domingo, 1 de setembro de 2019

O médico que podia prever o futuro

O doutor Fernando Abbott, levado pela sua grande fama de médico prodigioso, capaz de diagnosticar uma pessoa que o procurasse simplesmente pelo olhar, e até prever o futuro de alguns enfermos, chegou a ser tido como um mito, envolto na lenda de exaltação aos seus méritos e qualidades excepcionais. Entre tantos, alguns fatos ou lendas pitorescas.

Antigos moradores do subdistrito do Batovi contavam que ali conheceram um estancieiro, casado com uma bela senhora de família tradicional do município de São Gabriel. Certo dia – diziam - foi esse casal passear de carruagem em casa de um cunhado distante algumas léguas.

Era verão, o sol estava quente. Foram recebido pelos parentes com grande alegria e regozijo. Acompanharam a senhora até a porta da frente O dono da estância ao voltar ficou surpreendido ao ver o cunhado afastando-se de regresso com a carruagem a toda disparada dos cavalos.

Os familiares dessa senhora achando por demais estranha a atitude do cunhado que chegara tão eufórico, procuraram o doutor Fernando Abbott, e lhe contaram o acontecido.

O famoso médico, depois de ouvi-los atentamente, aconselhou-os a afastarem a senhora do marido o quanto antes, afirmando que ele sofria de uma doença mental terrível e poderia praticar os maiores males num estado de inconsciência mórbida.

Os parentes da dita senhora acharam precipitada tal medida, pois ambos pareciam se amar mutuamente. E resolveram esperar mais um pouco. Meses depois, tal como previra o doutor Fernando Abbott, o tal psicopata matara a esposa estrangulada, à noite, durante o coito.

Quando se dera conta do hediondo crime que cometera, fugiu corredor afora horrorizado de sí próprio. Mas foi preso em Rosário do Sul. Esse episódio ocorreu em 16 de abril de 1912. Até hoje, no alto de uma coxilha, à beira do corredor no Batovi, existe a Tapera do Evaristinho com a lembrança tétrica do trágico episódio.

Indubitavelmente, o doutor Fernando Abbott era dotado de um dom intuitivo, que o inspirava a argúcia e a premonição, na arte científica de clinicar, dificilmente errando os seus diagnósticos.

Seu nome é patronímico da praça principal da cidade, sempre vivo e referenciado pela população, que o pronuncia cada dia numa homenagem de reconhecimento perene.

Contam que certa feita, conversava ele com um carreteiro à frente da sua casa, pois gostava de tratar com pessoas humildes. Nisso passou uma moça e cumprimentou a ambos. Ele perguntou ao homem da aguilhoada:

“Achou bonita essa moça?” “Muito bela e formosa”, respondeu. “Pena que daqui a 30 dias vai morrer”, sentenciou o médico.

O campeiro impressionado com o que ouvira, dali a dois meses voltou à cidade. Logo de imediato procurou saber da saúde da dita moça, pois ficara sabendo seu nome e dos seus pais. A um comerciante que perguntou obteve a resposta que temera, havia morrido 30 dias antes.

Noutra ocasião, o doutor Fernando Abbott fora chamado urgente para atender ao padre da paróquia, que passava mal. Ao chegar lá, examinou e passou a receita. E já ia se retirando quando alguém o interceptou, perguntando pela saúde do senhor vigário. Sem parar, respondeu:

“É a primeira vez na minha vida que vejo um padre deitado na cama com uma espanhola”. E retirou-se. Era a época da gripe espanhola, que estava ceifando vidas por toda a parte.

Certo dia chegou de carruagem em São Gabriel e parou na esquina da Praça da Matriz, um abastado fazendeiro de Caçapava, trazendo sua esposa em estado gravíssimo. Como não conhecia a cidade, perguntou a um transeunte onde morava o doutor Fernando Abbott. Este respondeu apontando a direção da casa.

Mas ao mesmo tempo informou: “O doutor Fernando recém entrou neste sobrado (Sobrado Dom Pedro II). Suba a escada e ele o atenderá”.

O fazendeiro não vacilou. Entrando porta a dentro, encontrou no segundo piso um grupo de pessoas e perguntou-lhes, aflito: “Qual dos senhores é o doutor Fernando Abbott?”                                       “As suas ordens, atendeu-lhe o médico”.

“Venho de Caçapava trazendo minha esposa muito mal para consultar com o senhor. Peço atendê-la com urgência. Está na carruagem ai na frente”.

O doutor Fernando levou a mão na testa, como a perceber algo estranho e pesaroso, disse-lhe: “Que pena! Ela não mais existe”. “Existe sim doutor. Vamos lá”, insistiu o fazendeiro, beirando ao desespero. Desceram ambos. Ao chegarem à carruagem, a senhora já havia falecido.

Numa outra vez perguntaram-lhe como poderia diagnosticar enfermidade de uma pessoa, apenas no olhar. Respondeu com uma interrogação? “Perguntem ao veterinário como ele sabe das doenças dos animais que trata”. (Fonte: Livro "Uma Santa Casa feia de amor', de autoria do saudoso historiador Osório Santana Figueiredo)


Nenhum comentário:

Postar um comentário