militares brasileiros, que não admitem esse tipo de suspeita caluniosa contra a
instituição da qual fazem parte.
O coronel Cláudio Moreira Bento, autor do livro “Caxias e
a unidade nacional”, desdenha desta perspectiva ao afirmar que esse tipo de
polêmica tem caráter estritamente panfletário.
No entanto, Chiavenato rebate essa idéia defendida pelo
general ao justificar que os brasileiros, principalmente os militares, não
admitem que o Paraguai foi a maior vítima desta guerra.
Para rechaçar sua perspectiva, o historiador salienta que
mais de dois terços dos mortos na guerra eram paraguaios. Além disso, afirma
que o Conde d’Eu – outro “herói” militar nacional – costumava libertar os
soldados inimigos adoentados, para que espalhassem doenças ao retornarem para
suas tropas.
O autor garante que o Brasil levou o genocídio ao povo do
Paraguai a mando dos ingleses e banqueiros europeus, que aqui tinham como testa
de ferro o “Barão do Rio Branco”. Se isso for real, desmistifica-se alguns
nomes tidos como heróis no Brasil, entre os quais o Conde D’Eu e Duque de
Caxias.
Por fim, essa polêmica bate de frente com a idéia que se
tem sobre as motivações e posturas tomadas pelo Brasil durante o conflito.
Teses polêmicas como as de Chiavenato desestabilizam a reconstrução de um
passado heróico e moralmente incorruptível das Forças Armadas do Brasil. Em
meio a tantas discordâncias, vemos como o passado desta guerra histórica ainda
consegue perturbar o homem contemporâneo.
LIVRO “A MALDITA GUERRA”
Já o escritor Francisco Doratioto, garante que a tese
conspirativa está desacreditada. Ele é autor do livro “Maldita Guerra”. E
também de outros historiadores, como Ricardo Salles, autor de "Guerra do
Paraguai - Escravidão e Cidadania na Formação do Exército", e Vitor
Izecksohn, autor de "O Cerne da Discórdia - A Guerra do Paraguai e o
Núcleo Profissional do Exército".
Francisco Doratioto, graduado em história pela USP e
doutor em história das relações internacionais pela Universidade de Brasília,
viveu durante três anos no Paraguai, o que lhe permitiu visitar locais e
conhecer a memória oral ainda existente sobre a guerra.
A utilização de fontes tão diversificadas resultou em
descobertas surpreendentes e na recuperação de informações publicadas no final
do século XIX e começo do XX.
Doratioto explica o início do conflito através do
processo histórico regional, rejeitando a interpretação de que o imperialismo
inglês seria o responsável pelo desencadear da luta.
O autor relata o duro cotidiano das tropas aliadas e
mostra toda a dinâmica da guerra, reavaliando a atuação de chefes militares
como Mitre, Tamandaré e Caxias.
As principais batalhas são contextualizadas de forma
didática em mais de 20 mapas, enquanto personagens e situações encontram-se
representados num interessante conjunto de ilustrações e fotografias.
O livro tem por base uma extensa pesquisa do autor, que
aponta inclusive números estimados de mortos, retrata histórias
interessantíssimas de prostitutas que orbitavam às tropas, e que nos conflitos
chegavam a pegar armas de soldados mortos e entrar na luta.
São retratados também, atos heroicos de soldados, como a
resistência ferrenha que o então sargento Antônio João apresentou na proteção
da cidade que hoje leva seu nome.
O nome do município é uma homenagem ao herói da “Guerra
do Paraguai”, tenente da Cavalaria Antônio João Ribeiro, que na época do
conflito que envolveu o Brasil e Paraguai, era comandante da “Colônia Militar
dos Dourados”, na fronteira com o Paraguai, defendendo a soberania nacional.
Destacou-se sua participação no conflito devido ao
seguinte fato: por ocasião da invasão do exército inimigo, em número superior
de soldados, o tenente Antônio João Ribeiro resistiu e enviou uma mensagem ao
comando paraguaio, onde dizia: "Sei que morro, mas o meu sangue e o dos
meus companheiros servirá de protesto solene contra a invasão do solo de minha
Pátria".
Após brava resistência, no dia 29 de dezembro de 1864,
tombou defendendo a Pátria que tão bem soube servir. A promoção do sargento
Antônio João, se fez de forma póstuma.
Na época dos conflitos ele detinha a patente de sargento,
depois dos fatos mencionados é que foi promovido a tenente, batizando assim a
cidade que leva o nome de “Tenente Antônio João”, no Mato Grosso do Sul.
Dizem esses autores que na verdade, aos ingleses
interessava acima de tudo a estabilidade da região, como garantia de seus bons
negócios, e não um conflito.
É certo, que após estourar a guerra, bancos ingleses
financiaram o Brasil, agravando o problema de nossa dívida pública, mas isso é
outra história. O conflito teve causas locais, embora nem sempre fáceis de
discernir.
A PRESENÇA DE MULHERES
No século XIX era comum o saque, os abusos contra
mulheres e civis em geral, a morte do prisioneiro ou seu uso em trabalho
forçado. Os paraguaios saquearam Corumbá e Uruguaiana, perpetraram violências
contra os civis e, ainda, contra prisioneiros.
As forças brasileiras saquearam Assunção, capital do
Paraguai, em janeiro de 1869 e também fizeram violências a prisioneiros e
civis.
Na realidade a “Guerra do Paraguai” foi um universo de
homens, armas, cavalos, fome, doenças, mortes, etc.
Mas deve ser ressaltado o papel das mulheres, tanto as
brasileiras como as paraguaias, que formaram um segmento significativo, na
retaguarda e nunca passivo, como mães, esposas legítimas ou não, enfermeiras,
prisioneiras, escravas, fugitivas, etc., atuando nas mais diversas frentes de
trabalho e enfrentando, junto com os homens, tudo o que uma guerra proporcionava.
Elas, muitas vezes com filhos, acompanhavam seus maridos
soldados e, como não havia abastecimento regular das tropas, trabalhavam,
alimentando, socorrendo, plantando, lutando, ou mesmo comercializando gêneros
de primeira necessidade.
Viviam ocupadas demais em manter todo aquele aparato de
guerra. De fato, a atuação feminina, sempre na retaguarda, não aparece como
elemento que teve sua importância nas batalhas. Mas as mulheres lá estiveram,
formavam um exército “invisível”, incluída entre índios, velhos e crianças.
Mesmo assim, só tiveram direito ao primeiro nome, sendo a
etnia lembrada com preconceito, o que as remetia a grupos sociais de origem
humilde.
As vivandeiras eram mulheres que acompanhavam o Exército
para vender víveres, bebidas e objetos de necessidade; muitas delas, eram
também prostitutas.
O general-de-brigada Joaquim Silvério de Azevedo Pimentel
menciona duas mulheres que o impressionaram: a gaúcha Florisbela e a
pernambucana Maria Francisca da Conceição, a “Maria Curupaiti”.
Florisbela, sobre quem não se conhece o nome completo nem
a família, envolvia-se em lutas e auxiliava nos hospitais de sangue, ao passo
que “Maria Curupaiti”, esposa de um cabo-de-esquadra, lutava ao lado dos homens
sempre vestida de soldado.
Seu marido morreu no assalto a Curuzu, mas ela continuou
combatendo até ser ferida e levada a um hospital onde se descobriu que era uma
mulher.
Foram raras às mulheres que tiveram direito a nomes e
sobrenomes, pelos memorialistas. Caso de Ludovina Portocarrero, casada
com o comandante do Distrito Militar do Baixo Paraguai,
em Corumbá, às margens do rio Paraguai.
Aninha “Gangalha” e Maria “Fuzil”, tiveram seus nomes
registrados, quando se aproveitando da escuridão da noite, desceram até o rio,
em busca de água para os defensores do forte.
Uma outra senhora respeitável, com direito a nomes e
sobrenomes, foi Rafaela Senhorinha Maria da Conceição Barbosa, mais conhecida
como Dona Senhorinha.
Foi casada, em primeiras núpcias, com Gabriel Francisco
Lopes, um desbravador dos sertões que, fundou nas cabeceiras do Rio Apa, uma
posse de terra, sendo assassinado por dois escravos.
Dentre todas as mulheres registradas pela História na “Guerra
do Paraguai”, porém, a mais conhecida foi a enfermeira voluntária, Ana Justina
Ferreira Nery.
Viúva de um homem de projeção na época, o
capitão-de-fragata Isidoro Antônio Néri, Ana, acompanhou e cuidou dos três
filhos combatentes até o Paraguai.
Na época que residiu em Corrientes, Humaitá e Assunção,
tratou de doentes e feridos em hospitais e sofreu a perda de um filho e um sobrinho.
Por sua atuação, ficou conhecida como a “mãe dos
brasileiros” e recebeu uma coroa de ouro de um grupo de senhoras onde se lia “à
heroína da caridade, as baianas agradecidas”.
Na “Retirada de Laguna”, a desastrosa marcha brasileira
de 2.500 quilômetros para reconquistar parte do atual Mato Grosso do Sul, por
exemplo, havia 1.300 mulheres e crianças para os 2.200 soldados.
A “Guerra do Paraguai” tem muito mais para ser contada,
inclusive sobre a presença de gabrielenses nela. Pretendo voltar ao tema. (Pesquisa:
Nilo Dias - Publicado no jornal "O Fato", de São Gabriel-RS, edição de 8 de agosto de 2018)
Professor Humberto Petrarca.
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