Um dia num fandango em São Gabriel, aonde fui convidado
para ir, eu vi ela, mas hoje já não sei se era ela, ou quem sabe eu quisesse
que meus olhos confirmassem a descrição da vivente. Foi um fandango daqueles
macanudos.
Obaile ia cantando esporas, lascando o chão do salão. Os
candieiros em cada canto do salão, marcavam aquele fusco-fusco, aquele
fumaceiro dos charutos, dos cigarros de palha, os cheiros das canhas nos copos
das mesas, o cheiro das chinas, com suas bocas carnudas com batom vermelho,
realçando os beiços. O pó “Cashmere Bouquet”, exalava nas faces das chinocas,
com seus vestidos vistosos, cada qual um mais bonito do que o outro.
O som vibrante de uma gaita choramingava nos acordes da
noite escura, com prenúncios de temporal. Acompanhando a gaita, um pandeiro
faceiro fazendo a corte do conjunto que abrilhantava a noitada.
Eu com meu chapéu preto “Marcatto”, vi uma mesa vazia no
centro do salão, e me aprocheguei. Eu e minha cadela “Totó”. Vi que atrás dela
vinha um batalhão de outros cuscos, que queriam levar ela pros pelegos, pois a
cachorrita minha de estimação estava no cio.
E eu observava muitas vezes que ela gostava da coisa. Era uma cadela baixinha,
baia, com aquele olhar safadinho, mas
ela era muito arteira na arte do amor.
Eu olhava no centro do salão, o sassarico da gauchada
grudado nas ancas das chinas, ao som de um vaneirão, de um chamamé e embaixo da
mesa os meus pés faziam seu bailito quietinho, mas louco para se misturar no
entrevero do baile.
Eu pedi um vinho marca “Chapadão”, proveniente lá das
bandas de Jaguari. Cada gole que o gaúcho levava goela abaixo, parecia uma
tormenta que passava a galope em minha garganta.
Mas eu pensava na china, aonde ela poderia estar, em que
pelegos poderia estar. Mas uma certa hora, veio uma chinoca, baixota, bonita a
desgraçada, passando perto de aonde eu estava. Senti aquele cheiro de fêmea e
me deu um alvoroço nos mocotós. Revirei os zóios pra aquela china, para observar
para aonde ela ia.
De repente o gaiteiro dedilhava um chamamé, acompanhadito
de um pandeiro pra lá de animado. Ai eu,
gaúcho, da “Terra dos Marechais”, tapeei meu chapéu na testa e fui atrás
daquela formosura de china.
Seus olhos, lembro bem, pareciam bolitas grandes. Aah,
mas o cheiro da china me entupia de
desejos. Era só um pelego o que eu queria naquela hora, pois aceso como
eu estava já me via com aquela china num
entrevero de amor, testemunhado pela lua e as corujas num moirão.
Mas, esse gaúcho, eu não contei a saga final. Lá pelo
quase fim do bailão, começou aquelas luzes que acendiam e apagavam, junto a tiros de canhão. Isso era o que eu pensava, porque os meus
pensamentos estavam naquela china que cutucava a minha cabeça.
Mas de vereda, minha santa mãe dos medrosos, veio o mundo
abaixo. Apagaram as luzes dos candieiros, lampiões e o único clarão que se via
era dos relâmpagos e os tiros dos trovões. Mas eu, gaúcho cagão, peguei minha
cadela “Totó”, e me fui pra baixo de uma mesa. para me proteger. Isso que era
coragem, não é mesmo?
Bah!! Para terminar o causo, eu me vi solito naquele
salão de baile, todo cagado de medo, e sem a china que meus zóios procuravam.
E ai todo abichornado, peguei minha cadelinha, montei no
meu zaino, e me fui pras casas, mas na
esperança de que na próxima vez será tudo diferente. (Da página de Júlio César Ferreira, no Facebook)
Nenhum comentário:
Postar um comentário