segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O Baile do Solto das Patas

Faz tempo que não vejo aquela percanta, talvez ande por ai, rondando campos cochilhados em  suas andanças em bailantas gaúchas. Mas a desgranida era bonita, não vou dizer o contrário. Não sei o porquê dessa partida, mas sei que são coisas de amor, amor gaúcho.

Um dia num fandango em São Gabriel, aonde fui convidado para ir, eu vi ela, mas hoje já não sei se era ela, ou quem sabe eu quisesse que meus olhos confirmassem a descrição da vivente. Foi um fandango daqueles macanudos.

Obaile ia cantando esporas, lascando o chão do salão. Os candieiros em cada canto do salão, marcavam aquele fusco-fusco, aquele fumaceiro dos charutos, dos cigarros de palha, os cheiros das canhas nos copos das mesas, o cheiro das chinas, com suas bocas carnudas com batom vermelho, realçando os beiços. O pó “Cashmere Bouquet”, exalava nas faces das chinocas, com seus vestidos vistosos, cada qual um mais bonito do que o outro.

O som vibrante de uma gaita choramingava nos acordes da noite escura, com prenúncios de temporal. Acompanhando a gaita, um pandeiro faceiro fazendo a corte do conjunto que abrilhantava a noitada.

Eu com meu chapéu preto “Marcatto”, vi uma mesa vazia no centro do salão, e me aprocheguei. Eu e minha cadela “Totó”. Vi que atrás dela vinha um batalhão de outros cuscos, que queriam levar ela pros pelegos, pois a cachorrita minha de estimação estava no cio.

E eu observava muitas vezes que ela  gostava da coisa. Era uma cadela baixinha, baia, com  aquele olhar safadinho, mas ela era muito  arteira na arte do amor.

Eu olhava no centro do salão, o sassarico da gauchada grudado nas ancas das chinas, ao som de um vaneirão, de um chamamé e embaixo da mesa os meus pés faziam seu bailito quietinho, mas louco para se misturar no entrevero do baile.

Eu pedi um vinho marca “Chapadão”, proveniente lá das bandas de Jaguari. Cada gole que o gaúcho levava goela abaixo, parecia uma tormenta que passava a galope em minha garganta.

Mas eu pensava na china, aonde ela poderia estar, em que pelegos poderia estar. Mas uma certa hora, veio uma chinoca, baixota, bonita a desgraçada, passando perto de aonde eu estava. Senti aquele cheiro de fêmea e me deu um alvoroço nos mocotós. Revirei os zóios pra aquela china, para observar para aonde ela ia.

De repente o gaiteiro dedilhava um chamamé, acompanhadito de um pandeiro pra lá de animado. Ai  eu, gaúcho, da “Terra dos Marechais”, tapeei meu chapéu na testa e fui atrás daquela formosura de  china.

Seus olhos, lembro bem, pareciam bolitas grandes. Aah, mas o cheiro da china me entupia de  desejos. Era só um pelego o que eu queria naquela hora, pois aceso como eu estava já me via  com aquela china num entrevero de amor, testemunhado pela lua e as corujas num moirão.

Mas, esse gaúcho, eu não contei a saga final. Lá pelo quase fim do bailão, começou aquelas luzes que acendiam  e apagavam, junto a tiros de canhão. Isso  era o que eu pensava, porque os meus pensamentos estavam naquela china que cutucava a minha cabeça.

Mas de vereda, minha santa mãe dos medrosos, veio o mundo abaixo. Apagaram as luzes dos candieiros, lampiões e o único clarão que se via era dos relâmpagos e os tiros dos trovões. Mas eu, gaúcho cagão, peguei minha cadela “Totó”, e me fui pra baixo de uma mesa. para me proteger. Isso que era coragem, não é mesmo?

Bah!! Para terminar o causo, eu me vi solito naquele salão de baile, todo cagado de medo, e sem a china que meus  zóios procuravam.

E ai todo abichornado, peguei minha cadelinha, montei no meu zaino, e me fui pras casas, mas na  esperança de que na próxima vez será tudo diferente. (Da página de Júlio César Ferreira, no Facebook)


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