O “Jornal do Comércio”, de Porto Alegre, publicou em sua edição de
1 de janeiro de 2015, um interessante artigo assinado pela professora e
jornalista Priscila Pasko, intitulado “Alcides Maya, um imortal esquecido”.
Segundo ela, depois que Maya faleceu é que sua obra foi relegada
ao esquecimento, sendo substituída pela obra de outro escritor, Simões Lopes
Neto. Os textos dos dois eram bastante semelhantes e exploravam a mesma
temática regionalista e gauchesca.
Sem dúvida eles foram incomparáveis. Simões buscando histórias na
mitologia local e Maya com um olhar mais sociológico. Isso pode ser comprovado
no capítulo VI, do livro “Ruínas Vivas”, quando descreve um cenário
pós-carneação:
“Vagaroso, escarvando o chão a espaços, um grande touro avançou,
farejou a terra, e, de pescoço estendido, como se fitasse, evocativo, as
sombras nutantes sobre os longes da noite, atroou o escampo com um longo mugido
repassado de angústia”.
O longo hiato entre a publicação da última obra ficcional de
Alcides Maya – “Alma Bárbara”, em 1922 - e a sua morte, em 1944, e os entraves
de reedições por questões de direitos autorais também contribuíram para que o
escritor caísse no esquecimento.
Foi apenas na década de 1970 que a “Editora Movimento” lembrou de
Alcides Maya, republicando os livros “Ruínas Vivas” e “Tapera”. Além desses, a
doutora e crítica literária Léa Masina também publicou “Alcides Maya: um sátiro
na terra do Curupira” e “Textos críticos de Alcides Maya”.
E não esquecendo que o saudoso historiador gabrielense, Osório
Santana Figueiredo, também publicou a obra “Alcides Maya, o Clássico dos
Pampas”.
As obras de Alcides Maya já caíram em domínio público e, portanto,
qualquer ação que se faça para salvar seu trabalho literário, não precisa da
autorização de herdeiros. Como de praxe, todo o dia 1 de janeiro, obras
literárias, artísticas e científicas entram em domínio público.
Isso acontece no ano seguinte em que se completam 50 ou 70 anos da
morte do autor, dependendo da legislação de cada país - no Brasil, são 70 anos.
Alcides Maya faleceu em 1944 e sua obra se tornou de domínio público em 2014.
FILHO DE SÃO GABRIEL
Alcides Castilho Maia era gaúcho de São Gabriel, onde nasceu no
dia 15 de setembro de 1878 e faleceu no Rio de Janeiro, em 2 de outubro de
1944. Foi um intelectual na verdadeira acepção da palavra, pois conseguiu ser
ao mesmo tempo jornalista, político, contista, romancista e ensaísta.
Além de ter sido o primeiro gaúcho a ingressar na Academia Brasileira
de Letras, Maya foi o pioneiro em produzir um romance social no Brasil (Ruínas
vivas), apontando para o êxodo rural e a formação dos bolsões de miséria que
cercam as cidades.
Maya foi o primeiro a ver na pujança do pampa mais do que
heroísmo: ele assinalou a existência daquilo que, mais tarde, Cyro Martins
designou como gaúcho a pé.
O pai de Alcides Maya, Henrique Maia de Castilho, era funcionário
público federal e de origem citadina. O interesse pelas coisas do pago e com o
sentimento gaúcho que marcaram a sua literatura de ficção foram heranças da
linha materna.
Sua mãe era Carlinda de Castilho Leal, filha de Manuel Coelho
Leal, dono da estância de Jaguari, no município de Lavras do Sul, e ainda de
duas frações de campo em São Gabriel, chamadas “Tarumã” e “Guabiju”.
Alcides Maia passou a infância na estância de “Jaguari”, cenário
de muitas de suas páginas regionalistas, sobretudo no romance “Ruínas Vivas”,
que é, de certo modo, a visão nostálgica da estância avoenga.
Antes de ter concluído os estudos primários, Alcides foi levado
para Porto Alegre, onde fez os estudos de Humanidades. Aos 18 anos foi estudar
Direito, em São Paulo.
Mas sua verdadeira vocação era para as letras e o jornalismo, por
isso não demorou para abandonar a Faculdade e retornar a Porto Alegre, em 1896.
A partir dai entregou-se à prática do jornalismo militante, atividade que
exerceu ao longo de toda a vida.
No jornalismo distinguiu-se sempre pela preocupação eminentemente
cultural e pelo engajamento político. Iniciou sua atividade em “A Reforma”,
órgão federalista, mas logo foi “lutar ao lado dos batalhadores da República”.
A partir de 1897 passou a integrar a redação de “A República”,
órgão da dissidência republicana, e chegou a ocupar a direção do jornal. Aos 19
anos estreou em livro com “Pelo futuro”, onde critica os novos escritores que
copiam os estilos poéticos dos poetas estrangeiros.
Seus artigos de jornal de 1898 a 1900 foram reunidos em livro sob
o título de “Através da imprensa”. Além da vivência nas redações de jornais,
teve contato, em Porto Alegre, com o celebrado polígrafo Apolinário Porto
Alegre, cujo retiro da Casa Branca era “a verdadeira sede da atividade
espiritual do Rio Grande”.
Apolinário Porto Alegre, inclusive, fez o prefácio do livro “O Rio
Grande Independente”, de Alcides Maya, publicado em 1898.
Segundo ocupante da cadeira 4, foi eleito em 6 de setembro de
1913, na sucessão de Aluísio Azevedo e recebido em 21 de julho de 1914 pelo
acadêmico Rodrigo Otávio. Recebeu o Acadêmico Gregório da Fonseca.
ENTRE PORTO ALEGRE E RIO DE JANEIRO
Em 1903, Alcides Maia fez sua primeira viagem ao Rio de Janeiro,
onde seu nome já era bem conhecido. A partir de então, passou a viver e a
desenvolver atividades, alternadamente, ora no Rio de Janeiro, ora em Porto
Alegre.
Homem de caráter e refinado esteta, era o tipo de intelectual
talhado para sentir-se à vontade na capital do país. Seu gauchismo sem jaça era
a expressão da autenticidade do seu nacionalismo atuante.
Suas ideias antisseparatistas estão contidas no livro “O Rio
Grande independente”. No Rio, residia numa “república de intelectuais”, situada
na rua das Laranjeiras, onde recebeu um dia a visita de Machado de Assis. Desde
então, foi levado a entrar na intimidade do mundo machadiano.
A partir de 1905, passou a militar na imprensa carioca,
profissionalmente, colaborando em “O País”, “O Imparcial”, “Correio da Manhã” e
“Jornal do Comércio”. Assinava artigos também com o pseudônimo “Guys”.
Em 1908, voltou para Porto Alegre, levado por uma motivação
bastante ambiciosa: a fundação de um matutino, o “Jornal da Manhã”. Durou
apenas um ano, mas ficou na sua coleção uma parte valiosa do acervo
jornalístico de Alcides Maia.
De volta ao Rio, viveu os melhores anos de sua carreira
jornalística e literária. Em 1910, publicou seu único romance, “Ruínas vivas”,
que compõe com os livros de contos “Tapera” (1911) e “Alma bárbara” (1922), a sua
trilogia regionalista, que reflete a poesia dos pampas, buscando no passado as
raízes do seu povo.
Outros grandes momentos de sua carreira se deram em 1912, com a
publicação do ensaio “Machado de Assis (algumas notas sobre o humour)”, e, no
ano seguinte, com a sua entrada na Academia Brasileira de Letras, como o
primeiro rio-grandense a ter ingresso na Casa de Machado de Assis. Por essa
época, era o bibliotecário do “Pedagogium”.
Representou o Rio Grande do Sul na Câmara dos Deputados, no
período legislativo de 1918 a 1921. Embora integrado na representação do
Partido Republicano, a sua atividade parlamentar se fez sentir pela preocupação
com os problemas da educação e cultura.
De 1925 a 1938, residiu em Porto Alegre, com breve incursão ao
Rio, decorrente de sua participação no movimento revolucionário de 1930. Lá
dirigiu o “Museu Júlio de Castilhos”, até se aposentar, e colaborou no “Correio
do Povo”.
Levado por uma inquietação de toda a vida retornou ao Rio, onde
viveu seus últimos anos (1938-1944), escrevendo para o “Correio do Povo” e
frequentando a Academia Brasileira de Letras quando podia.
Mas sempre sentindo saudades do Rio Grande, da sua querência. Para
lá voltou, cinco anos após a sua morte, quando seus restos mortais foram
trasladados para o “Panteon Rio-grandense”, em Porto Alegre.
UM EXCELENTE MÉDIUM
O que pouca gente sabe é que Alcides Maya foi bastante exaltado
entre os espíritas, quando tomaram conhecimento de alguns fenômenos por ele
manifestados. Sabe-se que foi excelente médium de efeitos físicos, o que muitas
vezes o deixou em situações desagradáveis junto de amigos.
Alguns dos fatos vividos por Alcides Maya chegavam a ser cômicos.
Vejamos alguns.
Atendendo um pedido de Alcides Maya, o poeta Leal de Souza
mudou-se da rua Senador Vergueiro, onde morava,
para a pensão da rua Buarque de Macedo, 52, endereço do escritor
gabrielense. Maya queixava-se de crises nervosas e dizia necessitar de uma
pessoa amiga ao seu lado.
Logo que ocupou seu quarto na pensão, Leal de Souza sentiu que os
seus cabelos ficaram de pé e ele todo arrepiado. Eram aproximadamente 10 horas
da noite, quando ouviu alguém bater com força na porta de seu quarto. E
despreocupado, Leal disse, cordialmente: "Entre!"
E ninguém entrou, pelo menos, aparentemente. Mas, atento, ouviu
certos passos se dirigirem da porta até o ponto em que se encontrava. Como nada
visse pensou: “São passadas no aposento ao lado”.
Mas não demorou para ouvir novas pancadas, dessa feita na porta
que dava comunicação ao quarto vizinho, onde estava instalado o então
presidente da Assembléia Legislativa, do Rio de Janeiro, Francisco Marcondes.
Leal de Souza não era assustado e nem acreditava em fantasmas. E
não pensou duas vezes, saiu do quarto e foi procurar o incômodo vizinho, a fim
de pedir silêncio. Mas Francisco Marcondes não se encontrava na pensão. Isso não
incomodou Leal que voltou ao seu aposento, deitando-se sem mais delongas.
A CAMA LEVANTOU DO CHÃO
Foi quando o incrível e inesperado ocorreu. Sua cama levantou-se
sozinha do chão. Rápido, deu um pulo. E o leito, que era de ferro, desceu,
então, suave ao assoalho. Tornou a deitar-se e, de novo repetiu-se o fenômeno.
Sem abater-se pensou que estava sofrendo dos nervos. E se dirigiu
ao quarto de Alcides Maya e contou-lhe o que havia acontecido.
Mas Alcides Maya o sossegou, confessando que nos quatro cômodos
daquele segundo andar eram comuns tais fenômenos. E completou: “Chamei você
aqui por causa deles, pois queria saber se você, sem ser avisado, os
constataria”.
No outro dia, com a saída de um hospede, veio para a pensão ocupar
aquele quarto um cidadão de nacionalidade inglesa. Mas não durou muito por lá.
No outro dia, pela manhã, com os olhos arregalados, o inglês fez as malas,
pagou a conta e foi embora sem nem ao menos olhar para trás.
O outro hospede, Francisco Marcondes achou por bem regressar à sua
fazenda, ficando no segundo andar, apenas, Alcides Maya e Leal de Souza, cujos
quartos eram separados por dois aposentos.
Mais ou menos às nove horas da noite, Leal de Souza estava
recostado na cama, lendo um livro, quando sentiu uma desagradável sensação de
frio nos pés. Ao esticar o braço para pegar uma coberta, viu, estupefato, uma
coluna de luar leitoso a alvejar sobre a cama.
Aos poucos o “luar” foi tornando-se consistente e tomou a forma de
uma figura humana. E, não sabendo como agir, Leal de Souza, trêmulo, abandonou
o quarto.
Interessante é que esses fenômenos ocorriam, quase sempre, ás duas
horas da tarde e geralmente iam até a madrugada. E eram atestados por pessoas
estranhas que, curiosas, iam à pensão, mas nada sabiam explicar.
O SOFÁ SUBIU DO CHÃO
Outra ocasião estavam no quarto de Alcides Maya, ele, Leal Souza e
um pastor protestante, saboreando um chimarrão e conversando sobre o Rio Grande
do Sul, quando o sofá em que estavam sentados começou a subir, devagarinho.
Alcides rapidamente pulou ao chão, com o sofá ficando parado no
ar, desafiando a lei da gravidade. Então, todos se puseram a discutir o
fenômeno.
"Isto é o efeito de um abalo sísmico", disse o pastor. E
Alcides Maya discordou: "Não pode ser abalo, pois um tremor de terra
sacudiria os outros móveis e abalaria as paredes!"
Depois que o sofá pousou sobre o assoalho sem provocar ruídos, o
pastor protestante saiu-se com esta: "Meus amigos, só há uma explicação
para o caso. Este sofá não se levantou. Nós tivemos um momento de
alucinação!" E, assim, o ingênuo pastor explicou, definitivamente, a ação
dos espíritos no plano físico.
A partir dai ficou claro que era Alcides Maya o responsável por
tudo aquilo. Depois que ele e Leal de Souza desocuparam os quartos, novos
inquilinos vieram e mais nada de anormal se verificou. Mas passados dois meses,
Alcides regressou à pensão e, nessa mesma noite, foi um desastre, para os
inquilinos incautos.
Pelos quartos os objetos tremiam, luzes brilhavam dentro da
escuridão, pancadas sacudiam as portas. E o resultado foi cômico. Alucinados
com o que viam e ouviam, os inquilinos, em trajes menores, se puseram a descer
a escadaria, procurando a porta da rua.
OUTROS CASOS OCORRIDOS
Alcides Maya, talvez por temer sua reputação literária (era da
Academia Brasileira de Letras) nada falou sobre outros casos que serviriam de
instrumento aos espíritos. Quer dizer: preferiu a hipotética e frágil
imortalidade acadêmica à imortalidade contundente dos espíritos.
E Leal de Souza, depois dessas experiências, passou a estudar as
obras de Allan Kardec, tornando-se espírita dedicado.
Antônio Eliezer Leal de Souza, seu nome completo, era filho de Santana
do Livramento, onde nasceu no dia 24 de dezembro de 1880.
Quando jovem, foi Alferes e participou da “Guerra de Canudos”.
Cansado de sofrer prisões por combater o governo de Borges de Medeiros,
desligou-se do quartel.
Ao desligar-se do Exército, dedicou-se ao jornalismo, tendo sido
redator do jornal “A Federação”, de Porto Alegre. Depois de algum tempo, foi
para o Rio de Janeiro, onde cursou Direito, sem concluí-lo, porém. Nessa mesma
cidade, teve destaque como diretor e repórter dos jornais “A Noite”, “Diário de
Notícias” e “A Nota”.
Como repórter deu o furo sobre o assassinato de Euclides da Cunha.
Freqüentava a roda literária formada por Olavo Bilac, Martins Fontes, Coelho
Neto, Luis Murat, Goulart de Andrade, Alcides Maya, Aníbal Teófilo, Gregório da
Fonseca e outros.
A partir de 1903 Alcides Maia passou a viver e a desenvolver
atividades, ora no Rio de Janeiro, onde já era bastante conhecido, ora em Porto
Alegre.
Na antiga capital do país, morava em “república", na rua das
Laranjeiras, onde certo dia recebeu a visita do escritor Machado de Assis.
Desde então ficaram amigos.
Alcides Maya escreveu os seguintes livros: “Pelo futuro”, ensaio;
“O Rio Grande independente”, ensaio; “Através da imprensa”, jornalismo; “Ruínas
vivas”, romance; “Tapera”, contos; “Machado de Assis, - Algumas notas sobre o
humour, ensaio; “Crônicas e ensaios”, jornalismo; “Alma bárbara”, contos; “O
gaúcho na legenda e na história”, ensaio; “Lendas do Sul”, folclore, publicadas
na “Ilustração Brasileira” e “Romantismo e naturalismo na obra de Aluísio
Azevedo”. (Pesquisa: Nilo Dias)

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