Durante o conflito político-militar, tanto quando dos episódios
armados no ano de 1923 e através de publicações posteriores ao término das
hostilidades no Estado, fotógrafos de diferentes regiões do Rio Grande do Sul,
mostraram interesse pelo tema.
Era grande a procura de imagens sobre o conflito, sendo que elas
atingiram ampla circulação em determinados setores da sociedade rio-grandense.
Eram reproduzidas e comercializadas em formatos e suportes variados, tais como,
álbum fotográfico, fotogravuras em jornais, reproduções em cartões-postais,
quadros, etc.
Não foi só interesse comercial que despertaram, mas também
político, pois alguns desses artefatos serviram como importantes instrumentos
de luta política para os grupos partidários rio-grandenses, especialmente para
os oposicionistas.
O “Álbum dos Bandoleiros” é um álbum fotográfico impresso, um
produto tipográfico, diferente dos antigos e tradicionais álbuns fotográficos,
com capa de couro e páginas acartonadas. Embora contenha textos, é basicamente
composto por reproduções fotográficas legendadas.
Nele, predominam os retratos, representando os indivíduos e sua
adesão à causa política que deflagrou a luta. São homenageados vivos e mortos,
bem como os ocupados em socorrer as vítimas. Há retratos individuais e de
grupos, produzidos ao ar livre, em estúdio ou outros espaços fechados.
Também são numerosos os registros de grupos em manobras militares
ou acampados, em regiões rurais, sendo comum a companhia do cavalo. Proliferam
as imagens de mortos, túmulos e sepultamentos.
Mais numerosos são os retratos de médicos, enfermeiras e
respectivos pacientes, em tratamento nas dependências da Cruz Vermelha.
Em menor volume, constam as imagens relacionadas à imprensa,
valorizada pelo posicionamento político de determinadas folhas e seus
jornalistas em favor da oposição. Também merecem atenção os eventos cotidianos,
as manobras militares e ocupações de cidades, bem como os acontecimentos
extraordinários, referentes à pacificação e solenidades afins.
Destacam-se no trabalho do autor, os seguintes documentos históricos:
um álbum fotográfico impresso publicado pela “Revista Kodak” no ano de 1924,
intitulado “Álbum dos Bandoleiros – Revolução Sul Riograndense, 1923” e
produzido em homenagem aos “bandoleiros” que atuaram na guerra civil.
Algumas fotogravuras publicadas pelo jornal “Última Hora”, de
Porto Alegre, principal folha partidária dos oposicionistas da capital gaúcha e
importante veículo de comunicação, mobilização e informação para os
“revolucionários” de 1923.
Conjunto de cartões postais impressos com imagens fotográficas de
retratos dos diversos personagens da guerra civil e que foram utilizados como
um mecanismo de comunicação entre indivíduos envolvidos com o conflito.
E um quadro, intitulado como “Pro-Paz”, produzido pela
“Photografia Popular” de propriedade do fotógrafo Carlos Gatti, em Porto Alegre
e constituído por 35 fotogravuras de retratos das lideranças da guerra civil,
essencialmente dos “chefes libertadores”.
O pesquisador buscou analisar de que forma, o “Álbum dos
Bandoleiros”, contribuiu como um instrumento de poder simbólico para as
oposições político-partidárias estaduais, em uma tentativa de forjar uma coesão
e gerar mobilização entre os segmentados setores oposicionistas rio-grandenses,
além da buscar estabelecer uma determinada leitura e memória da guerra civil de
1923 e dos “bandoleiros”.
ONDE ENCONTRAR O ÁLBUM
As duas edições da publicação podem ser encontradas em diversos
acervos do Estado, dentre eles: “Museu da Comunicação Social Hipólito José da
Costa”, em Porto Alegre.
Também constam exemplares nos acervos do “Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul”, em Porto Alegre, no “Setor de Obras Raras”, da Biblioteca
Central da Pontifícia Universidade Católica, em Porto Alegre e na “Bibliotheca
Pública Pelotense”, em Pelotas, entre outros.
A coleção preservada do jornal “Última Hora”, encontra-se bastante
fragmentada, constando exemplares esparsos dos anos de 1922, 1923, 1924 e 1926.
Disponível para a pesquisa no “Museu da Comunicação Social Hipólito José da
Costa”, em Porto Alegre.
O conjunto de cartões-postais encontra-se disponível no “Acervo
Iconográfico do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul”, Pasta 17. As
informações acerca de sua existência foram coletadas através de reproduções em
livros e páginas da Internet, além de uma consulta aos jornais da época.
Havia a evidência de uma demanda de mercado para este tipo de
consumo, assim como uma circulação e interesse por parte de determinados
setores da sociedade rio-grandense em torno de representações visuais do
conflito armado de 1923, especialmente no que tange a atuação dos
“libertadores” ou “bandoleiros” da guerra civil.
A Revolução de 1923 no Rio Grande do Sul se deflagrou após as
eleições para presidente estadual em 1922. Para o pleito eleitoral ocorreu um
movimento de coalizão e rearticulação entre os diversos setores oposicionistas
gaúchos (membros do Partido Federalista, seguidores de Assis Brasil e Fernando
Abbot e alguns dissidentes recentes do próprio PRR, como os Menna Barreto e
Pinheiro Machado).
A frente única formada pelos oposicionistas designou Joaquim
Francisco de Assis Brasil como candidato para concorrer contra Borges de
Medeiros, principal liderança do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e
presidente do Estado que buscava sua reeleição.
As eleições ocorreram de forma tumultuada, tendo sido Borges de
Medeiros decretado vencedor em meio a uma série de acusações de fraudes,
violências e irregularidades.
Defendendo a ideia de suposta fraude eleitoral borgista, os
oposicionistas iniciaram em janeiro de 1923 uma guerra civil pelo território
rio-grandense com o intuito principal de convulsionar o Estado para que o
presidente da República Arthur Bernardes intervisse na região e depusesse
Borges da comandância estadual.
A tão esperada intervenção federal apenas ocorreu no mês de
dezembro e de forma branda: Bernardes enviou ao Rio Grande do Sul o ministro de
Guerra, Setembrino de Carvalho.
A crença oposicionista na intervenção federal e o ânimo opositor
das campanhas de 1922 e 1923 devem-se, principalmente, ao fato de que as
relações entre Bernardes e Borges eram bastante tensas durante aquele período.
Nas eleições para presidente nacional em 1922, o chefe do PRR
apoiou a chapa de Nilo Peçanha contra Arthur Bernardes, na chamada Reação
Republicana.
Bernardes acabou como vencedor daquele pleito nacional e a relação
entre Borges e o poder federal ficou fragilizada, para que mediasse um acordo
entre as partes divergentes e colocasse um fim ao conflito armado.
A guerra civil cessou e o pacto de paz foi assinado, entretanto,
Borges de Medeiros permaneceu no poder como presidente legalmente eleito.
A luta armada se desenrolou em diversas localidades do território
estadual, através da liderança de chefes político-militares que possuíam a
capacidade de mobilizar contingentes numerosos de seguidores e adeptos em suas
hostes armadas.
OS GENERAIS LIBERTADORES
Entre os chamados “Generais Libertadores” estavam Leonel Rocha e
Menna Barreto, na região Norte do Estado, Felipe Portinho, no Nordeste, Honório
Lemes, na Fronteira Oeste e Estácio Azambuja e Zeca Netto, na Zona Central e
Sul.
Em torno da atuação destas lideranças, com seus “estados maiores”
e colunas militares é que se concentrou grande parte da atenção dos olhares e
registros fotográficos sobre a guerra civil.
O mais complexo destes produtos político-visuais tratou-se do “Álbum
dos Bandoleiros”, álbum fotográfico impresso com fotogravuras e organizado e
publicado pela “Revista Kodak”, sob a direção de Fernando Barreto e Carlos
Horácio Araújo.
O álbum foi publicado em duas edições distintas: a primeira no mês
de janeiro de 1924 e a segunda em abril, em uma reedição aumentada e chamada de
“8ª edição”.
O chamado “Pacto de Pedras Altas” foi assinado no dia 14 de
dezembro de 1923 no Castelo de Pedras Altas, onde os opositores obtiveram
vitórias significativas com o acordo, embora muitos chefes “libertadores”
acabaram decepcionados com o desfecho da revolta, tendo em vista que a
principal reivindicação dos insurretos era a deposição imediata de Borges de
Medeiros, o que acabou não ocorrendo.
O acordo de paz, em linhas gerais, proibia a reeleição para
presidente do Estado e para intendentes municipais; previa eleições diretas
para vice-presidente; previa a adequação das eleições municipais e estaduais a
legislação federal; garantia a representação das minorias na Assembleia e no Congresso;
e concedia anistia aos opositores.
TIRAGEM DE 20 MIL EXEMPLARES
A edição mais completa e extensa conteve 96 páginas e
aproximadamente 340 imagens fotográficas. Sua tiragem foi de 20 mil exemplares,
número bastante expressivo para publicações deste cunho daquela época, o que
possivelmente contribuiu para uma larga circulação do artefato pela sociedade
gaúcha.
Em anúncios publicados no jornal “Correio do Povo”, os editores da
publicação comunicavam que os exemplares custavam 15$000 cada e estavam à venda
na redação da “Kodak” e em diversos pontos de comércio, além de serem
disponibilizadas para revendedores e para envio pelo correio.
Em seu conteúdo, o “Álbum dos Bandoleiros” foi composto por um
complexo mosaico formado por imagens fotográficas acompanhadas de legendas
contendo o uso efusivo de adjetivos glorificantes para os “bandoleiros” e
também de textos documentários acerca dos diversos personagens, curiosidades,
localidades e acontecimentos dos episódios da guerra civil.
As fotografias impressas no álbum possuíam temáticas bastante
diversificadas, com destaque para algumas delas, tais como, os retratos das
principais lideranças oposicionistas da guerra civil e suas tropas. Líderes
como Zeca Netto, Honório Lemes, Felipe Portinho, entre outros, são
representados como os “heróis” do Rio Grande do Sul.
Enfermeiros e médicos da “Cruz Vermelha bandoleira” em hospitais
ou posando em estúdios; retratos de políticos de destaque na causa
oposicionista, como Assis Brasil, Francisco Antunes Maciel, Arthur Caetano,
Fernando Abbot, entre outros; retratos de jornalistas propagandistas da guerra
civil, como Hugo Barreto, Lourival Cunha e Mario Sá do jornal “Última Hora”,
além de os próprios envolvidos com a publicação do álbum, Fernando Barreto,
Carlos Horácio Araújo e o colaborador fotográfico Affonso de Oliveira.
E ainda alguns acontecimentos e localidades em que se desenrolou a
revolta, como as fotografias da tomada de Pelotas por Zeca Netto, a cobertura
fotográfica das viagens do ministro de Guerra Setembrino de Carvalho pelo
Estado para mediar os acordos de paz e das reuniões entre os chefes
“bandoleiros”, na residência de Assis Brasil em Pedras Altas.
Através dos recursos visuais e textuais reproduzidos em suas
páginas, o “Álbum dos Bandoleiros” procurou construir uma representação dos
“bandoleiros” e do movimento de 1923 que destacasse o protagonismo dos
opositores e perpetuasse uma determinada leitura e memória daqueles
acontecimentos.
A construção desta visão ocorreu em contraposição a uma versão
antagônica operada anteriormente pelos seus adversários políticos no decorrer
da guerra civil.
DISCURSO PEJORATIVO
Durante o ano de 1923, os adeptos do PRR, através de seu órgão de
imprensa oficial, o jornal “A Federação”, insistiram na construção de um
discurso pejorativo acerca dos opositores, principalmente por meio da
criminalização do movimento armado com o uso de adjetivos negativos, como o de
“bandidos” ou “bandoleiros”, e a referência à guerra civil como uma prática
“criminosa”, “covarde” e esvaziada de qualquer sentido e embasamento político e
social.
Outra importante publicação que utilizou e difundiu imagens
visuais da guerra civil foram os exemplares do jornal “Última Hora”, de Porto
Alegre.
Assim como o “Álbum dos Bandoleiros”, o jornal se colocou
explicitamente como propagandista dos interesses e objetivos das lutas
oposicionistas no Estado, além de fazer das fotografias um instrumento de poder
e convencimento dos leitores.
No ano de 1923 o jornal tinha como redator-chefe Hugo Barrete e
como gerente Francisco Niederauer Timm. Sua redação e oficina gráfica estavam
localizadas na Rua dos Andradas, nº 58 e 6018.
“Última Hora” circulou em Porto Alegre a partir de 1914 sob
fundação e direção de Lourival Cunha. O jornal foi o porta-voz das oposições na
campanha de 1922 e cobriu as notícias da guerra civil de 1923. Deixou de
circular alguns anos após este período.
O fotógrafo Carlos Gatti, proprietário do estúdio fotográfico
“Photografia Popular de Porto Alegre”, foi um dos colaboradores comerciais e
anunciantes do projeto do “Álbum dos Bandoleiros” e através da “8ª edição”.
Ele anunciou que seu estúdio fotográfico possuía os originais de
todos os clichês divulgados no álbum e prestava o serviço de reprodução e
encomendas de ampliação das fotografias.
O atelier fotográfico de Gatti estava localizado inicialmente na
Rua Marechal Floriano e em seguida abriu uma filial na Rua dos Andradas,
principal artéria comercial do centro da cidade.
No ano de 1924, Gatti passou a oferecer ao consumidor
rio-grandense, além da reprodução e ampliação das fotografias pertencentes ao
álbum, outro artefato visual com imagens do movimento armado de 1923.
Tratava-se de um grande quadro colorido, intitulado “Pro-Paz”,
impresso com fotogravuras de retratos das lideranças oposicionistas da guerra
civil, além das imagens fotográficas de personagens importantes na articulação
da pacificação do Estado, como o ministro Setembrino de Carvalho, o arcebispo
João Antônio Becker e o senador Soares dos Santos, entre outros.
O fotógrafo anunciou seu serviço de produção do quadro no jornal
“Correio do Povo”, comunicando que estava à venda o “Pro-Paz”, grande quadro em
sete cores com 35 fotografias dos vultos mais proeminentes do movimento
revolucionário. Preço 3$500.
Posteriormente, o produto teve seu preço reduzido e passou a
atender demandas em maiores quantidades: “Um quadro: 2$500, 100 cópias 200$000,
50 cópias 110$000”.
CARTÕES POSTAIS
Por último, cabe mencionar a existência de alguns cartões postais
com fotografias retratando personagens e locais da guerra civil. Entre os
diversos cartões mapeados durante a pesquisa, encontra-se a imagem fotográfica
que talvez seja a mais conhecida e reproduzida sobre os “revolucionários” de
1923.
Trata-se da fotografia dos sete principais chefes libertadores,
Mena Barreto, Chiquinote Pereira, Leonel Rocha, Honório Lemes, Assis Brasil,
Zeca Neto, Felipe Portinho e Estácio Azambuja, acompanhados por Setembrino de
Carvalho e Ângelo Pinheiro Machado na residência de Assis Brasil durante as
reuniões para tratar dos termos da pacificação do Estado.
Os postais em análise apresentam na parte frontal imagens
fotográficas em preto e branco que retratam as tropas marchando sobre cidades
ou em manobras militares, soldados acampados, lideranças do conflito pousando
em estúdios, etc.
Já o verso do cartão, além do espaço para o preenchimento do
endereço postal, era reservado para a escrita de poucas linhas que servissem
como mensagem ao destinatário.
Alguns cartões apresentam no verso trocas de mensagens entre
pessoas envolvidas com a luta armada e que buscavam enviar notícias para
familiares ou amigos distantes.
Tendo em vista que os postais, assim como outras correspondências,
tinham como objetivo estabelecer uma comunicação entre ausentes e restituir uma
distância, através de mensagens com declarações de amor, saudades e as
convencionais informações sobre o bom estado de saúde, principalmente em tempos
de confrontos bélicos, onde os cartões serviam como uma forma de comunicar os
amigos e familiares sobre a sobrevivência dos soldados.
Este é o caso específico de alguns cartões postais remetidos por
um individuo chamado Paulo, possivelmente um combatente do lado opositor, para
a destinatária Norma, aparentemente amiga próxima do emissor.
Através dos postais, Paulo além de transmitir e solicitar notícias
aos amigos e familiares, também enviou imagens fotográficas dos acontecimentos
que ocorriam no Estado.
Ao que tudo indica o “Álbum dos Bandoleiros” representou o
principal e mais bem elaborado produto político-visual da guerra civil de 1923.
(Pesquisa: Nilo Dias - Matéria publicada no jornal "O Fato", de São Gabriel-RS, edição de 19 de junho de 2019)
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