sexta-feira, 21 de junho de 2019

O que era o “Álbum dos Bandoleiros”

Durante o XXII Encontro Estadual de História realizado pela Associação Nacional de História – Secção Rio Grande do Sul (Anpu-RS), de 11 a 14 de agosto de 2014, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, o mestrando em História, Rodrigo Dal Forno, apresentou o trabalho “História, verdade e ética”, em que analisa a “Revolução de 1923” através de imagens.

Durante o conflito político-militar, tanto quando dos episódios armados no ano de 1923 e através de publicações posteriores ao término das hostilidades no Estado, fotógrafos de diferentes regiões do Rio Grande do Sul, mostraram interesse pelo tema.

Era grande a procura de imagens sobre o conflito, sendo que elas atingiram ampla circulação em determinados setores da sociedade rio-grandense. Eram reproduzidas e comercializadas em formatos e suportes variados, tais como, álbum fotográfico, fotogravuras em jornais, reproduções em cartões-postais, quadros, etc.

Não foi só interesse comercial que despertaram, mas também político, pois alguns desses artefatos serviram como importantes instrumentos de luta política para os grupos partidários rio-grandenses, especialmente para os oposicionistas.

O “Álbum dos Bandoleiros” é um álbum fotográfico impresso, um produto tipográfico, diferente dos antigos e tradicionais álbuns fotográficos, com capa de couro e páginas acartonadas. Embora contenha textos, é basicamente composto por reproduções fotográficas legendadas.

Nele, predominam os retratos, representando os indivíduos e sua adesão à causa política que deflagrou a luta. São homenageados vivos e mortos, bem como os ocupados em socorrer as vítimas. Há retratos individuais e de grupos, produzidos ao ar livre, em estúdio ou outros espaços fechados.

Também são numerosos os registros de grupos em manobras militares ou acampados, em regiões rurais, sendo comum a companhia do cavalo. Proliferam as imagens de mortos, túmulos e sepultamentos.

Mais numerosos são os retratos de médicos, enfermeiras e respectivos pacientes, em tratamento nas dependências da Cruz Vermelha.

Em menor volume, constam as imagens relacionadas à imprensa, valorizada pelo posicionamento político de determinadas folhas e seus jornalistas em favor da oposição. Também merecem atenção os eventos cotidianos, as manobras militares e ocupações de cidades, bem como os acontecimentos extraordinários, referentes à pacificação e solenidades afins.

Destacam-se no trabalho do autor, os seguintes documentos históricos: um álbum fotográfico impresso publicado pela “Revista Kodak” no ano de 1924, intitulado “Álbum dos Bandoleiros – Revolução Sul Riograndense, 1923” e produzido em homenagem aos “bandoleiros” que atuaram na guerra civil.

Algumas fotogravuras publicadas pelo jornal “Última Hora”, de Porto Alegre, principal folha partidária dos oposicionistas da capital gaúcha e importante veículo de comunicação, mobilização e informação para os “revolucionários” de 1923.

Conjunto de cartões postais impressos com imagens fotográficas de retratos dos diversos personagens da guerra civil e que foram utilizados como um mecanismo de comunicação entre indivíduos envolvidos com o conflito.

E um quadro, intitulado como “Pro-Paz”, produzido pela “Photografia Popular” de propriedade do fotógrafo Carlos Gatti, em Porto Alegre e constituído por 35 fotogravuras de retratos das lideranças da guerra civil, essencialmente dos “chefes libertadores”.

O pesquisador buscou analisar de que forma, o “Álbum dos Bandoleiros”, contribuiu como um instrumento de poder simbólico para as oposições político-partidárias estaduais, em uma tentativa de forjar uma coesão e gerar mobilização entre os segmentados setores oposicionistas rio-grandenses, além da buscar estabelecer uma determinada leitura e memória da guerra civil de 1923 e dos “bandoleiros”.

ONDE ENCONTRAR O ÁLBUM

As duas edições da publicação podem ser encontradas em diversos acervos do Estado, dentre eles: “Museu da Comunicação Social Hipólito José da Costa”, em Porto Alegre.

Também constam exemplares nos acervos do “Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul”, em Porto Alegre, no “Setor de Obras Raras”, da Biblioteca Central da Pontifícia Universidade Católica, em Porto Alegre e na “Bibliotheca Pública Pelotense”, em Pelotas, entre outros.

A coleção preservada do jornal “Última Hora”, encontra-se bastante fragmentada, constando exemplares esparsos dos anos de 1922, 1923, 1924 e 1926. Disponível para a pesquisa no “Museu da Comunicação Social Hipólito José da Costa”, em Porto Alegre.

O conjunto de cartões-postais encontra-se disponível no “Acervo Iconográfico do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul”, Pasta 17. As informações acerca de sua existência foram coletadas através de reproduções em livros e páginas da Internet, além de uma consulta aos jornais da época.

Havia a evidência de uma demanda de mercado para este tipo de consumo, assim como uma circulação e interesse por parte de determinados setores da sociedade rio-grandense em torno de representações visuais do conflito armado de 1923, especialmente no que tange a atuação dos “libertadores” ou “bandoleiros” da guerra civil.

A Revolução de 1923 no Rio Grande do Sul se deflagrou após as eleições para presidente estadual em 1922. Para o pleito eleitoral ocorreu um movimento de coalizão e rearticulação entre os diversos setores oposicionistas gaúchos (membros do Partido Federalista, seguidores de Assis Brasil e Fernando Abbot e alguns dissidentes recentes do próprio PRR, como os Menna Barreto e Pinheiro Machado).

A frente única formada pelos oposicionistas designou Joaquim Francisco de Assis Brasil como candidato para concorrer contra Borges de Medeiros, principal liderança do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e presidente do Estado que buscava sua reeleição.

As eleições ocorreram de forma tumultuada, tendo sido Borges de Medeiros decretado vencedor em meio a uma série de acusações de fraudes, violências e irregularidades.

Defendendo a ideia de suposta fraude eleitoral borgista, os oposicionistas iniciaram em janeiro de 1923 uma guerra civil pelo território rio-grandense com o intuito principal de convulsionar o Estado para que o presidente da República Arthur Bernardes intervisse na região e depusesse Borges da comandância estadual.

A tão esperada intervenção federal apenas ocorreu no mês de dezembro e de forma branda: Bernardes enviou ao Rio Grande do Sul o ministro de Guerra, Setembrino de Carvalho.

A crença oposicionista na intervenção federal e o ânimo opositor das campanhas de 1922 e 1923 devem-se, principalmente, ao fato de que as relações entre Bernardes e Borges eram bastante tensas durante aquele período.

Nas eleições para presidente nacional em 1922, o chefe do PRR apoiou a chapa de Nilo Peçanha contra Arthur Bernardes, na chamada Reação Republicana.

Bernardes acabou como vencedor daquele pleito nacional e a relação entre Borges e o poder federal ficou fragilizada, para que mediasse um acordo entre as partes divergentes e colocasse um fim ao conflito armado.

A guerra civil cessou e o pacto de paz foi assinado, entretanto, Borges de Medeiros permaneceu no poder como presidente legalmente eleito.

A luta armada se desenrolou em diversas localidades do território estadual, através da liderança de chefes político-militares que possuíam a capacidade de mobilizar contingentes numerosos de seguidores e adeptos em suas hostes armadas.

OS GENERAIS LIBERTADORES

Entre os chamados “Generais Libertadores” estavam Leonel Rocha e Menna Barreto, na região Norte do Estado, Felipe Portinho, no Nordeste, Honório Lemes, na Fronteira Oeste e Estácio Azambuja e Zeca Netto, na Zona Central e Sul.

Em torno da atuação destas lideranças, com seus “estados maiores” e colunas militares é que se concentrou grande parte da atenção dos olhares e registros fotográficos sobre a guerra civil.

O mais complexo destes produtos político-visuais tratou-se do “Álbum dos Bandoleiros”, álbum fotográfico impresso com fotogravuras e organizado e publicado pela “Revista Kodak”, sob a direção de Fernando Barreto e Carlos Horácio Araújo.

O álbum foi publicado em duas edições distintas: a primeira no mês de janeiro de 1924 e a segunda em abril, em uma reedição aumentada e chamada de “8ª edição”.

O chamado “Pacto de Pedras Altas” foi assinado no dia 14 de dezembro de 1923 no Castelo de Pedras Altas, onde os opositores obtiveram vitórias significativas com o acordo, embora muitos chefes “libertadores” acabaram decepcionados com o desfecho da revolta, tendo em vista que a principal reivindicação dos insurretos era a deposição imediata de Borges de Medeiros, o que acabou não ocorrendo.

O acordo de paz, em linhas gerais, proibia a reeleição para presidente do Estado e para intendentes municipais; previa eleições diretas para vice-presidente; previa a adequação das eleições municipais e estaduais a legislação federal; garantia a representação das minorias na Assembleia e no Congresso; e concedia anistia aos opositores.

TIRAGEM DE 20 MIL EXEMPLARES

A edição mais completa e extensa conteve 96 páginas e aproximadamente 340 imagens fotográficas. Sua tiragem foi de 20 mil exemplares, número bastante expressivo para publicações deste cunho daquela época, o que possivelmente contribuiu para uma larga circulação do artefato pela sociedade gaúcha.

Em anúncios publicados no jornal “Correio do Povo”, os editores da publicação comunicavam que os exemplares custavam 15$000 cada e estavam à venda na redação da “Kodak” e em diversos pontos de comércio, além de serem disponibilizadas para revendedores e para envio pelo correio.

Em seu conteúdo, o “Álbum dos Bandoleiros” foi composto por um complexo mosaico formado por imagens fotográficas acompanhadas de legendas contendo o uso efusivo de adjetivos glorificantes para os “bandoleiros” e também de textos documentários acerca dos diversos personagens, curiosidades, localidades e acontecimentos dos episódios da guerra civil.

As fotografias impressas no álbum possuíam temáticas bastante diversificadas, com destaque para algumas delas, tais como, os retratos das principais lideranças oposicionistas da guerra civil e suas tropas. Líderes como Zeca Netto, Honório Lemes, Felipe Portinho, entre outros, são representados como os “heróis” do Rio Grande do Sul.

Enfermeiros e médicos da “Cruz Vermelha bandoleira” em hospitais ou posando em estúdios; retratos de políticos de destaque na causa oposicionista, como Assis Brasil, Francisco Antunes Maciel, Arthur Caetano, Fernando Abbot, entre outros; retratos de jornalistas propagandistas da guerra civil, como Hugo Barreto, Lourival Cunha e Mario Sá do jornal “Última Hora”, além de os próprios envolvidos com a publicação do álbum, Fernando Barreto, Carlos Horácio Araújo e o colaborador fotográfico Affonso de Oliveira. 

E ainda alguns acontecimentos e localidades em que se desenrolou a revolta, como as fotografias da tomada de Pelotas por Zeca Netto, a cobertura fotográfica das viagens do ministro de Guerra Setembrino de Carvalho pelo Estado para mediar os acordos de paz e das reuniões entre os chefes “bandoleiros”, na residência de Assis Brasil em Pedras Altas.

Através dos recursos visuais e textuais reproduzidos em suas páginas, o “Álbum dos Bandoleiros” procurou construir uma representação dos “bandoleiros” e do movimento de 1923 que destacasse o protagonismo dos opositores e perpetuasse uma determinada leitura e memória daqueles acontecimentos.

A construção desta visão ocorreu em contraposição a uma versão antagônica operada anteriormente pelos seus adversários políticos no decorrer da guerra civil.

DISCURSO PEJORATIVO

Durante o ano de 1923, os adeptos do PRR, através de seu órgão de imprensa oficial, o jornal “A Federação”, insistiram na construção de um discurso pejorativo acerca dos opositores, principalmente por meio da criminalização do movimento armado com o uso de adjetivos negativos, como o de “bandidos” ou “bandoleiros”, e a referência à guerra civil como uma prática “criminosa”, “covarde” e esvaziada de qualquer sentido e embasamento político e social.

Outra importante publicação que utilizou e difundiu imagens visuais da guerra civil foram os exemplares do jornal “Última Hora”, de Porto Alegre.

Assim como o “Álbum dos Bandoleiros”, o jornal se colocou explicitamente como propagandista dos interesses e objetivos das lutas oposicionistas no Estado, além de fazer das fotografias um instrumento de poder e convencimento dos leitores.

No ano de 1923 o jornal tinha como redator-chefe Hugo Barrete e como gerente Francisco Niederauer Timm. Sua redação e oficina gráfica estavam localizadas na Rua dos Andradas, nº 58 e 6018.

“Última Hora” circulou em Porto Alegre a partir de 1914 sob fundação e direção de Lourival Cunha. O jornal foi o porta-voz das oposições na campanha de 1922 e cobriu as notícias da guerra civil de 1923. Deixou de circular alguns anos após este período.

O fotógrafo Carlos Gatti, proprietário do estúdio fotográfico “Photografia Popular de Porto Alegre”, foi um dos colaboradores comerciais e anunciantes do projeto do “Álbum dos Bandoleiros” e através da “8ª edição”.

Ele anunciou que seu estúdio fotográfico possuía os originais de todos os clichês divulgados no álbum e prestava o serviço de reprodução e encomendas de ampliação das fotografias.

O atelier fotográfico de Gatti estava localizado inicialmente na Rua Marechal Floriano e em seguida abriu uma filial na Rua dos Andradas, principal artéria comercial do centro da cidade. 

No ano de 1924, Gatti passou a oferecer ao consumidor rio-grandense, além da reprodução e ampliação das fotografias pertencentes ao álbum, outro artefato visual com imagens do movimento armado de 1923.

Tratava-se de um grande quadro colorido, intitulado “Pro-Paz”, impresso com fotogravuras de retratos das lideranças oposicionistas da guerra civil, além das imagens fotográficas de personagens importantes na articulação da pacificação do Estado, como o ministro Setembrino de Carvalho, o arcebispo João Antônio Becker e o senador Soares dos Santos, entre outros.

O fotógrafo anunciou seu serviço de produção do quadro no jornal “Correio do Povo”, comunicando que estava à venda o “Pro-Paz”, grande quadro em sete cores com 35 fotografias dos vultos mais proeminentes do movimento revolucionário. Preço 3$500.

Posteriormente, o produto teve seu preço reduzido e passou a atender demandas em maiores quantidades: “Um quadro: 2$500, 100 cópias 200$000, 50 cópias 110$000”.

CARTÕES POSTAIS

Por último, cabe mencionar a existência de alguns cartões postais com fotografias retratando personagens e locais da guerra civil. Entre os diversos cartões mapeados durante a pesquisa, encontra-se a imagem fotográfica que talvez seja a mais conhecida e reproduzida sobre os “revolucionários” de 1923.

Trata-se da fotografia dos sete principais chefes libertadores, Mena Barreto, Chiquinote Pereira, Leonel Rocha, Honório Lemes, Assis Brasil, Zeca Neto, Felipe Portinho e Estácio Azambuja, acompanhados por Setembrino de Carvalho e Ângelo Pinheiro Machado na residência de Assis Brasil durante as reuniões para tratar dos termos da pacificação do Estado.

Os postais em análise apresentam na parte frontal imagens fotográficas em preto e branco que retratam as tropas marchando sobre cidades ou em manobras militares, soldados acampados, lideranças do conflito pousando em estúdios, etc.

Já o verso do cartão, além do espaço para o preenchimento do endereço postal, era reservado para a escrita de poucas linhas que servissem como mensagem ao destinatário.

Alguns cartões apresentam no verso trocas de mensagens entre pessoas envolvidas com a luta armada e que buscavam enviar notícias para familiares ou amigos distantes.

Tendo em vista que os postais, assim como outras correspondências, tinham como objetivo estabelecer uma comunicação entre ausentes e restituir uma distância, através de mensagens com declarações de amor, saudades e as convencionais informações sobre o bom estado de saúde, principalmente em tempos de confrontos bélicos, onde os cartões serviam como uma forma de comunicar os amigos e familiares sobre a sobrevivência dos soldados.

Este é o caso específico de alguns cartões postais remetidos por um individuo chamado Paulo, possivelmente um combatente do lado opositor, para a destinatária Norma, aparentemente amiga próxima do emissor.

Através dos postais, Paulo além de transmitir e solicitar notícias aos amigos e familiares, também enviou imagens fotográficas dos acontecimentos que ocorriam no Estado.

Ao que tudo indica o “Álbum dos Bandoleiros” representou o principal e mais bem elaborado produto político-visual da guerra civil de 1923. (Pesquisa: Nilo Dias - Matéria publicada no jornal "O Fato", de São Gabriel-RS, edição de 19 de junho de 2019)

Assis Brasil e Fernando Abbott fizeram parte do álbum.

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