sábado, 13 de outubro de 2018

Celestino Valenzuela começou no rádio em São Gabriel

Celestino Moreira Valenzuela, um dos mais famosos narradores de futebol do Rio Grande do sul nasceu na cidade de Alegrete, em 9 de junho de 1928. Foi um casal de gêmeos: Alice e Celestino. Ela morreu seis meses depois.

O curioso é que Celestino só foi conhecer sua terra natal muitos anos depois. Saiu de lá no colo de sua mãe. Visitou Alegrete quando o Jornal do Almoço da TV Gaúcha era apresentado no interior.

Filho de oficial do Exército, Celestino, desde cedo teve de se acostumar com mudanças. O primeiro destino foi Santana do Livramento, onde nasceu a irmã caçula.

De lá, foram para Santa Maria e permaneceram um ano para que sua irmã completasse o ano letivo. Mas foi em 1937, ao vir para Porto Alegre, que sua vida alçou rumos nunca imaginados.

Ficou famoso nas décadas de 1970 e 1980, quando trabalhou na RBS TV e lançou o bordão “Que Lance”, que nasceu por acaso, durante a narração de uma partida do Campeonato Gaúcho entre Grêmio e Brasil de Pelotas.

Um atacante gremista deu um chute e a bola raspou a trave antes de ir para fora. Celestino gostou da jogada e disse “Que Lance”. Depois do jogo foi chamado na sala de seu chefe, Clóvis Prates. Chegou a pensar que seria mandado embora.

Que nada. Prates o aconselhou a usar o bordão sempre, para que virasse sua marca registrada. E não deu outra. Curioso, é que o bordão não era utilizando quando da marcação de gols. Ai Celestino dizia: “Balançou a rede”.

O JOGADOR DE FUTEBOL

Antes de se tornar narrador, Celestino tentou ser jogador de futebol. Desde quando era garoto jogava peladas nos meios das ruas, em Porto Alegre, utilizando improvisadas bolas de meia. Lembra que quando seu pai lhe deu de presente um par de chuteiras e uma bola de couro, dormiu agarrado nelas.

Foi na Capital que iniciou o terceiro ano do primário, mas estudar nunca esteve entre suas preferências. As brigas com a mãe e a irmã para que seguisse no caminho das letras se intensificaram após a morte do pai, e, aos 14 anos, começou a trabalhar com a justificativa de completar a renda da família.

Seu primeiro emprego foi como boy de farmácia, entregando remédios a pé no centro de Porto Alegre. Foi uma época em que trabalhava de dia e estudava a noite.

Como estava difícil exercer as duas atividades ao mesmo tempo, resolveu parar de estudar. Foi para uma farmácia maior e mais organizada, onde o salário era melhor. O terceiro emprego foi em uma fábrica de calçados de uns alemães. Ficou um ano por lá.

Depois foi auxiliar de mecânico e chapeador de automóveis, na oficina do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), no Gasômetro.

NA ESCOLA DA AERONÁUTICA

Ainda no Daer teve o seu destino modificado por um acidente de trabalho, após uma fagulha saltar em seu olho. Ficou de licença e esteve proibido de assistir televisão ou ler. Soube que a Escola Especial da Aeronáutica do Rio de Janeiro estava recebendo voluntários para tropas. E foi para lá.

Naquele tempo o Rio de Janeiro era bem diferente de hoje. Não tinha ninguém assaltando, se conseguia namorar na Praia Vermelha até as cinco da manhã, conta Celestino.

Mas a coisa não era fácil lá pela Aeronáutica. O estudo era apertado e a concorrência grande. Sua sorte é que jogava bem futebol e logo foi titular absoluto da ponta direita no time da Escola. Nessa época teve como companheiro de equipe o grande Nilton Santos, lateral-esquerdo que foi craque do Botafogo e da Seleção Brasileira.

Lembra que quem levou Nilton Santos para o Botafogo foi o major Borba, oficial da Aeronáutica. Carlito Rocha era o presidente alvinegro. Uma semana depois o Nilton viajou para a Bolívia já com o Botafogo, e passou a ser o grande jogador.

Celestino ficou amigo do craque e muitas vezes almoçaram juntos. Quando o Nilton saiu da Aeronáutica, Celestino virou cabo e passou no exame para a Escola de Especialistas da instituição.

Quando completou 22 anos resolveu voltar para o Sul, tendo em mãos um diploma de Educação Física, que infelizmente só valia na instituição militar. Nos quatro anos que ficou fora, só foi uma vez a Porto Alegre, quando seu pai morreu.

Sem emprego, resolveu tentar a sorte no futebol. O Biscardi, que era massagista do Grêmio conseguiu que fizesse um teste no clube, ainda na velha “Baixada”, que na época tinha no time Milton Kuelle, Assunção e Português, entre outros que fizeram história.

Não passou no teste. Seu irmão João Francisco, o “Tio Piloto”, então o levou para o Internacional, que era treinado pelo grande José Francisco Duarte, o Teté. Este, brincalhão, lhe perguntou “qual a tua posição guri”.

E Celestino não vacilou, “ponteiro-direito”. Para que. Teté, que sempre tinha um cigarro na boca, respondeu: “Perguntei foi qual a tua posição na cama, quando dormes”.

Foi uma risada geral. Mas assim mesmo treinou entre os reservas e depois nos titulares, ao lado de Oreco, Bodinho, Larri, Jerônimo e o grande Salvador, que tempos depois jogou no Cruzeiro gabrielense.

Foi este que o chamou a um canto e disse que seria muito difícil virar titular no Inter. E que seria melhor ganhar experiência num time do interior.

Falou que um amigo de São Gabriel precisava de bons jogadores no Cruzeiro, clube que pagava salários atrativos e cujo futebol estava em alta. Chamavam a cidade de “Eldorado do futebol”.

Na esquina do estádio estava um sujeito de São Gabriel, representante do Cruzeiro, de nome Assunção. Acertou tudo com ele ali mesmo.

NO CRUZEIRO DE SÃO GABRIEL

Contato mantido, tudo acertado e eis que Celestino foi parar em São Gabriel. E viajou de avião. Fez um contrato de três meses e se adaptou bem a cidade. Ficou por lá dois anos e três meses.

Seu primeiro jogo foi um amistoso contra o time do Instituto Porto Alegre (IPA). Teve uma grande atuação e foi muito elogiado pela imprensa local.

Mas não deu sorte. Alguns jogos depois teve uma queda no gramado e rompeu o menisco. Foi para Porto Alegre para ser operado. Mas não teve jeito, a carreira de futebolista chegava ao fim. Ainda tentou jogar no Gabrielense, na época rival do Cruzeiro na cidade, mas o menisco não deixou.

Mas quando as coisas tem que acontecer, não tem como evitar. Corria o ano de 1955. Estava Celestino sentado em um banco de praça, em São Gabriel, quando chegou um amigo seu, que o chamava de “Maninho” e era locutor comercial da rádio São Gabriel.

Celestino estava de muletas e atadura no joelho. Naquele tempo a cirurgia não era só um pontinho como é hoje. Era um corte profundo para operar.

E o amigo perguntou: “Maninho, tu nunca falaste em rádio?” E Celestino respondeu: “Olha, Maninho, nem rádio eu tenho”. E a conversa avançou: “Tu sabe que eu tenho um programa lá na Radio São Gabriel?” E Celestino, cordial disse: “Eu sei, e até gosto muito.”

O seu amigo era o locutor Omar Barbosa, dono de uma voz linda que apresentava um programa romântico. Celestino insistiu em dizer que não sabia nada de rádio. Mas ainda assim Omar o levou até a emissora, para que assistisse o programa ao vivo.

E como não tinha o que fazer, aceitou o convite. Lá chegando, lembra que Omar lhe disse: “Quando essa luzinha vermelha sobre a mesa acender, não fala nada que nós estaremos no ar”.

Celestino não sabia nem mesmo o que queria dizer “no ar”. E pensou: “eu vou voar daqui… tá”. Mas o programa começou. E enquanto tocava uma musica Omar perguntou: “E aí o que achaste?”. E Celestino respondeu: “Pô, bacana mesmo”.

Em seguida Omar entregou um texto do prefixo da rádio, dizendo: “Tu vais ler isso aqui e o operador vai sinalizar lá. Eu quero te testar.” E Celestino leu: “ZYO2, Rádio São Gabriel”. O operador de som fez sinal positivo com o dedo.

Omar continuou fazendo o programa. Resumindo, ele precisava tirar férias da rádio. Era natural de Rio Pardo, ao que parece. O gerente não queria deixá-lo sair se não colocasse um locutor no lugar dele.

E ali começou a carreira de Celestino Valenzuela. Acabou o jogador, começou o radialista. Dez dias depois o Omar viajou para Rio Pardo e ele assumiu.

Passado um mês, Omar voltou de Rio Pardo com uma representação de adubo em São Gabriel. E Celestino ficou definitivo em seu lugar, empregado, ganhando do clube e também da rádio. E ainda conseguiu uma “boquinha” no Fórum da cidade.

E comentava de brincadeira: “Quase que fiquei rico lá em São Gabriel. Era só ter casado com uma fazendeira que tinha lá e se engraçou por mim”.

A VOLTA  À CAPITAL

Celestino saiu de São Gabriel ajudado pelo colega Ataíde Ferreira, já falecido, que era o gerente da Rádio São Gabriel e depois narrou futebol na Rádio Guaíba. Só para constar, Ataíde era meu conterrâneo de Dom Pedrito.

Cheguei a trabalhar na Rádio Ponche Verde, hoje Sulina, com um irmão dele, Ernesto, também já falecido, que era operador de som. A Rádio estava arrendada por meu saudoso pai, José Tavares, e foi lá que comecei a minha carreira na imprensa.

O jornal gabrielense “O Imparcial”, em sua edição de 8 de julho de 1955, noticiava: “Partirá no próximo dia 14 para a Capital do Estado, onde vai novamente residir, o jovem Celestino Valenzuela de destacada atuação nos meios esportivos e radiofônicos da cidade.

Como jogador de futebol, Valenzuela defendeu as cores do E.C. Cruzeiro e posteriormente do G.E. Gabrielense, havendo-se galhardamente. Ultimamente exercia atividades profissionais na ZYO-2, Rádio São Gabriel, onde mostrou-se um locutor esportivo de primeira grandeza.

Valenzuela deixa muita simpatia e sólidas amizades entre nós. E esta secção deseja ao itinerante toda a sorte de felicidades, que é merecedor”.

Chegando em Porto Alegre, Celestino fez teste na Rádio Itaí e passou, ficando bastante tempo na emissora. Paralelamente trabalhou na Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1958, onde ficou por 35 anos.

Por ser ex-jogador, passou a repórter atrás da goleira. Logo, veio o posto de narrador de futebol e sua primeira partida foi direto do Estádio dos Eucaliptos, entre Internacional e Pelotas, pelo Campeonato Gaúcho.

Recebeu muito apoio de Godoy Bezerra. Nem só de esportes se deu a carreira de Celestino, pois grandes nomes da música clássica também passaram pela sua voz.

Em uma seleção da Rádio da Universidade (UFRGS), pegou a folha da programação e lembrou da prova na Escola de Aeronáutica: "Olhando aqueles nomes de Beethoven, Chopin, lhe deu medo, mas foi fazer o teste e, além de não errar nenhuma pronúncia, desbancou 20 estudantes.

ENFIM O SUCESSO

No final dos anos 1950, o nome de Celestino Valenzuela já havia conquistado o mercado, quando Salimen Júnior, então diretor da Rádio Farroupilha, o contratou para narrar futebol.

A rádio era da Rede Diários Associados e quem trabalhava nela já estava a um passo da TV. No início a TV Piratini funcionava das cinco da tarde até às 10.10 da noite. Nesses dez minutos finais havia um noticioso que Celestino apresentava, era o Diário de Notícias da TV, junto do saudoso Almir Ribeiro.

Celestino Valenzuela participou de muitas histórias. Talvez a mais marcante de todas aconteceu quando o grupo alemão de equilibristas “Tigres Voadores” se apresentou em Porto Alegre.

Eles estenderiam um cabo de aço entre os dois prédios mais altos da Capital e, sem proteção alguma fizeram a travessia, utilizando apenas uma vara.

Foi então que o comunicador decidiu entrevista-los nas alturas, a 100 metros do chão. E pendurado em uma espécie de cadeirinha, bateu papo com eles.

Em outra ocasião substituiu durante alguns meses Elmar Hugo Schumacher, o conhecido Repórter Esso.

E durante um comercial, apresentado ao lado de Margarida Spessato, famosa garota-propaganda da época, percebeu que, em sua fala, havia um erro, o qual corrigiu na hora.

Para sua surpresa, a agência de propaganda se ofendeu e, mesmo provando que estava certo, ele foi suspenso pelo diretor. Em vista disso não pensou muito e bateu na máquina de escrever seu pedido de demissão da rádio e da TV.

Foi para a Rádio Difusora, onde narrou campeonatos escolares de vôlei, comerciais e demais programas que surgissem. Foi lá também que apresentou o “Clube da Noite”, programa que ajudava casais a se conhecerem.

Entre uma música e outra, lia uma carta e dava muita força para quem estava procurando seu par. Lembra que em uma das uniões foi convidado para ser padrinho de casamento.

Não demorou para ser contratado pela Rádio Gaúcha, encabeçando as transmissões de futebol, vôlei e basquete, além de comandar o programa “Domingo Esporte Show”.

Na estreia do “Jornal do Almoço”, lá estava Celestino, encarando a apresentação do esporte. Fazia uma espécie de loteria esportiva, dando dicas sobre os jogos.

A sua estreia em narrações na TV aconteceu em uma partida entre Grêmio X Pelotas, pelo Campeonato Gaúcho. Costumava narrar com um cigarro e tomando uísque.

Um dia, durante a transmissão de um jogo do Grêmio, estava na cabine do Olímpico e decidiu que naquele momento pararia de beber e fumar.

A dupla Gre-Nal foi de extrema importância para a carreira do comunicador, que narrou a vitória do Grêmio pela Copa Libertadores e pelo Mundial de Clubes, em 1983, além dos três títulos do Colorado pelo Campeonato Nacional, em 1975, 1976 e 1979.

A VIDA DE APOSENTADO

Ao se aposentar, em 1989, foi substituído por Paulo Brito. É considerado por muitos o maior narrador da história do futebol gaúcho. O divisor de águas na carreira de Brito foi em 1989, quando assumiu o lugar de Celestino Valenzuela como apresentador e narrador da RBS TV, diz a nota.

Em 2012, na última rodada do Campeonato Brasileiro, narrou por alguns instantes o Grenal transmitido pelo canal SporTV, evento este que marcou a despedida do Estádio Olímpico.

Celestino Valenzuela estava na 60ª Feira do Livro, de Porto Alegre, na tarde chuvosa de 2 de novembro de 2014, quando do lançamento do livro “Que Lance!”, de autoria das jornalistas Eduarda Streb e Rafaela Meditsch. Eu tenho o livro em minha biblioteca, e realmente é muito bom.

A obra relata em 148 páginas a história de vida do grande narrador de futebol, que hoje está com 90 anos, e há mais de 20 fora do rádio e da televisão.

Durante 12 meses as jornalistas pesquisaram, buscaram fontes e construíram a obra. O livro traz diversas histórias da vida do ex-narrador esportivo como o conto da onça, em que Celestino, na época em que passou pelo Pantanal, foi desafiado a tirar uma foto com ela.

O principal objetivo das jornalistas foi fazer o resgate histórico de uma vida que permeia a história do esporte gaúcho. Valenzuela disse que o seu sonho era ser jogador de futebol.

Chegou a treinar no Grêmio e no Internacional. Teve a oportunidade de ser jogador profissional no time do Cruzeiro, de São Gabriel. Entretanto, na sua partida de estreia, machucou o menisco – fato que levou o ponta-direita a pendurar as chuteiras.

Mas essa vivência e a descoberta de que ele tinha uma boa voz para narrar o aproximaram da comunicação e da narração esportiva.

Celestino Valenzuela foi um profissional respeitado e admirado que marcou toda uma época. Ele foi um pioneiro no rádio, na TV, no jornalismo esportivo, teve uma carreira brilhante.

Valenzuela não é conhecido e admirado somente por quem conviveu com suas narrações nas décadas de 70 e 80. Gerações mais novas também o conhecem e se fascinam pela qualidade do seu trabalho. Desta forma, além de fatos da vida, “Que Lance!” traz também dicas de narração para aqueles que almejam uma posição, seja no rádio ou na televisão. (Pesquisa: Nilo Dias)


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