Os cemitérios nem sempre existiram como hoje. Eles
sofreram muitas alterações ao longo dos anos. Nos primórdios os mortos eram
sepultados geralmente no interior de igrejas. A presença de doenças, no entanto
mudou esse costume a partir do século XVIII.
Os sepultamentos dentro de igrejas eram muito comuns na
Europa até que, no século XIV, a peste negra dizimou milhões de pessoas,
fazendo com que não fosse possível comportar tantos corpos. Assim, os enterros
foram instituídos.
No Brasil, os sepultamentos em igrejas existiram até a
década de 20, quando foram construídos os primeiros cemitérios. Antes disso,
apenas escravos e indigentes eram enterrados, enquanto os homens livres eram
sepultados nas igrejas. Devido a esse costume, era possível “medir” o tamanho
de uma cidade pela quantidade de igrejas que ela possuía.
O ato de enterrar os corpos é quase tão antigo quanto o
próprio ser humano. Pesquisadores descobriram cemitérios estimados em 60 mil
a.C., com chifres de animais sobre os restos mortais, indicando que já existia
o ritual de presentear o falecido.
A necessidade de “esconder” os corpos embaixo da terra,
ou mesmo de pedras, tinha um sentido diferente do atual: corpos em putrefação
atraíam animais. Sendo assim, essa era uma maneira de se proteger dos
predadores.
Os enterramentos passaram a ser feitos em áreas nos
limites das cidades. Em pouco tempo não havia mais espaços para isso, o que
levou a criação de locais específicos, bem mais distantes dos centros urbanos.
A história acabou se repetindo. A urbanização acelerada
das cidades, ocupando todos os espaços possíveis, em curto espaço de tempo
também absorveu esses locais.
Foi então que surgiram os cemitérios como conhecemos
hoje, tendo espaços reservados para o acolhimento de restos mortais. São várias as formas de sepultamento, em
jazigos individuais ou sepulturas coletivas, cujas arquiteturas e ornamentações
refletem os status das famílias.
A ORIGEM DOS VELÓRIOS
Já o costume de velar os corpos tem outra origem. É
provável que esse ritual tenha surgido na Idade Média, quando muitos dos
utensílios domésticos, como copos e pratos, eram fabricados com estanho.
As famílias de mais posses utilizavam copos desse metal
para consumir bebidas alcoólicas, porém, a mistura das substâncias poderia
deixar o sujeito “no chão”, causando uma espécie de narcolepsia. Quando
encontrado, o corpo era recolhido e colocado sobre uma mesa. Assim, a família
fazia uma vigília para ver se o “morto” iria acordar.
O nome “velório” surgiu das velas. O fato é que, sem luz
elétrica na época, as pessoas passavam as noites segurando velas enquanto
vigiavam o falecido. Daí a expressão “velar” o corpo.
Algumas religiões dizem que o velório deve durar 24 horas
porque o espírito ainda está presente no corpo. O povo hebreu criou o costume
de sepultar os mortos, posteriormente adotado pela Igreja Católica.
O CEMITÉRIO DE SÃO GABRIEL
Dito isso, passemos ao que interessa o Cemitério de São
Gabriel. Na época da fundação da cidade atual, o casario foi precedido pela
ereção da capela, bem no alto da coxilha, recebendo como padroeira Nossa
Senhora do Rosário Bomfim, logo apelidada de Igreja do Galo, por ostentar na
sua superfície um galo de bronze, giratório.
Foi a Matriz de São Gabriel até o ano de 1924 quando foi
inaugurada a Igreja do Arcanjo São Gabriel, na Praça Doutor Fernando Abbott.
No fundo da Igreja do Galo foi construído o cemitério. No
ano de 1835 houve a necessidade de muda-lo devido ao aumento da população, que
se fazia progressivo, e também a fedentina sentida e reclamada constantemente.
Segundo o saudoso escritor gabrielense, Celso Schoereder,
em 11 de novembro de 1835, foi baixada proibição, a bem da salubridade pública,
de inumar-se cadáveres no antigo cemitério, sendo designado local para outro,
fora da povoação.
A ata então lavrada, foi firmada pelo cura da capela,
padre Joaquim Ribeiro de Andrade e Silva, pelo juiz de paz Camilo Maria de
Menezes, escrivão Luiz dos Santos Luges, Florentino de Deus Machado, Fidélis
Nepomuceno Prates Filho, Zeferino Teixeira de Carvalho e Tomaz Ferreira Vale
Filho.
CEMITÉRIO DA VILA MARIA
Atendendo a determinação legal, o cemitério da vila foi
instalado em local mais distante do centro, em terreno situado no hoje
"Corredor José de Lima", na parte leste da atual Vila Maria.
O cemitério pertencia a Irmandade do Santíssimo
Sacramento e Arcanjo São Gabriel. Esse lugar hoje está tomado de casas
residenciais, restando apenas os pilares do portão principal, que foi
construído por uma Comissão presidida pelo Marechal João Propício Menna
Barreto, Barão de São Gabriel.
Mais tarde o Marechal Propício teve naquele cemitério a
sua primeira sepultura. Agora apenas resta um marco simbólico de reverência ao
campo santo que ali existiu.
Mais tarde, tornando-se esse local exíguo, novamente foi
o cemitério transferido, desta vez para a parte Oeste da localidade, onde até
hoje se encontra. Ele começou a ser erguido em 1862, em área de terra doada
pelo brigadeiro José Maria da Gama Lobo Coelho D’Eça, o “Barão de Saicã”.
O Cemitério localiza-se em área urbana, em terreno amplo
com topografia ondulada, sujeito a ação de ventos, e apresenta em seu entorno
vegetação herbácea típica do Bioma Pampa. Mas não existem residências nas áreas
próximas.
A inauguração aconteceu no ano de 1864, quando se
encontrava amurado de tijolos, com portão de madeira e uma cruz de pau junto ao
muro de fundo.
A cruz virou um local de meditação e preces. No “Dia de
Finados”, muitas flores cobrem o pé da cruz. No “Acendedor Coberto”, ali
existente, multiplicam-se as velas acesas.
O EXEMPLO DE SÃO GABRIEL
É interessante notar que São Gabriel antecipou-se alguns
anos a outras localidades do Brasil, com respeito a localização de seu
cemitério fora do centro urbano, como se pode ver pela seguinte explanação de
Licurgo Santos Filho, que diz:
O velho costume colonial de se dar sepultura aos mortos
no interior das igrejas, capelas e conventos, custou sobremaneira a
desaparecer, dados os preceitos religiosos das populações brasileiras.
Mas foi após 1850, depois da campanha sanitária
empreendida pelos membros das juntas de higiene, que os legisladores e
governantes, temerosos das epidemias fatais de febre amarela e cólera,
construíram cemitérios públicos e proibiram em definitivo o antigo costume,
fazendo-se exceção mediante licença especial para um e outro caso.
Nessa exceção, temos o exemplo do ocorrido com o nosso
Visconde de São Gabriel, marechal João de Deus Menna Barreto, cujos restos
mortais se acham na Igreja Senhor dos Passos, em Rio Pardo, em túmulo situado
no fundo do templo, com uma inscrição modesta, que, aliás, não faz jus a tão
ilustre morto.
O cemitério local pertencia a “Irmandade do Santíssimo
Sacramento e Anjo Gabriel”, que o transferiu para a Santa Casa de São Gabriel,
em 21 de julho de 1898, em ato realizado no Consistório da Igreja Matriz.
Antes o cemitério foi oferecido a municipalidade, mas
esta não quis arcar com a responsabilidade. Por isso passou para a Santa Casa,
que desenvolve a atividade até hoje.
Naqueles tempos o cemitério passava por uma fase de
grandes dificuldades. A transferência para a Santa Casa lhe deu um grande
impulso, garantindo uma transformação total.
Foram construídos os muros laterais com carneiras, uma
capela ao centro, em 1901 e a casa fora do muro para o zelador, na época
provida de telefone.
Em 1979 a capela foi toda remodelada, ligado o serviço de
água à rede da Hidráulica Municipal existente naquele tempo. Além disso, em
1978 foi aberto um segundo portão na frente, para garantir aos visitantes,
especialmente no “Dia de Finados”, um ingresso mais rápido. Em 1991 recebeu luz
elétrica, uma antiga reivindicação.
POTENCIALIDADE TURÌSTICA
O cemitério de São Gabriel tem condições de se tornar um
local turístico, em razão da riqueza de suas arquiteturas. Alguns mausoléus
chamam a atenção, pelos acabamentos, muitos em mármore.
Alguns túmulos são visitados por grandes números de
pessoas, em busca de graças para seus males. Casos do “Túmulo da Guapa”. A
uruguaia Maria Isabel Hornos, nasceu a 15 de junho de 1897, chegando a São
Gabriel na década de vinte, estabelecendo-se, na avenida doutor Celestino
Cavalheiro, com pensão de mulheres.
Muito bonita e amável com todos, carinhosa com as
crianças, tornou-se popular e apreciada pela maioria da população. Possuía
personalidade forte e corajosa, daí o apelido de Guapa.
A 3 de março de 1924, durante o Carnaval, foi alvejada a
tiros, pelas costas, no seu quarto. O culpado ficou impune, pois o crime teria
sido “encomendado”. Seu sepultamento foi muito concorrido, pois sua morte
consternou a cidade.
O outro túmulo que merece a devoção dos visitantes, é o
da cigana Maria Anita Costichi. Está localizado à esquerda do portão de entrada
do cemitério.
No inverno de 1944, chegou a São Gabriel um grupo de
ciganos que montou acampamento no local onde, hoje, está situado o Supermercado
Rede Super.
Entre as ciganas, destacava-se Maria Anita Costichi, bela
e formosa mulher de 40 anos de idade, muito alegre e gentil. No final de julho,
seus admiradores souberam que estava muito doente recolhida a uma das tendas e,
no dia 30 de agosto veio a falecer, vítima de câncer, após muito sofrimento.
Em 2016, um estudo realizado por autoridades sanitárias
estaduais, mostrou a potencialidade do cemitério local para o turismo, tendo em
vista justamente a arquitetura tumular, os jazigos referentes a vultos da
história e as peregrinações a figuras populares, personagens beatificadas pelo
povo.
A RIQUEZA ESTATUÁRIA
O saudoso escritor gabrielense, Osório Santana
Figueiredo, já dizia em seu livro “A História de São Gabriel”, que essa
estatuária é considerada a mais rica dos cemitérios do interior do Estado.
Conta ele, em seu livro “Uma Santa Casa Feita de Amor”,
que logo na entrada do cemitério, sobressaem-se os suntuosos jazigos das
famílias Osório Barreto Azambuja, os de Inocêncio Cunha e Gabriel Rodrigues, à
direita, belíssimos mausoléus erguidos em mármore de Carrara, revelando uma era
de suntuosidade e gosto afetuoso.
Maias adiante, erguem-se magníficos, os monumentos
funerários ao marechal João Propício Menna Barreto, Barão de São Gabriel, este
encimado pelo busto do homenageado. Ainda, os da Baronesa de Saicã, do Barão de
Candiota e do General Hippólito Ribeiro, grandioso na sua dimensão escultória.
Ao penetrar-se o portão principal do cemitério, segue-se
à direita, até a primeira rua, dobra-se à esquerda e ainda se anda até o quinto
jazigo, antes de alcançar o fim da quadra, à direita.
Ali, num modesto túmulo de família, jazem os restos
mortais de Maneca Pereira, essa extraordinária mulher gaúcha, que foi a maior
cavaleira do Rio Grande do Sul, em todos os tempos, consagrada em livro.
Destaque também para a urna funerária, feita em mármore,
formato piramidal, onde encontram-se os despojos dos irmãos, Comendador
Francisco da Cruz Jobim, o “Barão do Cambaí e Marins da Cruz Jobim.
Segue-se depois uma sucessão de jazigos e túmulos
decorados, em que se ressaltam as imagens estatutárias dos mais variados
tamanhos e significados, erguidos aqui e ali, a desafiar a nossa atenção
interpretativa, pela beleza das suas imagens e pelo conjunto harmonioso de tão
belas e admiráveis decorações.
Entre eles o jazigo de Manoel Martins da Silveira Lemos,
tabelião. Foi um exemplo de homem probo, inteligente e honrado. Abastado
fazendeiro confiou-lhe grande importância em moedas de ouro. Logo após morreu.
Embora ninguém, soubesse, ele entregou o dinheiro ao juiz da cidade.
Existe desde tempos desconhecidos, no lado Sul do
cemitério, uma coluna de proporções roliças, toda em mármore, ostentando uma
simbologia esotérica, talhada do pesado tronco de pedra: uma cobra, um sapo,
uma coruja, um besouro e uma borboleta.
Sabe-se que aquele monumento pertenceu a família do
general Farroupilha João Antônio da Silveira. Segundo contam os mais antigos, a
coluna quebrara-se com uma tormenta arrasadora que se abateu sobre a cidade, no
ano de 1925. Assim, partida, permanece até agora atirada no chão. E com o
tronco quebrado em dois.
NECROCHORUME, PROBLEMA EM CEMITÉRIOS
A presença do “necrochorume”, substância produzida pela
decomposição dos corpos, é um problema comum em cemitérios. É de aparência viscosa,
cor castanho-acinzentada, odor desagradável e grau variado de patogenicidade,
constituído de 60% de água, 30% de sais minerais e 10% de substâncias
orgânicas.
No caso do cemitério gabrielense, a presença de lençol
freático foi detectada em apenas, um dos pontos analisados, resultado da
infiltração de água pluvial referente ao longo período chuvoso. Estes dados
revelam a profundidade do lençol freático, fato positivo, pois reduz a
possibilidade de infiltração por “necrochorume”.
Pensando em diminuir o impacto ambiental, já que o
caixão, as roupas e o líquido tóxico da decomposição do corpo podem atingir os
lençóis freáticos, foram criados caixões de material biodegradável. Porém, são
pouco solicitados por sua aparência.
Também foi realizado um trabalho sobre a situação do
cemitério da Irmandade da Santa Casa de São Gabriel. O trabalho foi
desenvolvido através de visitas ao local, entrevistas com funcionários e análise
documental.
Os resultados apontaram irregularidades, no que concerne
aos quesitos para a emissão da “Licença de Operação”, bem como praticas
incorretas na disposição dos resíduos gerados pela atividade.
Embora, em condições contrarias as exigidas pelos órgãos
ambientais o Cemitério continua suas atividades pela falta de alternativas para
os sepultamentos da população local.
A análise do Cemitério da Irmandade da Santa Casa de São
Gabriel permite concluir que embora sem Licença de Operação haja a necessidade
de continuidade dos serviços prestados pela instituição por se tratar do único
empreendimento neste setor na cidade.
Em relação à possibilidade de contaminação do solo, com
ênfase ao lençol freático, os testes demonstraram uma possibilidade remota.
(Pesquisa: Nilo Dias - Publicado no jornal "O Fato", de São Gabriel-RS, edição de 20 de dezembro de 2018))
Muito organizado este ceminterio e nem limpo com seguranca.
ResponderExcluirBem limpo disse
ResponderExcluirMilca
ResponderExcluirMilca
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